À Procura da Felicidade

16/02/2010

Crítica de Cinema – Texto publicado originalmente em A ARCA, em 29/01/2007.

Se você, leitor, é um cinéfilo inveterado, com certeza já assistiu alguma coisa ou pelo menos já ouviu falar de Frank Capra. E se você não faz idéia de quem seja este meliante, vai saber agora: Capra, nascido em 1897 e falecido em 1991, é tido como um dos maiores cineastas que o cinema dos Estados Unidos já viu em toda sua história. O público ianque só podia considerá-lo assim, já que o estilo narrativo das fitas de Frank Capra exaltava justamente os ideais de otimismo e perseverança que a platéia de sua época, à beira da Depressão dos anos 30 e da iminência da 2.ª Guerra Mundial, queria e PRECISAVA alimentar. Independente de qualquer coisa, Capra realizou maravilhosos longas-metragens que, hoje, tornaram-se clássicos indiscutíveis – como Aconteceu Naquela Noite (1934), o primeiros dos três únicos filmes a levar os cinco Oscars principais; O Galante Mr. Deeds (1936); Do Mundo Nada Se Leva (1938); A Mulher Faz o Homem (1939); A Felicidade Não Se Compra (1946); entre muitos outros.

A citação a Frank Capra é bastante cabível. Porque À Procura da Felicidade (The Pursuit of Happyness, 2006), novo filme de Will Smith, poderia perfeitamente ter sido dirigido por Capra. A história real do banqueiro Chris Gardner, homem de posses limitadas que perdeu o pouco que tinha, tornou-se um sem-teto e, pouco tempo depois, virou milionário (!), carrega nas costas toda a estrutura padrão dos clássicos do saudoso cineasta: traz um homem que chega ao fundo do poço, depois desce mais um pouco e, com muita coragem e humildade, luta contra a opressão da sociedade até conseguir se levantar e vencer na vida, e tudo isto sem perder suas virtudes. Impossível não se lembrar dos filmes de Capra ao assistir À Procura da Felicidade, assim como é até fácil imaginar o saudoso James Stewart, o ator preferido de Capra, no papel de Will Smith.

O melhor de tudo é que esta nova fita, dirigida com leveza e simplicidade pelo italiano Gabriele Muccino (o mesmo de O Último Beijo, fita de sucesso que ganhou uma refilmagem ianque chamada Um Beijo a Mais e estrelada por Zach Braff), também se assemelha aos longas de Frank Capra em um aspecto importante: não chega a cair na mesmice. À primeira vista, pode parecer que À Procura da Felicidade é apenas um drameco clichê estadunidense feito para fazer o espectador chorar de forma programada e papar algumas estatuetas da Academia. E parece mesmo, tanto que este que vos escreve declarou publicamente seus temores em várias notícias aqui n’A ARCA. E na verdade, em alguns momentos é, de fato, fabricado para arrancar lágrimas até mesmo de sujeitos sem coração. Nada disso: estamos falando é de uma película sincera, humilde, que sensibiliza e diverte em doses até equilibradas. Sério, ao final, você sai com os olhos mareando e um gigantesco sorriso nos lábios.

Também, não é pra menos: Gardner, vivido por Will Smith, é um sujeito em constante busca à tal felicidade do título. Ao início dos anos 80, ele tem uma esposa sofrida, Linda (Thandie Newton, de M:I.2, em surpreendente interpretação), e um engraçadíssimo filhinho de cinco anos, o esperto Christopher (Jaden Christopher Syre Smith, que também é filho de Will Smith na vida real). Só que a maré não está pra peixe: Gardner não tem um emprego fixo e tem que se virar vendendo, ou tentando vender sem sucesso, um aparato de raio-X que, em suas próprias palavras, “é ligeiramente mais avançado do que uma máquina de raio-X comum e o dobro de seu preço”. Linda já não agüenta mais o aparente descaso do marido e não consegue lidar com o fato de trabalhar feito uma louca para bancar praticamente sozinha as contas do apartamento. Metade das contas, aliás, estão inadimplentes há meses. Impostos, multas de estacionamento, aluguel… Sentindo-se pressionada, Linda não resiste ao tranco, surta legal e cai fora… largando Christopher com seu agora ex-marido.

O caminho das pedras de Chris Gardner começa aqui: sem dinheiro e sem qualquer retorno da tal venda autônoma dos tais aparelhos, o cara encanta-se com a possibilidade de se tornar um corretor e, depois de muito encher o saco do executivo Jay Twistle (Brian Howe), consegue um estágio não-remunerado em sua firma, com uma remota possibilidade de contratação dali a algum tempo – a cena em que Gardner convence o profissional com seus dotes extraordinariamente avançados na matemática, representada por um Rubik’s Cube (um dos mais lendários jogos dos anos 80), é excelente.

O problema é que a vida não dá trégua para o indivíduo. Assim, Gardner e seu filho são expulsos do apartamento onde vivem. Com o pouco de dinheiro que lhe sobra, o pai leva o filho para morar em um hotel. Com o tempo, é também expulso de lá. Não há alternativa a não ser passar os dias trabalhando a troco de nenhum salário e estudando a todo instante, e no final do dia, buscar Christopher na escolinha e correr para um abrigo de indigentes – e quando não há vagas lá, se virar para dormir em qualquer canto, seja a fachada de uma lanchonete decadente, seja o banheiro público de uma estação do metrô. Só o que fica inabalável é o amor que Gardner sente pelo pequeno Christopher, o que o faz não desistir de alcançar seus objetivos.

É a partir daí que se percebe como faz toda a diferença a visão de um diretor estrangeiro neste tipo de história. A mão leve de Gabriele Muccino não chega a derrapar nos clichês que surgem como obstáculos no caminho, e entrega algumas cenas que, se não fossem os diálogos em inglês e o rostinho de mega-astro de Will Smith, poderiam perfeitamente ter saído de um drama obscuro de qualquer canto do planeta. Parte deste mérito está no dinâmico roteiro de Steve Conrad (o mesmo que escreveu o mediano O Sol de Cada Manhã, com Nicolas Cage), que detalha o sufoco dos personagens centrais evitando cair no velho discurso do “sonho americano” e sem entregar-se ao mais puro dramalhão.

Claro que, inevitavelmente, há uma ou outra situação mais, digamos, melodramática – para não dizer “açucarada a ponto de causar diabetes nas pessoas”: a primeira noite no abrigo, por exemplo. E a cena do sujeito tentando invadir o banheiro público. Mas até que estes poucos momentos não chegam a incomodar. Seqüências inspiradas, como aquela em que Gardner mostra como funciona a “máquina do tempo” a Christopher, compensam as falhas.

E Will Smith? Bom, ele se sai muito bem no papel de Chris Gardner. Sua construção do sem-teto-que-vira-milionário é bastante contida, sem exageros. Mas não creio que valha uma indicação ao Oscar, pra ser sincero. Smith é um ótimo ator dramático – o fenomenal Ali, de Michael Mann, é uma prova concreta –, mas devo dizer que esperava muito, mas muito mais de sua atuação. E a Academia perdeu uma chance de ouro de fazer história por não ter indicado a grande alma de À Procura da Felicidade: Jaden Christopher Syre Smith. Não parece, de modo algum, que estamos vendo um garotinho de sete anos ali (o personagem tem cinco anos, mas o ator tem sete). Impressionante o grau de maturidade do ator-mirim no papel, e mais impressionante como sua presença em cena só faz o personagem de Will Smith crescer ainda mais. Pois é, o moleque é o orgulho do papai. :-P

Só a presença de Jaden Christopher Syre Smith já vale uma visitinha a À Procura da Felicidade. Felizmente, o filme é mais do que isso. Estamos falando de uma fita simples, sincera, que pode até não ser tão fiel assim à sua fonte – sabe-se, por exemplo, que o verdadeiro Chris Gardner tinha lá seus “desvios” e não era um homem tão perfeito e tão humilde quanto a fita pinta –, mas que não faz muito esforço para cumprir sua intenção de mostrar o quanto pode-se conseguir com um pouco de esforço, ainda que saibamos que, afinal, trata-se de um filme, não da vida real, como ela é. De qualquer forma, Frank Capra já defendia, em sua época, que o mais importante do cinema é fazer o público acreditar que há possibilidade de uma virada, de um pouco de melhora nesta turbulência toda que é a vida.

E quando o pequeno Christopher segue contando a piadinha do “toc toc” ao final da película… não adianta, a gente acaba acreditando mesmo.

CURIOSIDADES:

• Aqueles que manjam de língua inglesa certamente captarão um erro gritante no título original da fita (a saber, a palavra Happiness está escrita com a letra “Y” no lugar da letra “I”). A exemplo do ótimo terror Cemitério Maldito (cujo título original traz a palavra cemetery escrita sematary, por ser desta forma que a palavra está escrita na placa do tal lugar), há um significado para esta grafia errada; significado este que é explicitado já nos minutos iniciais de À Procura da Felicidade.

• O nome do diretor Gabriele Muccino para a direção de À Procura da Felicidade foi uma escolha exclusiva de Will Smith. Ele quis contratar Muccino depois de assistir a O Último Beijo e entender que o tom onírico aplicado pelo cineasta em seu filme de maior sucesso era o tom que queria aplicar a esta película.

• O verdadeiro Chris Gardner faz uma pontinha ao final da fita, atravessando a tela de um lado a outro ao fundo.

• Boa parte dos figurantes são moradores de rua que receberam salário de extras. O salário pago a eles foi o mínimo da categoria em São Francisco (cerca de US$ 8,62 a hora), mais um prato reforçado de comida ao dia. Muitos dos moradores de rua usados no filme não viam dinheiro em suas mãos há anos.

THE PURSUIT OF HAPPYNESS • EUA • 2006
Direção de Gabriele Muccino • Roteiro de Steve Conrad
Elenco: Will Smith, Jaden Christopher Syre Smith, Thandie Newton, Brian Howe, James Karen, Dan Castellaneta, Kurt Fuller.
117 min. • Distribuição: Columbia Pictures.


O Quarteto Fantástico

16/02/2010

Crítica de Cinema – Texto publicado originalmente em A ARCA, em 07/07/2005.

Num mundo perfeito, não precisaríamos nos preocupar em ter que presenciar mais uma atrocidade de Tim Story invadindo os cinemas, pois o cara seria banido da face do planeta para todo o sempre. E isto não é um acesso iminente de cólera de um fã xiita do Quarteto Fantástico, pois como todos sabem, eu não sou exatamente o que poderia-se dizer “um expert em HQs”. Apesar de tudo, já posso dizer que não sou totalmente leigo no ramo, visto que fui apresentado recentemente e ando folheando algumas revistinhas bastante puras e inocentes, como Preacher, Authority, Hellblazer, Alias e afins… Aliás, a Jessica Jones, estrela de Alias, provou ser digna de meu respeito, pois só mesmo um herói para agüentar calado a carcada que aquele armário chamado Luke Cage deu nela no, er, digamos, “Lado B” da coisa. :-)

Voltando ao assunto: num mundo perfeito, Tim Story não teria sequer nascido (!). E isto não é papo de fã de gibi revoltado. Digo com relação a cinema mesmo. Afinal, quem, assim como eu, teve a coragem de se submeter a torturas psicológicas como Uma Turma do Barulho e Táxi, sabe e talvez concorde comigo que a direção deste “pseudo-cineasta com nome de filme da Pixar” é simplesmente sofrível. Quanto ao controverso longa-metragem do Quarteto Fantástico, dirigido por Story e principal estréia da semana, não posso falar nada, pois ainda não pude conferir. E talvez nem vá: primeiro, porque acho o Ioan Gruffudd o maior mané. Segundo, porque prefiro guardar meu punhado de moedas para outra coisa fantástica: uma certa fábrica de chocolates cujos portões estão perto de abrir. Ei, entenderam o trocadilho? Hehehe!

Por mais que eu sinta um asco tremendo pelos filmes de Tim Story – e também saiba que o lance neste novo trabalho não está tão diferente assim -, devo concordar que, em comparação a um VHS surgido no meio dos anos 90, a nova aventura do Sr. Fantástico e companhia é digna de um Oscar de Melhor Filme! Sim, estou falando do mitológico O Quarteto Fantástico (The Fantastic Four, 1994), uma tosqueira produzida em 1994 por ninguém menos que o master dos filmes B Roger Corman. Se você curte quadrinhos e ainda não assistiu a esta “jóia”, tenho certeza de que pelo menos ouviu falar dela, ou de sua lenda: quem aí nunca ouviu falar da fita que foi produzida, mas os produtores decidiram não lançar, depois que conferiram o resultado final e viram o tamanho do abacaxi que tinham em mãos?

Antes de mais nada, voltemos no tempo para entender o que aconteceu: lá pelos idos do final dos anos 80 e início dos anos 90, com a febre do Batman de Tim Burton, os estúdios queriam apostar todas as fichas em adaptações de heróis dos quadrinhos para as telonas. Quem saiu na frente foi justamente a New Horizons, empresa do homem mais tosco de todos, o mequetrefe Roger Corman. A New Horizons foi acionada pela empresa alemã Constantin Film para rodar uma fita do Quarteto. O tal estúdio alemão detinha os direitos de adaptação dos personagens desde 1989, mas este contrato venceria em quatro anos e o custo da renovação seria muito caro – a não ser que a produtora realmente produzisse um material qualquer com os personagens. Assim, poucos meses antes do vencimento do contrato, a New Horizons de Corman rodou O Quarteto Fantástico em apenas um mês e com um orçamento “milionário” de US$ 1,5 milhão, apenas para dizer que fez alguma coisa… :-P

O resultado desta empreitada deixou os executivos da Marvel de cabelos em pé. Mesmo não sendo oficialmente confirmado, muitas fontes afirmam de pé junto que a Marvel, então representada por Stan Lee, sentiu-se tão ofendida com o material apresentado por Roger Corman que proibiu o lançamento da fita por lei, embora a Constantin Film tivesse planos de realizar um discreto lançamento nos cinemas. No final dos anos 90, quando disseminou-se o boato sobre a existência da “fita maldita do Quarteto Fantástico”, a Marvel chegou a publicar que destruiu a cópia matriz. O que aparentemente não é verdade, visto que há uma cópia bem prejudicada rolando pela Internet.

Mas afinal, O Quarteto Fantástico é tão ruim assim? Sim, é. Eu não diria “ruim”, diria logo TRÁGICO, embora não saiba dizer se o péssimo roteiro escrito pelos “famosos quem?” Craig J. Nevius e Kevin Rock ofende ou não a essência do histórico dos personagens. O que posso dizer com convicção é que o longa-metragem dirigido por um tal de Oley Sassone (hein?) é mal escrito, mal interpretado, reúne o maior número de clichês de folhetins mexicanos por metro-quadrado e é bastante amador no sentido visual da coisa, o que não é desculpa alguma para justificar certos erros. Para entender melhor o que digo, aqui vai um breve resumo do enredo.

Tudo começa quando os melhores amigos Reed Richards (Alex Hyde-White) e Victor Von Doom (Joseph Culp), ainda em sua juventude, criam uma máquina para tentar extrair energia de um cometa radioativo chamado Colossus, que passa pela Terra de 10 em 10 anos. O plano dos dois é aquilo de sempre: abastecer o planeta de modo que os gastos possam ser reduzidos e blá blá blá. Um mau pressentimento de Reed e um erro de cálculo resultam numa explosão e na aparente morte de Victor, que fica todo “torradinho”. Até este momento, somos presenteados com pelo menos duas cenas muito “perturbadoras”: o inexplicável tombo da piveta que “interpreta” a jovem Sue Storm, e a patética seqüência do “abraço” entre Reed e Ben Grimm (Michael Bailey Smith) no hospital. Olha, quem adora tirar um sarro da amizade entre Frodo e Sam na trilogia sagrada O Senhor dos Anéis, precisa urgentemente ver isso aqui! :-P

Dez anos depois, Reed é um conhecido cientista e construiu uma hiper-espaçonave com o objetivo de capturar a tal energia do Colossus. Reed convida Ben para fazer parte da tripulação da tal nave, assim como os irmãos Sue Storm (Rebecca Staab) e Johnny Storm (Jay Underwood). Detalhe: Sue e Johnny não entendem nada de astrofísica, mas Reed os convida mesmo assim! É incrível como os caras chegam na casa dois e perguntam “Querem ir para o espaço?”, e eles respondem “Sim, queremos!”. É aqui que você poderá encontrar o diálogo mais chumbrega de todo o filme. Afe!

Enfim, para viajar pelo espaço, Reed precisa de um diamante gigante e ultra-detalhado que filtrará a energia do “Colossus”, de modo que mantenha a tripulação segura. Mas um bandido que apareceu na história do nada, chamado “O Joalheiro” (por sinal, um personagem parecido ATÉ DEMAIS com o Pingüim de Danny DeVito em Batman, o Retorno), rouba a pedra preciosa, substituindo-a por uma réplica idêntica (que ninguém sabe de onde veio). Isto, claro, ocasiona na explosão da nave e na conseqüente transformação dos tripulantes no Quarteto Fantástico. E quando você pensa que o negócio não poderia ficar pior… voilá! E alguém aí me explica: como um acidente em pleno espaço desintegra a nave por completo e seus tripulantes caem na superfície terrestre sem sofrer NENHUM DANO?

Enquanto isso, Victor revela-se vivo e convertido no famigerado Dr. Destino – praticamente um irmão-separado-no-nascimento do nobre Esqueleto de Mestres do Universo, aquela coisa medonha com o Dolph Lundgren -, já em seu país natal, a Latvéria (local onde “coincidentemente” o grupo caiu), planeja roubar os poderes dos quatro infelizes. Mas como o vilão adivinhou que a turminha do titio Richards tinha super-poderes, visto que eles acabaram de cair? E como a Sue Storm arrumou o uniforme do Quarteto em tão pouco tempo? E como QUALQUER ROUPA que a Mulher Invisível coloque desaparece junto com ela? Por que o lar do Dr. Destino é um típico Castelo do Conde Drácula, bem na pontinha de um precipício e com vários raios subindo ao fundo? Por que a insuportável musiquinha edificante toca a toda hora? Como diria a dona Milu: Mistéééééééério.

As maiores falhas surgem a partir deste ponto: é impressionante como os quatro conhecem seus poderes e assustam-se com o que vêem, para dali a dois minutos já levarem tudo numa boa e dominarem totalmente suas “particularidades”. Os efeitos especiais são um show à parte: enquanto o Tocha Humana surge no formato de uma terrível animação cuja seqüência é um visível loop de uma única cena (!), o Sr. Fantástico utiliza-se de braços e pernas literalmente de borracha para se esticar – reparem nas mãos e pés do indivíduo, é muito mal feito! Já o Coisa não passa de um boneco de espuma com cabeça de Tartaruga Ninja, que até engana quando está parado, mas quando se movimenta… Vixe! No saldo geral, as demonstrações de poderes são totalmente risíveis – não para os fãs, claro, que sentirão um desejo claro de arremessar a TV longe.

Quanto às interpretações… bem, as interpretações dos atores centrais, todos ilustres desconhecidos, são horrorosas. Não dá pra saber quem é o pior. Um destaque especial, na minha visão, é o péssimo Jay Underwood, que vive o Tocha Humana. Céus, como aquele cara é ruim! Enquanto isso, a fraca Rebecca Staab, como a Mulher Invisível, não faz nada além de “alisar” o Reed Richards e sorrir o tempo todo. O “menos ridículo” de todos é Michael Bailey Smith, que até tenta dar um pouco de dignidade quando está na pele de Ben Grimm, mas torna-se tão ruim quanto os outros quando vive o Coisa. Não tem como não rolar no chão com a grotesca e hilariante seqüência dramática a la novela mexicana do SBT, em que o Coisa revolta-se com sua condição e tenta se aproximar de duas garotas na cidade grande. Talvez este seja o momento mais lamentável (e conseqüentemente engraçado) da fita inteira. :-P

Bem, se relacionássemos todos os pontos negativos deste O Quarteto Fantástico by Roger Corman, este texto jamais terminaria (!). Afinal, ainda temos as montagens mal-feitas, a trilha sonora composta de apenas três faixas – uma para os momentos de ação, outra para os momentos tristes e mais uma terceira faixa “meio circense”, para as aparições escabrosas do Joalheiro. Nem a Alicia Masters, escultora cega e paixão platônica de Ben Grimm, escapa da humilhação! Aliás, as cenas protagonizadas pela garota (interpretada por uma tal Kat Green) são de gelar a medula. Isso porque me recuso a comentar a pavorosa cena final do casamento e do “tchauzinho”, tão ruim que é capaz de causar suicídios coletivos em massa (!), e a pontinha do horroroso George Gaynes, para quem não lembra, o Comandante Lassard da cinessérie Loucademia de Polícia

Então, uma pergunta que todos devem ter feito até agora: o negócio é tão tosco e tão ruim que justifique a suposta decisão da Marvel de enterrar a produção no buraco mais fundo que pôde cavar? Depois da terrível experiência de assistir a esta coisa, eu digo: sim, esta iniciativa da empresa é perfeitamente justificável. É como aquela máxima da Lei de Murphy: “Quando algo está ruim, lembre-se de que pode ficar ainda pior”. E olhando agora, devo confessar que blasfêmias como a visão de Joel Schumacher para o Cavaleiro das Trevas e até mesmo a escalação de Tim Story para uma película protagonizada por super-heróis não parece ser tão horrível assim… Vade retro!

THE FANTASTIC FOUR • EUA/ALE • 1994
Direção de Oley Sassone • Roteiro de Craig J. Nevius e Kevin Rock
Baseado nos personagens de HQ criados por Stan Lee e Jack Kirby
Elenco: Alex Hyde-White, Jay Underwood, Rebecca Staab, Michael Bailey Smith, Ian Trigger, Joseph Culp, George Gaynes, Kat Green.
90 min. • Distribuição: New Horizons.


Fonte da Vida

03/01/2010

Crítica de Cinema – Texto publicado originalmente em A ARCA, em 23/11/2006.

Então, finalmente chega aos cinemas o mais do que esperado Fonte da Vida (The Fountain, 2006), terceiro filme do conceituado indie Darren Aronofsky e seu primeiro “trabalho de estúdio grande”, que sofreu tudo quanto é tipo de maldição. Sério, parece que o universo inteiro conspirou contra esta coisinha! Engatilhado desde 2002, quando Brad Pitt foi escalado para o papel central, a fita ganhou a geladeira com a saída do ator (diferenças criativas, o sujeito alegou à época) e o conseqüente desinteresse dos produtores, e só conseguiu enxergar a luz do Sol porque Darren Aronofsky, indivíduo deveras insistente, topou reduzir os custos da produção e deu seus pulinhos para concluir o projeto. O resultado final, até o momento apresentado apenas em mostras e festivais de cinema, provocou uma reação morna da crítica especializada. Em Veneza, vaiaram. Muitos acusaram Aronofsky de “pretensioso”. Outros se apaixonaram.

A pergunta: a espera valeu a pena? Bem, é tudo uma questão de ponto de vista.

Vamos às explicações: para quem não sabe, Darren Aronofsky apareceu do nada em 1998, quando comandou um suspense inteligentíssimo e ultra-bizarro chamado Pi, e em seguida dirigiu um visceral drama-quase-terror intitulado Réquiem para um Sonho, considerado por muitos (inclusive eu!) nada menos do que uma obra-prima. Com estes dois trabalhos, o cineasta mostrou não somente um domínio impressionante de linguagem cinematográfica, mas também uma tendência forte a transformar suas histórias em exercícios altamente criativos em termos de montagem e narrativa. Tais tendências tornaram Aronofsky o novo queridinho do circuito alternativo-independente, lhe deu uma parcela considerável de fãs… mas também fez muita gente torcer o nariz. Há quem diga que Pi é confuso demais e que Réquiem para um Sonho é totalmente gratuito. Bah. Descrentes.

O parágrafo acima deve ser levado em consideração por qualquer um que tencione ir ao cinema para conferir Fonte da Vida – digo desde já que, se você não travou nenhum contato com a filmografia do cara, deve obrigatoriamente correr até a locadora, alugar Pi e Réquiem para um Sonho e se familiarizar com o estilo de Aronofsky antes de pensar nesta nova produção. O causo é que o diretor é chegado em simbolismos, em metáforas bem escondidas, em pirotecnia visual, em usar toda e qualquer espécie de trama bizarra para falar de um mesmo assunto: pessoas mergulhadas na mais absoluta paranóia. E se você não conhecer ou não curtir a filmografia de Darren Aronofsky, nem perca seu tempo: você odiará Fonte da Vida com todas as suas forças.

Curiosamente, ao mesmo tempo em que a fita é um típico trabalho do cineasta, é também totalmente diferente do que existe em seu currículo. Para simplificar a questão, pensemos em Corpo Fechado, de M. Night Shyamalan: primeiro, o cara entregou o popularíssimo O Sexto Sentido e encantou o público em geral; depois, fez uma fita autoral, calcada em tomadas silenciosas e uma narrativa anti-convencional, e não agradou a muita gente, mesmo que este segundo trabalho tenha sido superior a seu antecessor no resultado final (e foi mesmo!). Não pude evitar pensar em Corpo Fechado durante a projeção de Fonte da Vida porque, mesmo sem um traço de semelhança entre suas estruturas, assim como Corpo Fechado segue um caminho oposto ao de O Sexto Sentido, Fonte da Vida segue um caminho oposto ao de Pi e Réquiem. Enquanto os outros filmes eram focados em temas soturnos (drogas, loucura), este é focado no amor, e nada de visões deturpadas: o negócio é bonito mesmo. Só que tudo é muito escondido; para encontrar os sentidos impostos pelo diretor, é necessário garimpar cada cena, cada diálogo, cada seqüência. Não é à toa que vaiaram o filme.

O barato é que também não consegui evitar pensar em Blade Runner: o Caçador de Andróides. Não podemos nos esquecer de que a magnífica sci-fi dos replicantes caçados por Harrison Ford foi execrada pela crítica e ignorada pelo público na ocasião de seu lançamento, em 1982 – e hoje, quase 25 anos depois, tornou-se cult e é tido por muitos, muitos mesmo, como um clássico indubitável. Será este o destino de Fonte da Vida? Nada como um dia após o outro.

A história de Fonte da Vida, ao melhor estilo As Horas, acompanha três contos em paralelo: a primeira, ambientada no século XVI, narra a obstinada busca do explorador espanhol Tomas Crep (Hugh Jackman, uma escolha perfeita para o papel) à lendária Árvore da Vida – uma entidade que, segundo prega a lenda, presenteia com o dom da imortalidade aquele que beber de seu néctar. Tomas acredita que a Árvore da Vida é a única salvação para livrar a Espanha de seus muitos inimigos, mas o que ele quer mesmo é conquistar o grande amor de sua vida, a Rainha Isabel (a oscarizada Rachel Weisz).

A jornada de Tomas Crep é lida pelo cientista Tommy Creo (Jackman) nos dias atuais. O livro é um presente de sua amada esposa, Izzy (Weisz). Fascinado pela leitura, Tommy toma aquela história para si e segue na desesperada busca de uma cura para o câncer em estado avançado que consome Izzy e, muito em breve, a levará para a morte. Finalmente, no século XXVI, o astronauta Tom (Jackman) encara o fato de que pode ter sofrido várias reencarnações e, ao lado das memórias de Izzy (Weisz), está prestes a descobrir a derradeira resposta para as questões fundamentais do universo e do sentido da vida. E não é 42! (desculpe a piadinha, não pude evitar). Enfim, as três tramas paralelas mostram Tom e suas variações em sua busca eterna… pela vida eterna.

O desenrolar de Fonte da Vida, aparentemente simples, é o que pega. Como eu disse lá em cima, é necessário ter uma afinidade com o jeitão de Darren Aronofsky para catar o sentido da fita. Sim, todos os elementos característicos do meliante, ou pelo menos a maioria, estão lá. Marcam presença as pontinhas de seus atores preferidos, Ellen Burstyn (ótima!), Mark Margolis e Sean Gullette (o anti-herói de Pi), o criativo uso de câmera, a montagem extravagante, a marcante trilha sonora de Clint Mansell… aliás, a trilha é excelente! Clint Mansell acabou de entrar na minha listinha de “grandes compositores de cinema”, ao lado de Howard Shore, Jon Brion, Bernard Herrmann, Mark Mothersbaugh e Angelo Badalamenti.

Voltando, todas as características de Darren Aronofsky estão em Fonte da Vida, mas seu resultado final é, digamos, um pouco diferente. É inegável que o longa é recheado de qualidades: o elenco está nada menos que impecável e o aspecto visual da produção é de encher os olhos. Por outro lado, o roteiro de Fonte da Vida poderia ter sido melhor trabalhado… na verdade, até melhor simplificado. Perde-se muito tempo criando situações para esconder as muitas metáforas existencialistas do enredo, que algumas situações parecem demasiadamente forçadas, escritas às pressas. Um pecado, visto que a maior qualidade dos filmes do diretor é justamente sua facilidade em transmitir suas idéias. Somando-se a este defeito, temos também o uso exagerado do visual; talvez a produção não soasse tão pretensiosa se Aronofsky lapidasse a fotografia e não se excedesse tanto na plástica do filme.

Bem, então… qual é o saldo geral, afinal de contas? É uma questão de ponto de vista, como disse lá em cima. Confesso que minha primeira impressão ao sair da sala de cinema foi razoável. No momento, achei bem mais ou menos, de verdade. No entanto, algum tempo depois me peguei pensando, repassando em minha mente cada uma das seqüências, e encontrei diversos significados que, no calor da sessão, passaram batidos. Com algumas idéias amadurecidas, repensei meu parecer e cheguei à conclusão final de que adorei cada segundo de Fonte da Vida. Hoje, digo que é um dos meus preferidos do ano.

Ainda assim, mantenho firme minha posição: se você não é fã de Darren Aronofsky, não tente curtir. Todo cinéfilo sabe que estamos falando de um cineasta sem concessões, que não se rende fácil ao esquemão hollywoodiano e está mais preocupado em contar suas histórias à SUA maneira – o que, diga-se de passagem, não agrada a muitos. Ao final, Fonte da Vida revela-se nada mais do que um belo filme independente disfarçado de superprodução e vendido da forma mais errada possível. Eu achei o máximo, mas se você odiar, eu entenderei e lhe darei razão. Uma coisa, entretanto, é inquestionável: Darren Aronofsky está caminhando a passos largos para se tornar uma referência obrigatória no futuro. Enquanto Tomas Crep quer a eternidade, Aronofsky aparentemente já conseguiu faz tempo.

Ah, sim, uma correção: Fonte da Vida não é, na verdade, sobre o amor. É sobre o medo do homem em enfrentar a chegada de um futuro iminente e, conseqüentemente, a PERDA trágica do amor. Ou seja, no final das contas, Darren Aronofsky continua sendo o mesmo bastardo insano e psicótico de sempre. ;-)

CURIOSIDADES:

• Se você achar os efeitos visuais de Fonte da Vida meio, ahn, “esquisitinhos”, não repare. É que o diretor recusou-se terminantemente a fazer bom uso do batido CGI. A exemplo de Francis Ford Coppola no maravilhoso Drácula de Bram Stoker, Aronofsky preferiu desenvolver uma nova técnica de efeitos visuais, criadas através do uso da micro-fotografia de reações e experiências químicas. O resultado ficou fascinante e totalmente experimental, mas muita gente vai achar tosco, já vou avisando.

• Em 2002, Fonte da Vida representaria a esperada união de dois astros cultuadíssimos do cinema atual: Brad Pitt, que viveria Tom (e suas variações), e Cate Blanchett, que assumiria o papel de Izzy. Quando Pitt se desligou do projeto, Blanchett também pulou fora. Curiosamente, os dois só conseguiram atuar juntos também em 2006, no elogiado drama Babel, de Alejandro González-Iñarritú, ainda inédito em nossos cinemas.

• A trilha sonora composta por Clint Mansell para Fonte da Vida foi interpretada também pelos caras do Kronos Quartet (que já trabalharam com o músico em Réquiem para um Sonho) e pela banda de rock escocesa Mogwai.

• Repare que evitei tecer comentários a detalhes da produção, algo que sempre faço. Foi por uma boa causa. Acredite, qualquer detalhezinho entregue pode matar a experiência.

• Brad Pitt desistiu de Fonte da Vida para poder atuar no babaquinha Tróia. Primeiro fez isto e depois deu um pé na buzanfa da Jennifer Aniston. Burrinho.

THE FOUNTAIN • EUA • 2006
Direção de Darren Aronofsky • Roteiro de Darren Aronofsky
Elenco: Hugh Jackman, Rachel Weisz, Ellen Burstyn, Mark Margolis, Sean Gullette, Stephen McHattie, Cliff Curtis, Ethan Suplee, Sean Patrick Thomas.
96 min. • Distribuição: 20th Century Fox/Warner Bros.


Spunk: The Official 1977 Bootleg Album

03/01/2010

Crítica de Música – Texto publicado originalmente em A ARCA, em 26/12/2006, e no Whiplash.Net, em 12/01/2007.

É bem verdade que o lendário Sex Pistols é um dos alicerces do movimento punk que reinou na Inglaterra – e no resto do planeta – a partir do final dos anos 70 até meados dos 80, e que tem seguidores fiéis até hoje (viva Manchester!). É bem verdade também que a banda é amada e odiada na mesma proporção por muitos dos próprios fãs do punk-rock, que sentiram-se traídos depois que os Pistols simplesmente renegaram os rótulos que ajudaram a criar. Tudo isto colaborou para a aura mitológica que ergueu-se em cima da banda, que ganhou uma série de coletâneas tidas “não-oficiais” (como o essencial Kiss This), além de camisetas, bandanas (eu tenho uma!) e tralalá e trololó.

Para entender, portanto, a importância de Spunk: The Official 1977 Bootleg Album (1977/2006), bootleg do grupo liderado pelo senhor Johnny Rotten que finalmente chega ao formato do disquinho, basta dizer que este é, basicamente, o raro PRIMEIRÍSSIMO disco da banda. Bem, mais ou menos: Spunk é, na verdade, uma compilação dos primeiros demos gravados pelos Sex Pistols e que, poucos meses e algumas modificações depois, formariam a tracklist de seu primeiro álbum de estúdio oficial, o notório Never Mind the Bollocks Here’s The Sex Pistols (1977). Por 30 anos, Spunk rodou o mundo apenas em versão pirata e pouquíssimas cópias. Em seu trigésimo aniversário, nada mais justo e oportuno do que um lançamento digno em CD, com toda a qualidade de áudio que o formato proporciona. :-)

Por outro lado, a importância do bootleg restringe-se somente ao lado histórico da coisa, mesmo.

Não, não me xingue, eu explico: antes que qualquer um saia por aí desesperado atrás do CD, digo logo que, se você é um fã ardoroso dos Pistols e já dispõe de todo o material dos caras lançados até então, este álbum aqui deverá constar em sua estante única e exclusivamente por razões sentimentais. Não há nenhuma faixa inédita, não há nenhuma novidade escondida: Spunk traz todas aquelas velhas, boas e lendárias canções que já figuraram nas zilhões de coletâneas da banda. A diferença é que estamos falando de um material ainda cru, sofrendo mudanças, sendo aprimorado, com os arranjos de algumas faixas bem diferentes das “versões oficiais” que conhecemos. Aliás, é bem evidente aqui a influência dos novaiorquinos do New York Dolls, elemento que a banda sempre tentou encobrir.

O destaque, como era de se esperar, fica para os clássicos, que aparecem aqui com seus nomes originais. Nookie, por exemplo, é somente Anarchy in the U.K. com um título diferente; a clássica God Save The Queen dá as caras como No Future; e por aí vai. O diferencial é mesmo o arranjo mais “calminho” que caracteriza os demos: as músicas são executadas de um forma nitidamente descompromissada, leve até, e em algumas faixas (como na ótima Satellite, um bem-bolado cover de Lou Reed) Rotten não sente culpa em errar a letra ou engasgar disfarçadamente. O curioso é que dá para perceber que, às vezes, uma guitarra executada de modo diferente pode mudar tudo: uma de minhas músicas preferidas, Pretty Vacant, ficou ainda mais legal como Lots of Fun, sua versão demo. Com relação às outras, entretanto, ficou basicamente o mesmo.

Para um fã da banda como este que vos fala, o que mais valeu neste álbum foi mesmo a participação de Glen Matlock, o então baixista oficial da trupe que caiu fora em meados de 77, dando lugar àquele sujeitinho maluco e desconhecido chamado Sid Vicious. Sério, comparando os dois, dá a impressão de que os Pistols simplesmente sofreram uma overdose de adrenalina com a chegada de Vicious. A versão de God Save The Queen apresentada em Spunk é um belo exemplo de como Vicious injetou uma dose de eletricidade na banda que, até então, era até meio “moderadinha” para os padrões do gênero.

Atenção para No Fun, um bem-sacado cover não-editado dos Stooges. Aquilo NÃO PARECE Sex Pistols, meu! A não ser a partir de sua metade, quando aparentemente o baterista Paul Cook enfiou a baqueta na tomada, levou um choque e despirocou na batera. Aí Rotten começou a gritar feito um doido e então já viu. :-D

Num saldo geral, Spunk não foge à regra da discografia da banda. Trocando em miúdos, é um álbum para fãs e ponto. Se você é adepto do som dos Sex Pistols, você se sentirá na pele de um espectador convidado de uma jam session e, vamos lá, a gente sabe como isto é delirante. Não é, contudo, um disco fundamental para qualquer um que curta punk-rock em sua essência. Serve mais como uma espiada curiosa nos bastidores do início de uma era de ouro na música britânica. Ah sim, e o Johnny Rotten é o maior legal! Ele certamente compareceu mamado à gravação destas demos! Novidade, não? ;-)

SPUNK: THE ORIGINAL 1977 BOOTLEG ALBUM • SEX PISTOLS • ING • 1977/2006
Line-Up: Johnny Rotten (vocais), Steve Jones (guitarra), Paul Cook (bateria), Glen Matlock (baixo entre 1975 e 1977), Sid Vicious (baixo entre 1977 e 1978)
15 faixas • 56 min. • Distribuição: Dynamo Records.


Carrie, a Estranha

03/01/2010

Matéria de Cinema – Texto publicado originalmente em A ARCA, em 16/08/2006.

“Afe, escrever um parágrafo só para esta matéria é dose, já que eu sou um dos caras mais cagões da face do planeta Terra e me borro de medo de qualquer filmeco de terror, principalmente os pseudo-filmes dirigidos pela Eliana Fonseca (espero que ela não se ofenda). Um, entretanto, me tirou o sono violentamente, e talvez por ser o primeiro longa-metragem de horror que lembro ter assistido, ainda um mero pivete, ficou muito marcado.

Carrie, a Estranha (Carrie, 1976), inspirado num conto (ou seria romance?) de Stephen King, é apavorante por várias razões, mas acho que a principal é por ser tão próxima da realidade – ao contrário dos filmes do mesmo gênero que vi mais ou menos na mesma época, nas gloriosas sessões macabras do Tela Quente, como Poltergeist – O Fenômeno. Aqui, não tem fantasmas e coisas do tipo; apenas uma louca dotada de poderes psíquicos e com muita sede de sangue…

A história da adolescente retraída e paranormal vivida por Sissy Spacek, que decide empreender uma vingança incendiária contra seus pseudo-amigos de escola que lhe deram um banho de sangue de porco em plena festa de formatura, já é de tirar o sono por si só; pra piorar, Brian DePalma ainda fez a gentileza de dividir a tela em duas e três partes para mostrar a agonia do povo em seus mínimos detalhes. Mínimos MESMO! Nunca me esqueço, por exemplo, do horroroso destino da treinadora… Ugh! A seqüência final, então, é a grande responsável por meu grande medo de cemitérios.

Até hoje, Carrie é o filme que mais me perturbou na hora de dormir, ao lado de A Bruxa de Blair – e talvez o único que eu ainda não tenho coragem de assistir à noite de forma alguma.”

CARRIE • EUA • 1976
Direção de Brian De Palma • Roteiro de Lawrence D. Cohen
Baseado no romance de Stephen King
Elenco: Sissy Spacek, Piper Laurie, Amy Irving, William Katt, Betty Buckley, John Travolta, Nancy Allen, P. J. Soles, Piscilla Pointer.
98 min. • Distribuição: United Artists.

 

…SOBRE CARRIE, A ESTRANHA
Trecho da matéria coletiva FILMES DE HORROR DE TIRAR O SONO
Matéria publicada originalmente em A ARCA, em 16/08/2006
Complemento do especial para a estréia do longa-metragem TERROR EM SILENT HILL (Silent Hill).


Os Piratas Invadem o Cinema

03/01/2010

Matéria de Cinema – Texto publicado originalmente em A ARCA, em 20/07/2006.

Não apenas um inesperado e gratificante sucesso de bilheteria, o divertidíssimo Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra, que SÓ O FANBOY NÃO GOSTOU, representou também o retorno magistral às telonas de um gênero totalmente desgastado e a quebra de uma regra já tradicional no cinema de entretenimento até então. Afinal, os pouquíssimos filmes de piratas que surgiram nos cinemas nos últimos anos, à exceção deste próprio, resultaram em fracassos retumbantes de bilheteria – e em filmecos ruinzinhos que só eles… o que aparentemente daria continuidade a esta “tradição”, fez exatamente o contrário.

E se Piratas do Caribe: O Baú da Morte (Pirates of the Caribbean: Dead Man’s Chest), que chega aos cinemas nesta semana, revitalizará o subgênero de vez, só alguns aninhos dirão. Mas que merece, merece! :-D

A FORMAÇÃO DA ESTRUTURA PIRATA NOS ANOS 20

O cinema-pirata (favor não confundir com pirataria… hehehe) surgiu com o advento dos filmes de aventura, isso lá pelos anos 20, e ao lado das produções capa-e-espada (como Zorro), fez muito sucesso nas telonas. Seu primeiro título significativo foi The Black Pirate (1926), superprodução em cores dirigida por Albert Parker e estrelada pelo rei dos primórdios do cinema-pipoca, Douglas Fairbanks – intérprete de outras nobres figuras como D’Artagnan e o próprio Zorro.

Além de bastante engraçado, ainda que totalmente datado, The Black Pirate (que conta a história de um homem que infiltra-se em uma gangue pirata para vingar a morte de seu pai) serviu também para fixar os alicerces do subgênero – para ser um bom filme de pirata, era obrigatório ter uma história mais do que rocambolesca, ação desenfreada, locações em ilhas desconhecidas, tesouros escondidos e, claro, a mocinha que começa a história como vítima do ataque dos piratas e termina como aliada e interesse amoroso para o astro da história. Os efeitos visuais, que utilizam miniaturas e imagens do longa mudo The Sea Hawk (1924), são risíveis hoje em dia, mas em sua época, eram um fenômeno.

O gênero fortaleceu-se com a chegada de um astro que mexeu com o público nos anos 30: Errol Flynn. Flynn estrelou o fantástico Capitão Blood (1935) ao lado de Olivia de Havilland e com direção de Michael Curtiz. A fita, que readapta a história de Robin Hood, mostra um médico condenado injustamente por roubo em 1685, que foge da cadeia e decide tornar-se um pirata para “tirar dos ricos e dar aos pobres”. A parceria entre Curtiz e Flynn rendeu mais um longa de piratas em 1940, o ótimo O Gavião do Mar, que conta a história de Geoffrey Thorne (Flynn), um aventureiro contratado pela Rainha Elizabeth I em pessoa para subjugar a armada espanhola, que pretende atacar a Inglaterra, mas que questiona sua posição ao se apaixonar por uma bela tripulante inimiga, Dona Maria (a simplesmente sensacional Brenda Marshall).

OS ANOS 40 E 50: A ERA DE OURO DAS GARRAFAS DE RUM

As investidas de Douglas Fairbanks e Errol Flynn ao subgênero dos piratas instigou os estúdios. Em 1934, por exemplo, a Metro-Goldwyn-Mayer tratou de filmar A Ilha do Tesouro com o popularíssimo Wallace Beery e o pivete Jackie Coogan (que muitos anos depois, tornaria-se o mal-humorado Perry White dos longas do Superman com Christopher Reeve). A Ilha do Tesouro – cujo comando ficou a cargo do mesmo Victor Fleming que cinco anos depois entraria para a história ao dirigir as grandes obras-primas O Mágico de Oz e E o Vento Levou – foi refilmado em 1950 por Byron Haskin (o mesmo que dirigiu a primeira e única versão de A Guerra dos Mundos que vale alguma coisa) e também rendeu um filminho estrelado pelos Muppets em 1996 e um fracassado animado futurista da Disney em 2002, Planeta do Tesouro – que provavelmente só o Fanboy assistiu.

Outros notórios longas que beberam nesta fonte foram: Os Mares da China (1935), cujo elenco era formado pelo adorado Clark Gable e pela gloriosa vênus platinada Jean Harlow; A Princesa e o Pirata (1944), mistura de ação e comédia que serviu de veículo cômico para a dupla de comediantes Bob Hope e Virginia Mayo; Capitão Kid (1945), clássico da Sessão da Tarde com elenco formado por Charles Laughton, Randolph Scott e John Carradine; e o não menos importante O Corsário sem Pátria (1958), com direção de Anthony Quinn e atuação de Charlton Heston e um Yul Brynner em início de carreira.

Os cinemas deste período também presenciaram a febre das serials (quer saber o que é serial? Procure neste notório website a matéria sobre serials que lá eu te explico!). E claro que os piratas não poderiam ficar fora desta: pelo menos dois trabalhos em forma de seriados trabalharam esta temática em grande estilo, e estes dois trabalhos atendem pelos nomes de The Sea Hound (1947), uma das mais elogiadas serials de todos os tempos (não à toa, seu astro era ninguém menos que Buster Crabbe, o rei dos seriados de cinema), e As Aventuras do Capitão Kid (1953), com John Crawford e duração de 15 capítulos.

O DECLÍNIO E A QUASE EXTINÇÃO…

Mas tudo que sobe, um dia tem que descer… e se os piratas gozaram de absoluta popularidade nas décadas de 40 e 50, os anos 60 chegaram e trouxeram o declínio ao lado de paupérrimas e tenebrosíssimos produções oriundas principalmente da Itália. Fitas como La Venere Dei Pirati (1960), Morgan Il Pirata (1961), Il Leone di San Marco (1963) e I Pirati della Malesia (1964) ajudaram a enterrar o gênero, que já sofrera um desgaste por conta do interesse do público em filmes mais maduros.

Um dos primeiros a tentar trazer os baderneiros dos sete mares de volta à vida no celulóide foi Roman Polanski, no ultra-mega-hiper-super-fuckin-fracassado Piratas (1986), comédia de humor-negro que tentou seguir a mesma fórmula de sucesso do bacanudo A Dança dos Vampiros (1967) e acabou se dando mal – custou cerca de US$ 40 milhões e só rendeu 1,6 milhões de doletinhas… Ainda que fracassado, é errado dizer que Piratas é ruim. Não é lá aquela maravilha, mas vale uma espiada, nem que seja para se deliciar com a megnífica interpretação de Walter Matthau na pele do psicótico Capitão Red, astro da película.

AS TENTATIVAS DE REVITALIZAÇÃO

Três anos antes, chegou às telas a divertida adaptação do espetáculo da Broadway The Pirates of Penzance (1983), do compositor de óperas William S. Gilbert, também conhecido como Gilbert & Sullivan. The Pirates of Penzance, comédia-musical que acompanha um jovem (Kevin Kline) que torna-se o Rei dos Piratas por engano, foi um tremendo fiasco de bilheteria por conta de um capricho dos produtores – o que acontece é que a produção foi exibida simultaneamente no cinema e na TV, mais exatamente na emissora SelecTV, de Los Angeles; irados, os exibidores e donos de cinemas simplesmente boicotaram o filme, tirando-o do circuito em seu segundo dia de exibição. Apenas uma sala de cinema nos EUA, localizada em Washington, manteve Pirates rodando por mais de uma semana. O que não adiantou muito, já que quem realmente queria ver o filme, não se incomodou em sair de casa e preferiu ver na telinha mesmo.

A maldição continuou em 1991, com a chegada aos cinemas do ambicioso Hook – A Volta do Capitão Gancho de Steven Spielberg, livre adaptação da clássica trama de Peter Pan centrada em seu vilão, o maligno Capitão Gancho (Dustin Hoffman), talvez o pirata mais famoso da história – depois de Jack Sparrow, claro! Hehehe. Relativo fracasso em números – rendeu US$ 119 mi só nos EUA, cifra considerada baixa para seu custo de mais de US$ 70 milhões – e massacrado pela crítica, Hook não decolou como o esperado. O mesmo aconteceu com o engodo A Ilha da Garganta Cortada (1995), dirigido por Renny Harlin e estrelado por Matthew Modine e Geena Davis: a brilhante direção de arte não conseguiu disfarçar o péssimo enredo e ninguém caiu na teia. Resultado? Rendeu apenas US$ 10 milhões, e olhe que custou US$ 92 milhões! :-P

O subgênero dos piratas só voltou mesmo a cair nas graças do público com um certo longa-metragem lançado em 2003, com um certo Johnny Depp, inspirado em uma certa atração de um certo parque temático estadunidense… mas isso é outra história! ;-)

PIRATAS ANIMADOS, ENGRAÇADOS E SAFADINHOS

Obviamente, estas figuras não se restringiram apenas ao gênero de ação. Além dos já citados Planeta do Tesouro e Os Muppets na Ilha do Tesouro, os piratas também serviram de inspiração para vários desenhos animados, estrelados por figuras tarimbadas como Mickey Mouse (em Shanghaied, de 1934), Popeye (Popeye e os Piratas, de 1947), Scooby-Doo (Scooby-Doo na Ilha dos Zumbis, 1998, além de milhaaaares de episódios de seu desenho sessentista) e principalmente Looney Tunes – os maiores algozes dos saqueadores dos mares, geralmente vividos por Hortelino Troca-Letras ou Eufrasino Puxa-Briga, eram Pernalonga e o bizarro galo Frangolino (hehehehe!). Isto, sem contar os indivíduos que protagonizaram a excelente e já antológica seqüência de abertura do maravilhoso desenho animado em longa-metragem do Bob Esponja! :-D

Até o cinema pornô se rendeu à febre. Pirates, épico (leia-se: filme de suadeira com historinha) dirigido por Joone (?) e estrelado por Janine, ganhou nada menos que 11 prêmios no último AVN Awards, o Oscar do pornô. E olha, independente das cenas mais, ahn, “nervosas” (:-D), devo dizer que o trailer desta pérola do cinema pornográfico tem, no mínimo, uma produção muito bem cuidada! Não, ainda não assisti, um amigo meu que me contou, tá? :-D

E AGORA? O QUE DEVEMOS ESPERAR DESTE SUBGÊNERO?

Por enquanto, só mesmo a terceira parte de Piratas do Caribe, batizada Pirates of the Caribbean: at World’s End e com previsão de chegada aos cinemas no próximo ano. Mas se render bons frutos – e certamente ninguém tem dúvidas disso -, podemos esperar muito, muito mais. E de preferência, com o infame Jack Sparrow no meio. :-D

OS PIRATAS INVADEM O CINEMA
Matéria publicada originalmente em A ARCA, em 20/07/2006
Complemento do especial para a estréia do longa-metragem PIRATAS DO CARIBE: O BAÚ DA MORTE (Pirates of the Caribbean: Dead Man’s Chest).


Deixa Ela Entrar

30/12/2009

Crítica de Cinema – Texto publicado originalmente no Judão, em 02/10/2009.

O que torna um filme verdadeiramente BOM? No caso deste que vos escreve, há uma paulada de “fatores determinantes”. O roteiro precisa ter um mínimo de coerência, mesmo se tratando de uma história de fantasia; o desenvolvimento do enredo, independente de sua complexidade ou simplicidade, precisa respeitar ao máximo o espectador enquanto “cabeça pensante”, como diria nosso querido amigo Raulzito (hehehe); e acima de tudo, o conjunto da obra precisa ser exatamente aquilo que se propõe, ou seja, se é um filme de comédia precisa fazer rir, se é um suspense precisa deixar tenso, e por aí vai.

E o que torna um filme verdadeiramente SENSACIONAL? Mais fatores determinantes somados aos relacionados acima. Para mim, é aquela fita que apresenta uma história sob uma perspectiva incomum e pouco explorada, deixando aquela sensação de originalidade mesmo quando o tema é batido e clichê; ou então aquela fita que experimenta novas linguagens tanto tecnicamente quanto em termos de enredo (desde que estejam, claro, bem alinhadas com os outros fatores); e acima de tudo, aquela que transcende seus próprios conceitos e, mesmo rotulado em um gênero específico, causa uma série de sentimentos contraditórios no espectador e o deixa pensando naquilo tudo por um bom tempo após o término da sessão. Analisando a atual safra cinematográfica, não preciso dizer que encontrar uma produção digna de se encaixar nesta segunda categoria é como encontrar alguma coisa boa nos filmes da Xuxa, não é mesmo? :-D

Difícil, sim. Mas não impossível. E se você aceitar perder duas preciosas horinhas de seu tempo em uma sessão de um longa-metragem chamado Deixa Ela Entrar (Låt Den Rätte Komma In, 2008), que finalmente chega aos nossos cinemas depois de um longo período de incertezas e um invejável currículo de 56 prêmios internacionais, você concordará comigo que raras vezes uma produção conseguiu concentrar TODOS os fatores determinantes relacionados acima como este aqui conseguiu. E olhe que estamos falando de uma fita de terror… vinda da Suécia… e que fala de vampiros…

Ok ok, sei o que você pensou, “vampiros de novo não!”, já que atualmente o mundo do entretenimento vive um “frenesi vampirístico” – de um lado é True Blood, do outro lado é The Vampire Diaries e no centro do furação, aquela coisa medonha chamada Crepúsculo (pausa para a ânsia de vômito), este último, por sinal, com foco parecido até demais com Deixa Ela Entrar (Låt Den Rätte Komma In, o livro, foi publicado em 2004, portanto saiu na vantagem, hehehe). Relaxe: Deixa Ela Entrar é tão amplo que, em certos momentos, até esquecemos de que uma das personagens é, afinal, um vampiro. A trama comandada com impressionante leveza pelo cineasta Tomas Alfredson centra seu poder de fogo na afeição entre duas personagens desajustadas e potencialmente rejeitadas pela sociedade, e sobretudo na consequente aceitação destas pessoas por elas mesmas. É um troço muito além do “medinho”.

Pena que os estadunidenses, sempre eles, estão prestes a estragar tudo isso – para quem não sabe, Deixa Ela Entrar já está ganhando sua versão ianque pelas mãos de Matt Reeves (Cloverfield).

Enfim, vamos lá: ao início do longa, somos transportados para Blackeberg, subúrbio de Estocolmo, na década de 80. Oskar (Kåre Hedebrant) tem 12 anos e é constantemente humilhado e agredido por colegas de escola. Tímido, desajeitado, potencialmente violento e muito introvertido, Oskar não tem amigos e nem pretende tê-los, tanto que prefere passar seus dias “ensaiando” o momento (que nunca chega) de enfrentar seus agressores e nem se importa tanto quando descobre que um apartamento vizinho ao seu será ocupado por novos moradores, no caso uma garotinha que mal aparece e esconde-se por trás de uma placa de papelão que cobre sua janela, e o que parece ser seu pai, um sujeito de meia idade que não pára em casa.

Mais tarde, Oskar fará amizade com a tal menina, Eli (Lina Leandersson), que conta que tem “mais ou menos 12 anos há muito tempo”, vive suja, aparentemente não sente frio e só dá as caras no parquinho do prédio à noite. Alguns bizarros assassinatos na região de Blackeberg intensificam as suspeitas de Oskar, suspeitas estas que serão confirmadas em breve pela própria Eli. Ela é uma vampira.

Simples? Não. Pra começar, esqueça os clichês básicos deste plot. Deixa Ela Entrar carrega uma profundidade emocional que basicamente o exime de “apenas um filme de vampiros” e o alça a uma condição muito maior. O fato de Eli ser uma impiedosa sugadora de sangue é mero pretexto para que o brilhante roteiro de John Ajvide Lindqvist, também autor do romance na qual o filme se inspirou, reflita sobre a sensação de deslocamento a qual Oskar e Eli se adequam, cada um a seu modo. Mesmo conhecendo a natureza da menina, Oskar não pensa duas vezes em querê-la a seu lado, como sua melhor amiga, talvez como um “algo mais”. O menino aceita Eli como ela é, e ela idem – aceitação esta com a qual sonharam a vida inteira. Como troca, Eli se sentirá um pouco mais “parte do mundo”, e Oskar encontrará forças para enfrentar de vez seus medos.

Estamos falando, contudo, de um filme de horror. Então, nem pense em encontrar por aqui a mela-cuequice de Crepúsculo e prepare-se para algumas seqüências bastante nervosas – duas delas em especial, a cena decisiva em que Eli é desafiada a entrar na casa de Oskar sem ser convidada (e todo mundo aí sabe o que pode acontecer a um vampiro quando aparece sem convite a algum lugar, não sabe?) e o absurdo clímax na piscina (desde já um dos momentos mais apavorantes do cinema recente de terror), são de perder o sono. Mas nada gratuito: a direção de Alfredson segue uma linha bastante comedida, e grande parte da “ação” propriamente dita é sugerida (embora haja sangue e mutilação a rodo). Os fãs do gênero não terão do que reclamar.

O que torna Deixa Ela Entrar uma experiência fascinante, porém, não é só a excelente atuação do casal central, Kåre Hedebrant e Lina Leandersson (perfeitos no papel), o surpreendente exercício de direção de Tomas Alfredson, que mergulha o espectador em um clima soturno, azulado e cheio de neve, ou sua construção narrativa altamente anti-convencional – é tudo bastante silencioso e poucas perguntas são de fato respondidas, o que nos faz querer sair por aí pesquisando tudo sobre o filme para completar nosso raciocínio. O que torna este pequeno filme sueco tão singular é que, ao melhor estilo Drácula de Bram Stoker, a figura vampiresca presente na história é apenas ponte para uma trama que mexe com os sentimentos do público em vários aspectos. É terror sangrento, mas é também um drama envolvente, um suspense nervoso e uma história de amor e amizade sem limites capaz de emocionar qualquer um. Para resumir tudo numa única palavra: SENSACIONAL. :-D

Ah sim, e o que torna um filme verdadeiramente HORROROSO? Nem quero saber. Assista Crepúsculo, que a resposta está lá. E ninguém enfiou uma estaca no coração daquele mané do Robert Pattinson ainda? :-P

LÅT DEN RÄTTE KOMMA IN • SUE • 2008
Direção de Tomas Alfredson • Roteiro de John Ajvide Lindqvist, baseado em seu romance
Elenco: Kåre Hedebrant, Lina Leandersson, Per Ragnar, Henrik Dahl, Karin Bergquist, Peter Carlberg.
115 min. • Distribuição: Filmes da Mostra.


Gatão de Meia Idade

30/12/2009

Crítica de Cinema – Texto publicado originalmente em A ARCA, em 15/03/2006.

Em outros tempos, eu declamaria um belo e inflado discurso patriótico só de ouvir qualquer um falar uma vírgula maldosa sobre cinema nacional. Em outros tempos, eu venderia meus parentes para correr àquele cineclube pulguento que ninguém visita só para conferir o último longa brazuca a chegar às telonas. Em outros tempos, falar de festivais de cinema me empolgaria apenas pela oportunidade de assistir uma pá de fita nacional que jamais seria distribuída comercialmente nas nossas salas de projeção.

Hoje em dia, eu peço para ver um filme do Martin Lawrence com o Ashton Kutcher e depois dou um tiro no meu próprio pé, mas não peço para ir ao cinema e torrar dez pila assistindo a um filme brasileiro. Dói dizer, mas é fato (bem, melhor dizendo, eu daria um tiro no pé antes de ver o filme do Martin Lawrence com o Ashton Kutcher).

Ok, eu exagerei DEMAIS nesta última linha. Vamos corrigir: continuo o mesmo louco viciado em qualquer tipo de cinema que sempre fui, e jamais deixaria de assistir a TODOS os longas de um gênero, uma categoria ou um país só por não curtir um ou outro título. Sempre haverá filme bom e filme ruim, não importa de onde venha. Mas ando mesmo muito decepcionado com a nossa capacidade de fazer cinema. Céus, o que está acontecendo? Só tem saído troço RUIM! Cada um pior que o outro! Bastou uma retomada e um punhadinho de películas geniais para que os produtores enxergassem cifrões no lugar de roteiros de qualidade e decidissem investir em troços descartáveis, mal-feitos, grosseiros e totalmente ofensivos à inteligência do espectador. O pior de tudo isso é que o nosso glorioso público médio, lobotomizado pela banalização da TV, caiu direitinho e não pára de fazer o sucesso deste tipo de cinema.

É aí que entra Gatão de Meia Idade (Idem, 2005), adaptação para as telas do conhecido personagem de HQ criado por Miguel Paiva (o mesmo de Radical Chic). O caso é que Gatão de Meia Idade só não consegue ser comparado ao baixíssimo nível da bomba atômica Coisa de Mulher por um único motivo: o primeiro pelo menos não apela nas piadas. Em termos de qualidade, interpretação e roteiro, entretanto, dá no mesmo. Não, não é exagero: Gatão de Meia Idade, dirigido (?) com muita preguiça por Antônio Carlos da Fontoura, tem o poder de deixar o espectador de mau humor pelo resto do dia. Depois ainda dizem que as pessoas são amarguradas sem razão… hunf. :-P

Pra começar, o longa sequer tem uma história – o que já era de se esperar. O personagem, cujas tirinhas pretendem discutir as agruras e as manias do universo dos seres do sexo masculino da faixa dos 40 anos, foi criado apenas para ser a contraparte masculina da Radical Chic e, assim como sua “irmã”, até funciona (mas só de vez em quando) em seu formato original, uma tirinha de jornal de três ou quatro quadrinhos. A Radical Chic já ganhou um programa de TV em forma de vinhetas de cinco minutos, que até divertiam e traziam uma Andréa Beltrão bastante inspirada. Mas daí a querer transformar um personagem de tirinha de jornal que não tem sequer uma “história” definida em estrela de um filme de uma hora e meia já é demais! Um personagem construído para protagonizar pequenas piadinhas numa tirinha não tem estrutura para suportar noventa minutos.

Resultado: ao invés de preocupar-se em construir um mundo ao redor do Gatão, o horroroso roteiro deste filmeco (escrito pelo próprio Miguel Paiva em parceria com Fontoura) apenas reuniu algumas piadinhas curtas e sem conexão entre si, interligando-as de maneira meio “porquinha” e colocando no meio algumas mulheres bonitas para deleite visual dos marmanjões de plantão. Se é pra gastar dinheiro com ingresso apenas para ver mulheres bonitas…

Então, a coisa funciona (quer dizer, “quase” funciona) assim: o espectador acompanha mais um dia na vida de Cláudio, o Gatão (Alexandre Borges), atormentado executivo de design. O cara vive para sua filha adolescente Duda (a novata Renata Nascimento). O problema é que ele também precisa agüentar a chata da mãe dela, sua ex-esposa Betty (Júlia Lemmertz – ÓBVIO!). Uma série de problemas inundam a vida do Gatão. Primeiro, ele se envolve com a ninfetinha Patricinha (Thaís Fersoza), que tem praticamente a mesma idade de sua filha. Ao mesmo tempo, começa a sair com a executiva casada Marisa (Ângela Vieira), que só quer mesmo pular a cerca e pronto. Enquanto isso, o Gatão começa a sentir-se velho, e precisa da ajuda de sua mamãe (Ilka Soares) e de seus amigos para lidar com esta fase e com as zilhões de ex-namoradas, em especial a motoqueira Sandrão (Cristiana Oliveira).

Completam o caldo um insuportável come-quieto que é praticamente o Gatão quando jovem (Márcio Kieling, o glorioso Zezé Di Camargo de Dois Filhos de Francisco), e o novo namorado de Betty, um sujeitinho chamado Aurismar (Antônio Grassi), que pretende levar Duda para morar em Miami. Uau, viram só como a história é interessantíssima? :-P

O problema maior nem chega tanto a ser a falta de enredo. A produção da fita parece ter sido feita nas coxas, de tanta falha visível. É tudo muito mal dirigido, com erros de continuidade gritantes! Em determinada seqüência, por exemplo, o Gatão e uma namorada qualquer acabam de transar e ele levanta-se da cama, revelando estar de cueca – “como” eles transaram é um mistério, visto que eles não dispunham de tempo hábil para se trocar… E dá-lhe cenários falsos, cenas em discotecas com meia-dúzia de gatos pingados dançando fora de ritmo ao fundo (e sorrindo para a câmera)… A péssima qualidade da produção do filme causa mais sorrisos amarelos que a própria película. E olhe que nem cheguei na parte da trilha sonora, que não combina EM NADA com o longa. Deus, alguém pode me explicar o que é aquilo?

As atuações correspondem a outro ponto negativíssimo. À exceção de Alexandre Borges (que carrega uma semelhança física notável com o traço de Miguel Paiva e está razoavelmente bem à vontade no papel), o elenco está perdido, e até atores de indiscutível talento, como Ângela Vieira, parecem estar ali só para pagar as contas. Os casos mais tenebrosos são mesmo o de Thaís Fersoza, até bonitinha mas com total ausência de talentos interpretativos; a sumida Cristiana Oliveira, pagando um mico federal como a masculinizada Sandrão, um personagem chato até não poder mais; e principalmente a novata Renata Nascimento, como a filha do Gatão. Meu, quando a menina aparece em cena, dá vontade de enterrar o crânio na parede initerruptamente. Ela é RUIM DEMAIS – além de ser a protagonista da horrorosa conclusão da fita, uma das seqüências mais desconexas e sem sentido dos últimos tempos! Sério mesmo, não existe SENTIDO naquela cena final! Certamente o orçamento estourou, aí já viu. :-P

Num todo, o grande pecado capital de Gatão de Meia Idade é o mesmo pecado das muitas produções brazucas que infestam nossas salas atualmente: não respeita a capacidade do público de raciocinar. Não apresenta uma história coerente, e sim um punhado de piadas idiotas e sem graça, sem ligação alguma. O que os nossos produtores precisam aprender é que apenas carregar o rótulo de “filme brasileiro” ainda não é o suficiente para levar o público às salas. É necessário ter um enredo interessante, que traga um mínimo de coerência. E nisso, o Gatão passou longe. Se ele consegue sair com uma pá de mulher boa só por conta de seu charme, levar o público ao cinema já exige um pouco mais de lábia e papo consistente. E quem, assim como eu, sabe que o cinema nacional não se resume a estas joças e quer saber do que os verdadeiros profissionais da área, e não estes sujeitos que acham que fazem cinema, realmente são capazes, assista Lavoura Arcaica e seja feliz. :-D

CURIOSIDADES:

• O “cineasta” Antônio Carlos da Fontoura é o mesmo que comandou o trash brazuca Rainha Diaba (com Milton Gonçalves e o jovem Stepan Nercessian recontando a história de Madame Satã) e o trágico infantil Uma Aventura do Zico. Fontoura assinará em breve o longa-metragem Religião Urbana, que contará a história da vida do ex-líder da banda Legião Urbana, Renato Russo. Que me desculpem os fãs, mas se a fita já prometia ser um engodo tão intragável quanto o filme do Cazuza por si só, agora então…

• O Gatão de Meia Idade nasceu em 1994, como lado masculino da Radical Chic, e suas tiras atualmente são publicadas no jornal O Globo. O personagem já protagonizou mais de 4.100 tirinhas.

GATÃO DE MEIA IDADE • BRA • 2005
Direção de Antônio Carlos da Fontoura • Roteiro de Antônio Carlos da Fontoura, Miguel Paiva e Melanie Dimentas
Baseado nos personagens criados por Miguel Paiva
Elenco: Alexandre Borges, Júlia Lemmertz, Renata Nascimento, Ângela Vieira, Thaís Fersoza, Cristiana Oliveira, Paulo César Pereio, Lavínia Vlasak, Rita Guedes, André de Biase, Flávia Monteiro, Bel Kutner, Ernesto Piccolo, Alexia Deschamps, Ilka Soares, Márcio Kieling, Paula Burlamaqui.
93 min. • Distribuição: Globo Filmes.


O Massacre da Serra Elétrica

30/12/2009

Crítica de Cinema – Texto publicado originalmente em A ARCA, em 10/02/2005.

Boa parte do pessoal que lê A ARCA vai estranhar esta matéria. Afinal, todo mundo sabe que sou um cara absurdamente avesso à remakes, exceto uma ou outra coisa obscura. Enfim, no saldo geral, quero mais é que as refilmagens se explodam. E olhem que eu até tinha motivos de sobra para querer dar cabo de minha existência miserável quando, mais uma vez, a voz do Fanboy surgiu no meu aparelho telefônico, dizendo aquelas palavras tão (ou mais) assustadoras quanto o “seven days” que a Sadako-cover solta em O Chamado: “Zarko, meu filho, tenho trabalho pra você”!

O trabalho em questão era, claro, uma matéria sobre O Massacre da Serra Elétrica (The Texas Chainsaw Massacre, 2003). Tá, então vamos começar por aí: 1) Um remake (Entenderam essa parte? Um remake! Quem sou eu? Aquele que odeia remakes!); 2) Um remake de um filme de horror – gênero obrigatório para a minha pessoa; 3) Um remake de um filme de horror trash gore dos anos 70 – sem dúvidas, o subgênero preferido dentro do meu gênero preferido; 4) Um remake de um filme de horror trash gore dos anos 70 que é apenas um dos meus longas definitivos do gênero, no caso O Massacre da Serra Elétrica autêntico de 1974, o longa-mór, o clássico do canibalismo e do “horror realista”. Ah, qual é, vai dizer que você não se arrepiou todo com a loira ensangüentada rindo que nem uma louca na caçamba da caminhonete? :-D

Pra deixar o leite ainda mais azedo, a produção da refilmagem é do Michael Bay, o louco psicopata por trás da terrível cagada chamada Pearl Harbor, e a direção ficou a cargo de um tal de Marcus Nispel, videoclipeiro responsável por vídeos musicais da Amy Grant e da Janet Jackson… SOCORRO! Quando tomei conhecimento do elenco desta releitura, que seria liderado por Jessica Biel (Blade: Trinity), aí surtei de vez. Catzo, os caras queriam transformar a história do maluco Leatherface em mais um porre adolescente do tipo Eu Sei o Que Vocês Fizeram na Segunda-Feira de Carnaval às Dez e Quarenta e Cinco da Manhã… E não tinha ninguém pra proibir este pecado, ô meu Deus.

O que mais me deixou apreensivo, porém, foi o atraso no lançamento aqui no Brasil – impressionantes 15 meses (!). Isso porque na Argentina a fita só chegará às telonas em Junho deste ano, e com relação à nossa querida terrinha, a distribuidora passou um bom tempo decidindo se lançaria este novo Massacre direto em DVD ou nos cinemas mesmo. Entretanto, o lance todo tinha um lado bom: esta refilmagem construiu uma carreira de sucesso nos States, arrecadou praticamente dez vezes mais o que custou (no caso, a fita comeu US$ 9 milhões da Focus Features e gerou quase US$ 90 milhões) e uma parcela da crítica elogiou o trabalho. O que é, diga-se de passagem, um ponto muito positivo, já que os filmecos de horror de hoje em dia são “massacrados” (desculpem o trocadilho) por 100% destes caras. De qualquer forma, fui enfrentar a sessão já me preparando para dizer aqui que a versão em 30 segundos e re-encenada por coelhinhos era bem melhor – se você não sabe do que raios estou falando, visite o site AngryAlien.com, uma das coisas mais engraçadas que já surgiram na Internet, e seja feliz. ;-)

Voltando: então, eu vi o filme. E… tá bom. Eu admito. Gostei desta nova versão. Gostei bastante, até.

Mas tenho um detalhe importantíssimo para apontar: o novo Massacre não pode ser considerado, de forma alguma, uma refilmagem. Nem pensar: é “quase” uma fita totalmente nova, e este é só o primeiro dos acertos do roteiro de Scott Kosar, que assinou o script do magnífico O Operário. Então pode esquecer a possibilidade de rever cenas marcantes como a própria seqüência da garota na caminhonete, o jantar e – a minha preferida – Leatherface dando seus “pulinhos” contra o Sol no meio da estrada. E foi ótimo assim: se O Massacre da Serra Elétrica versão 2003 naufragasse nas bilheterias ou ganhasse a antipatia da crítica, correria o sério risco de queimar grandão a obra-prima B de Tobe Hooper (que mais tarde, viria a comandar Poltergeist para o titio Spielberg).

Os personagens, inocentes demais no primeiro filme – o que é justificável, afinal a produção é de 1974 -, também sofreram metamorfoses muito das bem-vindas. Então não temos mais a mocinha pura e casta Sally Hardesty, seu irmão tetraplégico Franklin e afins. Os novos personagens, bem mais “propícios” à nossa época, digamos assim, são Erin (Biel), seu namorado Kemper (Eric Balfour, de Lições para Toda a Vida), o drogadinho Morgan (Jonathan Tucker, de Até o Fim e 100 Garotas), o safado Andy (Mike Vogel, do seriado Grounded for Life) e a totalmente várzea Pepper (Erica Leerhsen, a nova musa de Woody Allen em longas como Igual a Tudo na Vida e Dirigindo no Escuro). Os cinco amigos viajam numa kombi caindo aos pedaços, mas não mais procuram a casa da avó como no original e sim voltam de uma viagem “de negócios” – leia-se: foram comprar maconha no México.

O terror tem início quando a turma quase atropela uma garota em estado de choque (na outra fita, um rapaz). Resolvem ajudá-la. A garota, que balbucia coisas do tipo “eu quero voltar pra casa”, termina por cometer suicídio na frente deles (numa cena muito, mas muito bacaninha). Mesmo com Morgan, Andy e Pepper defendendo a alternativa de jogar o corpo num cantinho da estrada e se mandar, Erin e Kemper, visivelmente os líderes da turma, pensam que devem avisar a polícia, uma vez que “quem não deve não teme”. A kombi estaciona num bar de beira de estrada, e então… então… Vai ver o filme, ora essa! :-P

Bem, a partir daí, todo mundo sabe o que vai acontecer. Mas este é o ponto que menos importa, já que o trajeto até lá é bem sofrido. Vou explicar: Enquanto a película de Tobe Hooper se apoiou exclusivamente na fotografia crua e numa captação de imagens bem pobre, criada propositadamente para parecer um “falso-documentário”, o filme de Marcus Nispel é assumidamente uma produção de cinema, fazendo bom uso de uma fotografia e uma montagem bem tradicional – mesmo que apele para seqüências “documentais” ao início e ao final da projeção. Ao contrário de Hooper, que metia medo com a intenção de ser “real”, Nispel rodou apenas um filme de horror, mas um belo dum filme de horror, com todos os elementos típicos das boas produções do gênero.

Ou seja: tem susto a dar com o pau, tem sangue jorrando a torto e a direito, dá aquela vontade de xingar quando os caras resolvem ficar parados quando deveriam sair correndo, e tem uma boa fatia de personagens odiosos e aterrorizantes, como o novo Leatherface (que dá de dez a zero no primeiro em matéria de crueldade, desculpa falar isso!) e o escroto xerife Hoyt (R. Lee Ermey, de A Vingança de Willard e Seven – Os Sete Crimes Capitais). Outro grande ponto a favor deste novo O Massacre da Serra Elétrica é a coragem de ser visualmente perturbador, elemento imprescindível que transformou a primeira versão no clássico do cinema gore que é hoje. Então espere numa boa por imagens bizarras e sádicas, com muito sangue, pedaços de carne, pedaços de cérebro…

Mas sem sombra de dúvida, o mérito maior do filme é o respeito que esta “quase refilmagem” tem com relação a seu antecessor: no bom trabalho que fez no roteiro, Scott Kosar não se concentrou em copiar ou refazer cena a cena o trabalho de Hooper e Kim Henkel (os roteiristas do primeiro), mas sim contar a mesma história sob uma nova e atual perspectiva, sem afetar a fita de 1974. O que, decididamente, fez toda a diferença. Pois é, eu gostei mesmo, não importando se é um remake ou não! Porém, se alguém aí me pressionar, ainda falo que prefiro o original. E na verdade, prefiro mesmo. Afinal, preciso manter minha fama. :-P

CURIOSIDADES:

• A história de O Massacre da Serra Elétrica é inspirada em um caso dito verídico, ocorrido nos anos 50. Na ocasião, o FBI finalmente prendeu o criminoso Ed Gein, que confeccionava e vendia objetos de artesanato. Detalhe: os objetos eram feitos com pedaços de suas vítimas, geralmente viajantes perdidos que estacionavam na fazenda de Gein para pedir informações. No quintal de Gein, haviam vários pedaços de corpos espalhados. O que não era vendido, Gein comia no jantar. Sim, é sério.

• O primeiro Massacre foi filmado em 16mm por Tobe Hooper quando este ainda era praticamente um moleque. O filme foi proibido em diversos países por mais de dez anos, inclusive no Brasil. Aqui, só foi lançado oficialmente mesmo depois que cópias piratas começaram a se espalhar, isso lá pelos idos de 1983. A nova versão é proibida na Ucrânia até hoje, por ordem do Ministro da Cultura. Nos cinemas americanos, em 1974, eram distribuídos sacos de vômito antes da sessão. Isso podia ser adotado no Brasil, antes de qualquer sessão de filmes da Xuxa…

• Na nova versão, em uma determinada cena, a personagem Erin manuseia uma faca e, quando questionada sobre a origem do utensílio, ela diz que “ganhou de seu irmão”. Isto é uma referência ao filme original, em que Sally toma emprestado uma faca de seu irmão Franklin, obcecado por canivetes. Ela nunca devolveu a faca…!

• Durante seu teste, Erica Leerhsen gritou tão alto que pessoas de outras partes do prédio acionaram a polícia, pensando que a atriz estivesse sendo atacada!

• A trilha sonora do Massacre versão 2003 seria composta originalmente pelo roqueiro-bizarro-mutante Marilyn Manson, que não pôde aceitar o convite por problemas de agenda. O papel de Erin seria originalmente feito por Katie Holmes.

• Preste bastante atenção nas cenas que se passam no porão de Leatherface: lá, é possível você encontrar o rosto mutilado de ninguém menos que Harry Knowles, do Ain’t It Cool News!

THE TEXAS CHAINSAW MASSACRE • EUA • 2003
Direção de Marcus Nispel • Roteiro de Scott Kosar
Baseado no filme The Texas Chainsaw Massacre, escrito por Kim Henkel e Tobe Hooper
Elenco: Jessica Biel, Jonathan Tucker, R. Lee Ermey, Erica Leerhsen, Eric Balfour, Mike Vogel.
95 min. • Distribuição: Focus Features/Europa Filmes.


Distrito 9

29/12/2009

Crítica de Cinema – Texto publicado originalmente no Judão, em 15/10/2009.

Perguntar a um cinéfilo o que mais o atrai nos filmes é mais ou menos a mesma coisa que tentar entender o sentido da vida, do universo e tudo mais. Difícil de explicar, se é que é possível. Bem, no meu caso, trata-se de um conjunto imenso de pequenos fatores. Um deles, talvez o principal, é a capacidade do cinema de moldar realidade e ficção em um único pacote, discutindo temas complexos através de enredos apoiados em fantasia e inovações gráficas – dois grandes trabalhos recentes, o francês Persépolis e o israelense Valsa Com Bashir, estão aí para provar que assuntos espinhosos podem render trabalhos contundentes… e ao mesmo tempo fascinantes visualmente falando.

Em suma, cinema não só é uma válvula de escape para o povo relaxar e se entreter, como também pode ser um forte instrumento de reflexão e ponderação comportamental, com poder de persuasão maior do que qualquer outra espécie de veículo. (Claro que, para o público médio, acostumado a “não ter que pensar” e a devorar qualquer porcaria comercial que lhe apareça à frente e ainda gostar, enxergar este ponto de vista será bem difícil e isso parecerá papo de “pseudo-descolado”, mas a gente fala mesmo assim, né?)

Talvez este parágrafo de início ajude a compreender o que quero dizer quando falo que QUASE me apaixonei por Distrito 9 (District 9, 2009), um dos trabalhos mais comentados e esperados deste ano. Digo “quase”, porque a primeira meia-hora desta empolgante sci-fi comandada pelo novato sul-africano Neill Blomkamp e produzida por Peter Jackson nos dá a impressão de que estamos diante de um trabalho fodáximo que representa tudo aquilo que disse lá em cima. O negócio começa tão bem que, durante esta primeira meia-hora, pensei comigo mesmo, “putzarella, é o melhor do ano até agora” – até então, eu ainda não tinha visto Bastardos Inglórios que, por enquanto, é o dono do título. :-)

O problema é que o desenrolar da trama, que começa como um retrato bem realista de um conflito sócio-político em uma região cujas feridas causadas pelo apartheid ainda não cicatrizaram, esquece de tudo o que construiu inicialmente para se render a uma trama de ação que, por mais empolgante que seja (e realmente é), é prejudicada pela saraivada de clichês pipocando a cada segundo…

E olha que Distrito 9 tinha um pusta de um senhor potencial: logo no início, uma série de noticiários de televisão, imagens de “cinegrafistas amadores” e depoimentos de populares nos situa no grave problema que assola os sul-africanos residentes em Johannesburgo. Acontece que, um belo dia, uma gigantesca espaçonave apareceu nos céus da cidade e lá permaneceu, parada no ar e sem qualquer sinal de vida. Com a imunidade baixa e a nave avariada, os milhões de alienígenas ali presentes não conseguiram voltar para casa. Resultado: foram forçados a permanecer na Terra. Temerosa com a presença dos monstrengos, apelidados de “camarões” por se parecerem de fato com um, a população pressiona o governo a tomar atitudes. Primeiro, a criação de severas leis de segregação racial; depois, a construção de um “campo de refugiados para não-humanos”, denominado Distrito 9.

Não tarda para que a comunidade alien no Distrito 9, entregue à própria sorte em um planeta estranho e hostil, transforme o campo em uma imensa favela; com ela, surge um avançado estado de marginalidade e violência, impulsionado pelo tráfico de armas extraterrestres e pelo domínio da máfia nigeriana no local. Uma onda de morte e caos atribuída aos ETs força os governantes a dar início a uma operação de desapropriação do Distrito 9. É aí que entra o almofadinha Wikus Van De Merwe (o ótimo Sharlto Copley), agente do governo que trabalha para a MNU, espécie de organização que, pelo menos de fachada, visa garantir os direitos humanos dos não-humanos (?). Arrogante e autoproclamado “superior” à raça alienígena, Wikus supervisionará pessoalmente a ação de despejo dos aliens do Distrito 9.

Os problemas de Distrito 9, o filme, começam a surgir quando Wikus é vítima de um evento ocorrido dentro de uma das palafitas do D9, o que nos leva a outro evento que muda drasticamente os rumos da história (claro que não vou revelar o que acontece – quer saber, vá ao cinema, oras!). É neste momento que o roteiro escrito por Blomkamp em parceria com a também novata Terri Tatchell cai na mesmice: o conflito dá lugar a um joguinho de gato e rato igual a tantos já vistos em filmes de ação, com várias situações que beiram o clichê. Então, temos os militares malvados, o bam-bam-bam do governo que matará até a própria mãe se assim necessário for para garantir o sucesso de seu plano, o babaca que vira exército-de-um-homem-só em questão de horas, o ET amiguinho, os antagonistas que se odeiam e passam a lutar lado a lado em prol de um objetivo comum… aqui há espaço até para o “momento pode-ir-me-deixe-aqui” seguido do “momento não-vou-deixar-você-para-trás-estamos-nesta-juntos“. Afe! :-)

Sabe, tantas possibilidades, tantas alternativas para se desenvolver os rumos do enredo… e uma idéia tão inovadora quase se perde por causa da escolha mais preguiçosa.

Mas calma, eu disse “quase”. Os clichês baratos são compensados pela extrema habilidade do diretor Neill Blomkamp em conduzir seqüências de ação embasbacantes, capazes de deixar qualquer um de queixo caído – a invasão da MNU e a batalha final no D9 são absolutamente sensacionais. Quando a pancadaria começa (não contarei como, quando ou porquê para não estragar a surpresa), Distrito 9 não poupa o espectador de cenas violentíssimas, com sangue, membros mutilados e cabeças explodindo a torto e a direito (!). Os efeitos visuais são uma atração à parte: desafio qualquer um a encontrar um defeito sequer no CGI dos aliens, da nave e também do robô, um aparato usado por Wikus em determinado momento, capaz de causar inveja em qualquer um daqueles montes de metal retorcidos que atendem pela alcunha de Transformers (hehehe). E na melhor tradição O Senhor dos Anéis, os melhores personagens de Distrito 9 são virtuais – no caso, o alienígena Chistopher e seu encantador filhinho crustáceo (?), um pivetinho ET que rouba o filme sempre que aparece.

Mas enfim… Distrito 9 vale a pena ou não? Claro que vale. Vale cada centavo empregado no ingresso. Ainda com falhas, estamos falando de uma sci-fi de ação que, mesmo não correspondendo totalmente à enorme expectativa causada por sua divulgação e seu ponto de partida, não faz feio e está muito acima da média dos próprios longas que condensaram os tais clichês tão exaustivamente utilizados aqui. Pena que o enredo preferiu cair no pega-pra-capá ao invés de fazer história e centrar sua mira no poderoso manifesto sócio-político desenvolvido em seus primeiros momentos. O que poderia ser uma obra-prima como instrumento de reflexão, ficou apenas como um ótimo filme de entretenimento. Mas quem não gosta de um bom quebra-pau na telona só para distrair, não é mesmo? :-)

Ah sim: a resposta para o sentido da vida, do universo e tudo mais é… 42. O Guia do Mochileiro das Galáxias que falou. ;-)

DISTRICT 9 • EUA/ZEL • 2009
Direção de Neill Blomkamp • Roteiro de Neill Blomkamp e Terri Tatchell
Elenco: Sharlto Copley, Jason Cope, Nathalie Boltt, Sylvanie Strike, Elizabeth Mkandawie, John Sumner, William Allen Young.
112 min. • Distribuição: Tri-Star Pictures.