R.I.P.D. – Agentes do Além

29/09/2013

Crítica de Cinema – Texto publicado originalmente no JUDÃO, em 26/09/2013.

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Um belo dia, um sujeito comum passa por um evento extraordinário e toma conhecimento de algo escondido de todos os mortais: entidades não humanas vivem entre nós. Por conta deste evento, este sujeito será forçado a integrar uma equipe secreta especializada em fiscalizar as ações destas entidades, de modo que ninguém “saia da linha”. Daí o cara precisa firmar uma parceria com um veterano arrogante e sem amigos para dar conta do recado, já que algumas destas criaturas teimam em burlar o sistema…

Sim, você já viu este filme antes. Ele se chama MIB – Homens de Preto. Portanto, não estranhe se você decidir enfrentar uma sessão de R.I.P.D. – Agentes do Além (R.I.P.D. – Rest In Peace Department, 2013), comédia de ação inspirada em uma obscura HQ que chega aos nossos cinemas nesta sexta-feira, e sair da sessão com a leve sensação de que usaram o mesmo roteiro e apenas trocaram Will Smith por Ryan Reynolds e Tommy Lee Jones por Jeff Bridges. Porque é mais ou menos isso mesmo. Com um adendo: MIB vale uma visita. Já este R.I.P.D… Bem, digamos que extrair um dente ou tomar uma injeção intraóssea são opções mais divertidas e prazerosas do que este troço. :-(

Tá, mas o que há de tão errado aqui? Bem… TUDO. Não há absolutamente nada no lugar em R.I.P.D., como o trailer já denunciava. É mal escrito, mal interpretado, carrega mais clichês que novela das oito, transforma bons atores em canastrões e traz os piores efeitos visuais dos últimos tempos. Em uma escala de vergonha alheia considerando 1 a 5, sendo 1 “o cara do meu lado contou uma piada e ninguém riu” e 5 “o cara do meu lado deixou escapar um arroto no meio do restaurante lotado” (!), esta fita encosta no 5 com muita facilidade. Não é à toa que, depois do enorme fiasco de R.I.P.D. nas bilheterias gringas (custou US$ 130 milhões e rendeu apenas US$ 33 milhões), Jeff Bridges, nosso eterno Dude Lebowski, saiu falando a qualquer veículo de imprensa que apareceu à sua frente que “as escolhas feitas pela edição definitivamente não eram as escolhas que ele faria”…

Olha, acho que não seria uma mudança na montagem que salvaria o filme, viu? Porque a história é ruim de qualquer jeito: o tira boa-praça Nick Walker (Ryan Reynolds, no piloto automático como sempre) vive com sua namoradinha-porta e é tão íntegro e coração mole que mal consegue dormir à noite depois de se envolver em um esqueminha “por debaixo dos panos” arranjado por seu parceiro obscuro Bobby Hayes (Kevin Bacon), esqueminha este que não revelarei para não estragar a surpresa de quem quiser cometer autoflagelo assistindo a isso. Enfim, o cara só quer dar uma vida melhor para a namorada e mostrar que pode ser bem-sucedido, mas nem dá tempo de o sujeito aproveitar os benefícios que o tal lance lhe proporcionaria, já que ele é assassinado durante uma operação da polícia no dia seguinte. Fiquei com tanta pena que estou até chorando enquanto escrevo esta matéria. :-P

É aqui que o péssimo roteiro de Phil Hay e Matt Manfredi (os mesmos que escreveram os horrorosos Fúria de Titãs e O Terno de Dois Bilhões de Dólares, o que explica muita coisa, hehehe) começa a viajar na maionese: ao morrer, Nick vai parar em uma espécie de limbo, onde descobre que existe uma divisão de investigação secreta chamada Departamento Descanse em Paz, dirigida com mão-de-ferro por uma sujeita linha-dura (Mary-Louise Parker) e habitada por policiais mortos de várias gerações – um saguão, por sinal, parecido ATÉ DEMAIS com o QG de MIB. O fato é que algumas almas hostis enviadas ao purgatório, onde deveriam aguardar julgamento, conseguiram escapar e agora habitam a Terra, disfarçados de seres humanos comuns. Como se tratam de almas sem nenhum escrúpulo, entende-se que sua permanência em nosso plano terrestre pode causar problemas.

Como a maracutaia na qual se envolveu em vida o credenciou a passar a eternidade na companhia do Cabrunco (!), Nick pode ter seus pecados perdoados se consentir em assinar um contrato de 100 anos para trabalhar no Departamento Descanse em Paz, onde será obrigado a se unir a um policial mal-humorado chamado Roy Pulsipher (Jeff Bridges), um xerife que viveu e morreu no Velho Oeste pouco acostumado às maravilhas do mundo moderno, e terá a função de capturar estas almas e trazê-las de volta.

A partir daí, o roteiro, que já não era lá estas coisas, resolve apelar para uma traminha de mistério bem chula ao colocar os dois antagonistas, que a princípio se odeiam (UAU, JURO QUE NÃO IMAGINEI QUE SERIA ASSIM…), investigando as ações dos defuntos “desertores” e descobrindo no meio do caminho que eles estão atrás de peças de um artefato que pode destruir de vez os limites entre o mundo dos vivos e dos mortos. Então acontece toda aquela saraivada de clichês horrorosos que você já conhece: Nick e Roy fazem um estrago na cidade, perdem seus distintivos… passam a agir na surdina e por conta própria para evitar o pior… viram best friends forever… descobrem que o esquema do artefato está diretamente ligado ao assassino de Nick, que se revela praticamente um enviado do Tinhoso na Terra… a viúva de Nick vira alvo em potencial… ele quer proteger a moçoila, mas não pode revelar sua identidade… afe, sério mesmo?

Bem, não conheço o gibi na qual R.I.P.D. se inspira (criada por Peter M. Lenkov em 2001 e publicada lá fora pela Dark Horse), mas as críticas que li por aí indicam que o negócio é barra-pesada mesmo, algo bem no nível de um Authority da vida. Logo, é de se imaginar que não vai sair uma coisa boa quando sabemos que o foco do filme é a comédia; tudo aqui parece construído para repetir o estilinho de MIB. Algumas cenas são praticamente cópias – temos então o parceiro velho carrancudo, o novato que só sabe fazer piadinhas, o confronto de gerações, a lojinha com o balconista bizarro que serve de portal para o QG dos mocinhos, o informante disfarçado, o personagem legal que se revela o “cabeça” do grupo de vilões… até a cena final de R.I.P.D. é uma cópia carbono da última cena de MIB!

Antes fosse esse o único problema de R.I.P.D. A fita é muito mal dirigida pelo alemão Robert Schwentke (o mesmo de Red: Aposentados e Perigosos), que abusa DEMAIS de efeitos e maneirismos de câmera para dar uma disfarçada nas fracas sequências de ação. As atuações são sofríveis, e olha que tem gente gabaritada trabalhando aqui, como o próprio Jeff Bridges (dá vontade de cometer suicídio nas 752 vezes em que ele solta aquele irritante YEE-HAA!), Mary-Louise Parker (do seriado Weeds) e Kevin Bacon. Tudo bem que o roteiro, cheio de contradições, não ajuda mesmo – só para citar um exemplo, como o xerife Roy não consegue entender a tecnologia de nossa época, mas faz piadas sobre pornografia na Internet? Ah, e um recado para os executivos de Hollywood que porventura estejam lendo esta matéria (hehehe): por favor, não deem mais papéis de vilão para o Kevin Bacon! Ninguém mais aguenta! O planeta agradece. :-)

Sobre Ryan Reynolds, nem adianta falar muito. Dizer que ele é um ator ruim é redundância. :-P

Já os efeitos visuais, que até poderiam compensar o resto do filme já que sua projeção é em 3D, são de doer de tão malfeitos, especialmente o CGI dos mortos malvados. Aliás, uma pergunta que aflige meu coração: por que raios as almas fugitivas viram criaturas horrendas quando voltam à Terra? Eles viram praticamente Orcs, não tem uma explicação plausível para isso. Sério, o CGI daqui consegue ser pior do que os tenebrosos efeitos visuais de Jack, o Caçador de Gigantes, aquele engodo dirigido pelo Bryan Singer. E olha que não vou nem comentar sobre o final ao melhor estilo Ghost – Do Outro Lado da Vida. Só faltou a Demi Moore fazendo cerâmica e se lambuzando toda no cantinho da cena.

Pô, mas não tem nada que se aproveite em R.I.P.D., então? Deixa eu pensar, hum… NÃO. Não funciona como filme de ação, não funciona como comédia, não diverte e só causa vergonha alheia em quem assiste. Concorrente fortíssimo para a próxima edição do Framboesa de Ouro! Bem, pelo menos não senti vontade de atentar contra minha própria vida, até mesmo porque não quero me arriscar a morrer, chegar lá em cima e dar de cara com uma louca dizendo “assista e resenhe filmes ruins por 100 anos ou vá para o inferno!”. Embora não tenha sido necessário nem clamar por piedade: acho que já paguei uns 48 pecados só de ter que escrever esta crítica!

Ah, se eu não tivesse tanta conta pra pagar… ;-)

R.I.P.D. – REST IN PEACE DEPARTMENT • EUA • 2013
Direção de Robert Schwentke • Roteiro de Phil Hay e Matt Manfredi
Inspirado na HQ “R.I.P.D.”, de Peter M. Lenkov
Elenco: Jeff Bridges, Ryan Reynolds, Mary-Louise Parker, Kevin Bacon, Stephanie Szostak, James Hong, Marisa Miller.
96 min. • Distribuição: Universal Pictures.


Os espiões mais bacanas do cinema

29/09/2013

Matéria de Cinema – Texto publicado originalmente em A ARCA, em 23/09/2004.

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Qual é, afinal, a graça toda nas fitas estreladas por James Bond, o tal agente secreto 007? Bem, vejamos: a ação desenfreada, as tramas rocambolescas e cheias de pequenos detalhes, as missões aparentemente impossíveis, os divertidíssimos e ultra-caricatos vilões, as geringonças que fazem o sonho de qualquer um, os carrinhos mega-possantes, as belas e inocentes mulheres (inocentes? hum, até parece)… 007 é, na verdade, um indivíduo que representa o desejo de consumo de qualquer ser humano interessado em um pouquinho de aventura; um detalhe que, pra falar a real, não é exclusividade deste espião, mas também de qualquer personagem que tenha este, bem “emprego”. Em uma linha, 007 – e qualquer espião que se preze – conquista a negada porque, no fundo, todo mundo queria ser igual a ele. ;-)

Os filmes de espiões têm este diferencial: é muito fácil a identificação do público com o mocinho. Afinal, quem neste mundo não gostaria de estar na pele de alguém que viaja pelos quatro cantos do planeta, ganha um salário altíssimo, vive no limite e ainda cata as mais lindas mulheres? Além disso, este subgênero responde por cerca de 80% das produções de ação que chegam todo ano a nós, espectadores. Só para se ter uma idéia, um banco de dados virtual americano constatou que existem mais de 1.400 longas e curtas-metragens só nos Estados Unidos envolvendo espiões, detetives e afins. É número a dar com o pau! :-)

COMO SURGIU ESSE LANCE TODO?

Não se sabe exatamente como e quando o subgênero surgiu, mas uma das primeiras fitas a tratar do assunto, mesmo que indiretamente, foi Boots, filme mudo comandado por Elmer Clifton em 1919. A trama silenciosa envolve uma sapateira inglesa viciada em livros de aventuras (interpretada por Dorothy Gish) que, meio que sem querer, descobre um plano bolchevique para eliminar um funcionário do governo e resolve assumir a identidade do herói de um dos livros que lê para impedir que isto aconteça. Uma curiosidade: Dorothy Gish, considerada uma das mais belas atrizes dos anos 20, nasceu em 1898 e faleceu em 1968, aos 70 anos. A atriz atuou em 121 longas-metragens a partir de 1912. Abandonou as telas em 1927, por ser uma das centenas de profissionais a se rebelar contra a indústria cinematográfica com o advento do cinema falado.

Enfim, Boots foi bem visto na Inglaterra e nos Estados Unidos e sua popularidade abriu algumas portas. Logo, vários outros filmes exploraram os agentes secretos. Mas o gênero só ganhou mesmo notoriedade pelas mãos de Alfred Hitchcock, que nos trouxe pérolas como Os 39 Degraus (1935), Sabotagem (1936), O Agente Secreto (1936), Interlúdio (1946) e aquele que é tido até hoje como o “pai” da espionagem, O Homem que Sabia Demais (1934), e a partir daí vieram muitos outros. Inspirado nisso, resolvi relacionar aí embaixo alguns dos agentes secretos (das mais variadas espécies) mais legais que chegaram às telonas – mas veja bem, como não dá pra citar quase mil e quinhentos caras aqui, falarei só de alguns (e o 007 vai ficar de fora porque é clichê – e também porque já tem este especial gigantesco!).

• O RETARDADO

Maxwell Smart, mais conhecido como o Agente 86, sempre foi um dos caras mais estúpidos da história da espionagem. Uma sátira descarada da série de James Bond, o personagem criado por Mel Brooks e interpretado pelo saudoso Don Adams enlouqueceu sua parceira burrinha, a Agente 99 (Barbara Feldon), e conquistou o mundo na década de 60 com seu fabuloso seriado cômico. Até que, em 1980, chega aos cinemas seu primeiro filme, a comédia A Bomba que Desnuda (The Nude Bomb), dirigido por Clive Donner. A trama não fez feio aos absurdos que rolavam na telinha: Smart vê sua aposentadoria ser interrompida quando é chamado para descobrir quem é o louco que criou uma bomba que, ao explodir, carboniza as roupas das pessoas (!), deixando-as nuas. Na época, o longa foi acusado de “ofensivo à moral e os bons costumes” (principalmente por ter no elenco Sylvia Kristel, a mocinha alegre do clássico erótico Emmanuelle), tornando-se um fracasso de bilheteria, mas hoje em dia é considerado uma excelente comédia.

Por que está nesta lista: Apesar de ser uma toupeira, o Agente 86 nunca era descoberto e sempre elucidava o mistério no final – mesmo que o fizesse por puro acaso.

• O CALCULISTA

No fantástico A Caçada ao Outubro Vermelho (The Hunt for Red October, 1990), o sossegado analista da CIA Jack Ryan (Alec Baldwin) não chega a ser exatamente um agente secreto, mas funciona como tal. Afinal, sua função é investigar na surdina e tentar, de uma maneira ou de outra, impedir um ataque em massa ao submarino Outubro Vermelho, conduzido pelo capitão soviético Marko Ramius (Sean Connery), que contrariou ordens superiores e está guiando o submarino em direção a América. Na visão dos russos, Ramius é um desertor. Já para os americanos, uma guerra está para começar. Para atingir seu objetivo, Ryan move montanhas sem precisar utilizar a força bruta uma única vez. A Caçada ao Outubro Vermelho, dirigido por John McTiernan (Predador, Duro de Matar) a partir do romance de Tom Clancy, se tornou o maior sucesso de bilheteria em 1990, rendendo mais de US$ 200 milhões no mundo todo e vendendo mais de 6 milhões de exemplares do livro só nos EUA. Além disso, o trabalho consolidou a carreira de atores como Sam Neill (Jurassic Park) e Scott Glenn (O Silêncio dos Inocentes).

Por que está nesta lista: Mesmo sendo somente um analista, Jack Ryan mostrou que tem culhões e acabou ganhando uma promoção, tornando-se um respeitado agente nos livros (e filmes) seguintes, Jogos Patrióticos e Perigo Real e Imediato – isto, sem contar o prequel destas histórias, o divertido A Soma de Todos os Medos.

• O INEXISTENTE

Quem aí se lembra do clássico da sessão da tarde Os Heróis Não Têm Idade (Cloak & Dagger, 1984)? O divertido longa dirigido por Richard Franklin marcou a infância de muita gente – inclusive eu – ao traduzir em imagens o espírito infantil de todo “futuro nerd” de participar de zilhões de aventuras ao lado de seu herói predileto. Davey (Henry Thomas, E.T., O Extraterrestre), de 11 anos, é órfão de mãe e sofre com a ausência do pai, que vive para o trabalho. Para não enlouquecer, Davey passa os dias a jogar seu game predileto, Cloak & Dagger, protagonizado pelo super-espião Jack Flack. Quando um agente do FBI prestes a ser assassinado cruza seu caminho e lhe entrega um cartucho de videogame com dados confidenciais, Davey se torna um alvo em potencial. Para escapar desta – já que nenhuma adulto acredita em sua história -, o garoto conta com a ajuda de seu “amigo imaginário” Jack Flack (vivido pelo sumidaço Dabney Coleman, que também interpreta o pai de Davey). O longa, escrito por Tom Holland, rendeu bem menos do que o esperado nas bilheterias na época de seu lançamento, mas este detalhe não o impediu de marcar uma geração.

Por que está nesta lista: Orra, e ainda tem dúvida? Jack Flack alimentou as fantasias de muita criança por aí! E a cena final no avião é arrasadora… fantasia pura!

• A BAGACEIRA

Todo mundo sabe que os ianques guardam um preconceito enorme com relação às fitas faladas em idiomas não-inglês. Esse rancor não foi um empecilho para o desempenho arrasador em terras gringas de uma pequena produção B da França em 1990. Esta fita arrecadou US$ 5 milhões em apenas três semanas numa boa – tudo bem, parece pouco se compararmos com os números de hoje, mas vamos levar em consideração que o filme é estrangeiro, e naquela época não era tudo tão supervalorizado. Bem, a fita em questão é o filmaço Nikita – Programada para Matar (La Femme Nikita, 1990), do hoje consagrado Luc Besson (Imensidão Azul). No enredo, uma garota chamada Nikita (a maravilhosa Anne Parillaud) se chapa de drogas junto a dois amigos niilistas e comete furto e assassinato. Ao invés de ser presa ou condenada à morte, porém, Nikita é enviada para uma escola especial ultra-secreta, onde é treinada para “reembolsar a sociedade” por seus atos de vandalismo. Como? Se tornando uma espiã e assassina profissional a mando do governo. Nikita lançou a carreira de Luc Besson, que mais tarde viria a dirigir obras como o poético Léon – O Profissional, a malfadada ficção O Quinto Elemento e o controverso Joana D’Arc. Além disso, abriu caminho para uma bem-sucedida franquia que conta com a refilmagem A Assassina, de John Badham e estrelado pela linda Bridget Fonda, e o seriado La Femme Nikita, com a tentativa de atriz Peta Wilson.

Por que está nesta lista: Quase uma versão mais bagaceira de 007, Nikita é capaz de matar alguém na sua frente, desaparecer em segundos e você nem notar. A menina também é expert em armas e deixa todos os homens babando por onde passa – o que muito contribui para o sucesso de suas missões.

• O SARADÃO

O conceito básico de Nikita ganhou uma nova roupagem em 2000, resultando num trabalho controverso, porém bem-sucedido financeiramente. Em Triplo X (xXx), Xander Cage (Vin Diesel, no papel que o alçou à condição de astro de filmes de ação), viciado em esportes radicais, é um meliante forçado por um agente da NSA (Samuel L. Jackson) a cooperar com o governo numa investigação. Para não parar na prisão, Cage deve se infiltrar numa criminosa facção russa. Adicione a este ingrediente um diretor e um produtor cuja parceria anterior deu muito certo (no caso, Rob Cohen e Neal H. Moritz, a mesma dupla de Velozes e Furiosos), o protagonista deste mesmo longa, uma trama recheada de situações de risco, cenas mirabolantes e pronto: aproximadamente US$ 150 milhões de doletas em apenas um mês e meio só nos Estados Unidos e uma horrorosa seqüência que chegou às telonas do planeta em 2005 (com o rapper Ice Cube ocupando a vaga do carequinha). E o filme é bom? Bem, é divertido mas facilmente descartável. Mas querer exigir muito de um filme de pancadaria é o mesmo que querer encontrar diálogos shakesperianos em fita pornô, não é mesmo?

Por que está nesta lista: O jeitão bem humorado de Xander Cage faz qualquer um torcer por ele. E qualquer fita com a magavilhosa Asia Argento no elenco merece estar em qualquer lista!

• A ENTEDIADA

Esqueça Arnold Schwarzenegger e esqueça James Cameron. O verdadeiro dono do excelente True Lies (1994) não é “dono”, e sim “dona”: Jamie Lee Curtis. A “rainha do grito”, revelada no clássico do terror Halloween, andava meio escondida, trabalhando em pouquíssimos projetos, até que arrasou com sua hilariante interpretação da dona de casa cujo marido, um vendedor de computadores, é na verdade um hiper-ultra-mega agente secreto. Entediada com sua vida de mulher do lar, Helen Tasker acaba se envolvendo com um suposto “espião”, e termina no meio de uma complicada rede envolvendo terroristas árabes – por sinal, investigados pelo seu esposo. Contar mais da história estraga: True Lies é daquele tipo de filme que não pode ser resumido em uma ou duas linhas. Refilmagem de La Totale!, longa francês de 1991 do cineasta Claude Zidi, True Lies é considerado um dos melhores filmes da carreira de James Cameron, e ainda conta com a belíssima Tia Carrere (Quanto Mais Idiota Melhor), Tom Arnold (Contra o Tempo) e um dos atores mais legais dos últimos anos, Bill Paxton (que se revelou na direção com o filmaço A Mão do Diabo) no elenco.

Por que está nesta lista: A personagem de Jamie Lee Curtis é a tradução perfeita daqueles que sonham com uma vida de aventuras – o que torna muito fácil a identificação e a empatia com ela. E a cena do strip-tease é simplesmente a melhor seqüência cômica de 1994.

• O PERVERTIDO

E por falar em comédia, é impossível escrever um artigo sobre espiões sem citar o tarado Austin Powers (Austin Powers: International Man of Mystery, 1997), de Jay Roach – tudo bem que a gloriosa Srta.Ni já falou bastante do meliante aqui nesta matéria. Por isto mesmo, se você está afim de saber mais a respeito deste indivíduo, é só ler a matéria da nossa querida nerd-girl neste link aqui! Vai fundo e be happy. ;-)

Por que está nesta lista: Austin Powers é James Bond em todos os aspectos. A não ser, claro, pelos dentes tortos e aqueles babados todos em suas roupas…

• O PIVETE

Cody Banks é um garoto como qualquer outro. Gosta de skate, detesta matemática e é um completo idiota quando o assunto é garotas. O que ninguém sabe é que Cody Banks é parte integrante de um complexo programa de agentes da CIA – mesmo tendo apenas 16 anos. Este é o mote de O Agente Teen (Agent Cody Banks, 2003). Em sua primeira lição, Banks deve se aproximar de uma garota cujo pai é um renomado cientista que trabalha para a vilanesca corporação ERIS. O problema todo é que a maior tragédia imaginável é fichinha perto do terror que é o garoto tentando conquistar uma menina! O Agente Teen chegou aos cinemas meio tímido e construiu uma carreira sólida entre os adolescentes, graças ao roteiro bem escrito e o apelo do ator principal, o estranho e hilário Frankie Muniz (Malcolm In The Middle). Também ganhou uma continuação: O Agente Teen 2, Missão Londres (Agent Cody Banks 2: Destination London, 2004), que no momento está em exibição nos cinemas.

Por que está nesta lista: Apesar de ser uma película direcionada aos adolescentes, correndo o risco de parecer até meio bobinha para os mais velhos, é impossível não cair na gargalhada com as expressões e os trejeitos de Cody Banks. E quem acompanhou Malcolm In The Middle sabe do que Frankie Muniz é capaz.

• O ESQUECIDINHO

E para encerrar esta matéria, nada melhor do que revisitar um dos agentes secretos mais divertidos a aportar nos cinemas nos últimos anos: o desmemoriado Jason Bourne (Matt Damon), que um belo dia acordou em uma idílica praia do Mar Mediterrâneo… com o corpo totalmente cravado de balas. Sem fazer ideia de quem é ou do que faz de sua vida – a única coisa que sabe é seu nome -, Bourne consegue sobreviver graças ao auxílio de um médico e descobre em seguida que possui um misterioso chip implantado em sua perna. Assim, Jason Bourne passa a correr atrás de uma resposta para o mistério de sua verdadeira identidade: um espião no meio de uma complicadíssima trama de assassinato envolvendo o alto escalão da CIA… e que é perseguido por alguns figurões que desejam sua cabeça. A odisséia de Jason Bourne, personagem extraído de uma série de romances de Robert Ludlum que já fora adaptado para a TV em 1988 (com o tosco Richardo Chamberlain como protagonista), tem início no bacanésimo A Identidade Bourne (The Bourne Identity, 2002), comandado por Doug Liman (Swingers: Curtindo a Noite, Vamos Nessa), ganha mais um capítulo com o excelente A Supremacia Bourne (The Bourne Supremacy, 2004), de Paul Greengrass – que comandou um dos melhores filmes dos últimos anos, Domingo Sangrento – e prepara-se para detonar novamente nas telonas em seu terceiro (e provavelmente último) episódio, O Ultimato Bourne (The Bourne Ultimatum), a chegar aos cinemas em 2007. Juntas, as duas primeiras fitas da saga já renderam mais de US$ 300 milhões, só nos Estados Unidos.

Por que está nesta lista: Porque é ação pura, do início ao fim. Para resumir bem, digamos que a saga de Jason Bourne é como o filme mais eletrizante de James Bond já lançado… com uma carga bem maior de adrenalina. :-)

 

OS ESPIÕES MAIS “DUCA” DO CINEMA
Matéria publicada originalmente em A ARCA, em 23/09/2004
Complemento do especial para a estréia do longa-metragem 007: CASSINO ROYALE.


Despedida em Las Vegas

29/09/2013

Matéria de Cinema – Texto publicado originalmente em A ARCA, em 28/08/2005.

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Talvez eu seja o único colaborador deste site que encarou a proposta de falar sobre o filme de sua vida com certo temor. Digo isto porque foi extremamente difícil chegar a um consenso comigo mesmo sobre “o que” falar e sobre “qual” fita falar. Tanto que, ao final da reunião de pauta na qual a equipe d’A ARCA discutiu e planejou esta série de artigos, minha listinha pessoal de “filmes em potencial” era composta por exatos 37 títulos, todos eles com uma indiscutível importância para mim como cinéfilo, como profissional e como pessoa.

O que me pegou de jeito foi o pensamento de que, para um fã de cinema tão obcecado como eu, é impossível chegar aqui e simplesmente escolher um filme. Eu poderia falar sobre o belíssimo Encontros e Desencontros, mas seria injusto com Brilho Eterno, As Pontes de Madison, Closer, Magnólia e tantos outros que me comovem; poderia falar de clássicos como O Terceiro Homem, que me hipnotiza de uma maneira impressionante, mas há pelo menos outros vinte longas antigos que me causam o mesmo efeito; poderia falar sobre o fenomenal longa brazuca Lavoura Arcaica, mas para este simplesmente não tenho palavras; e por aí vai…

Então, finalmente consegui escrever um texto bacana sobre Seven: Os Sete Crimes Capitais, ultra-hiper-mega-maxiclássico de David Fincher (diretor que, como todos sabem, ocupa o primeiríssimo lugar na lista de meus preferidos). Mas descartei, por entender que admiro muito mais seus aspectos técnicos do que os aspectos emocionais. Em seguida, escrevi outro texto, desta vez sobre Asas do Desejo, maravilhoso exercício de sentidos do cineasta alemão Wim Wenders que deu origem a um remake americano chamado Cidade dos Anjos. E também descartei, por acreditar que o artigo era vago demais para a enorme intensidade dramática do roteiro de Wenders – e também para evitar que os caríssimos usuários deste site confirmassem o fato de que não passo mesmo de um cult de quinta categoria…

Na verdade, esqueçam estes parágrafos aí em cima.

A questão é que eu tentei desconversar para não acabar onde acabei. Assim que recebi a pauta e descobri que deveria escrever sobre um filme significativo, um único título martelou na minha cabeça, mas tentei fugir de qualquer maneira, passando por todo o processo que descrevi nas primeiras linhas. E não consegui. Portanto, o meu filme é Despedida em Las Vegas (Leaving Las Vegas,1995), pesadíssimo drama dirigido por Mike Figgis em 1995, que deu o Oscar de Melhor Ator a Nicolas Cage.

Explico: Despedida em Las Vegas é uma produção sobre o qual odeio falar. Odeio mesmo, e não é por não gostar da fita. O problema que envolve a minha pessoa e a história é uma questão pura e simples de identificação: me vejo retratado na tela em cada fotograma, e me sinto destruído, derrotado e desesperançoso a cada vez que decido revê-lo, embora seja um masoquista de primeira e pare o que estiver fazendo sempre que o filme é reprisado na TV – basicamente o mesmo sentimento que me domina quando ouço Nick Drake ou leio O Apanhador no Campo de Centeio, mas isto é uma outra história.

Falar sobre Despedida em Las Vegas, para mim, é ter que revisitar alguns fantasmas que, embora não se manifestem com a mesma intensidade de outrora, ainda não me deixaram em paz.

Assisti ao filme pela primeira vez numa sessão solitária, como já era de praxe. Na época, eu, ainda um adolescente récem-consciente de seu amor pela sétima arte, tinha o costume de sair do colégio no horário do almoço e correr ao cinema para conferir qualquer coisa; Despedida em Las Vegas era exibido na menor das oito salas de cinema, e precisei insistir para que o projecionista decidisse trabalhar – antigamente, os cinemas de rua tinham por lei não exibir o filme caso o número de espectadores para a sessão fosse inferior a 4 (éramos apenas eu e uma senhora naquele dia), o que já não acontece hoje em dia nos multiplexs da vida, programados para funcionar direto, com público ou não.

Naquele tempo, o ato de ir ao cinema por si só já tinha um quê de magia. Geralmente tinha a sala só para mim e mais alguns outros gatos pingados, e costumava sentar-me à última fileira do fundo, bem próximo à saída da imagem do projetor. O coração acelerava quando as luzes apagavam-se de uma só vez e o silêncio era cortado por aquele magnífico barulhinho das engrenagens e mecanismos do projetor começando a rodar o rolo de fita. Volta e meia desligava-me por alguns segundos do que rolava na tela e olhava para cima, para admirar o feixe de luz em movimento que saía da lente do projetor em direção à tela. Momentos mágicos de cerca de duas horas que me faziam esquecer do mundo.

Aquela sessão não seria diferente. O ritual seguiu naturalmente, como qualquer outro dia, qualquer outro filme. E a princípio, o momento não me marcou muito, embora me lembre com clareza da minha revolta ao interpretar as atitudes de Ben Sanderson, personagem de Cage, como um simples ato de covardia. Ben, um roteirista maníaco-depressivo com sérias tendências ao alcoolismo, perde o emprego e a família. Se desfaz de todos os seus bens pessoais e decide ir a Las Vegas, onde gastará todo o dinheiro da rescisão de contrato bebendo até morrer. E eu pensei: “Pombas, estes são motivos plausíveis para querer desistir de tudo?”. E por que raios o cara não tentou sequer se apoiar no carinho da doce prostituta Sera (Elisabeth Shue, linda), mulher que decidiu acolhê-lo em Vegas e que, mesmo metida em situações ainda piores que a do cara, tanto lutou para mantê-lo a seu lado e fazê-lo sair daquela condição?

Obviamente, eu ainda não era maduro o suficiente para entender as entrelinhas do enredo e a psiquê dos personagens – amadurecimento este que me veio depois, através do próprio cinema. Só pude entender, concordar e sofrer com o filme alguns anos mais tarde, quando o revi numa retrospectiva de produções premiadas com o Oscar, num cineclube qualquer: depois de sofrer uma brusca mudança de comportamento e ter adquirido uma série de complicações de saúde, fui diagnosticado com depressão, próximo de se tornar psicose maníaco-depressiva, o mesmo estado de Ben Sanderson; doença esta que, mesmo já controlada e quase morta, insiste em dar as caras de vez em quando. Assim como Ben, me sentia quase sozinho, mesmo que por opção própria, já que decidira tentar esconder minha situação da família e cuidar das coisas a meu modo.

Assim, tudo ficou claro e a ficha finalmente caiu. Ben não tinha mais o que esperar da vida, estava cansado de correr atrás de uma felicidade de plástico e tudo o que queria era chegar ao fim dela. A companhia de Sera era apenas uma forma lírica e tranqüila de atravessar aquele túnel. Os motivos de Sera, entretanto, eram outros: ela encontrou no cara a única pessoa que se deu ao trabalho de tratá-la com um mínimo de dignidade ao qual tem direito, e o declínio dele serve para que ela descubra que, em suas veias, ainda corre sangue quente. Ela não quer salvá-lo (tanto que concorda em deixá-lo cumprir seu objetivo de morrer), pois sabe que mantê-lo vivo implicará em torná-lo infeliz. E ele não pretende mudá-la, pois sabe que precisa dela daquele jeito.

Se unissem os dois personagens num só, certamente este personagem poderia ter sido inspirado em mim, já que ambos possuem elementos parecidíssimos com o que eu costumava ser.

Pra resumir, Ben e Sera são duas almas rejeitadas pelo mundo, que não têm nada além de um ao outro, mas estar juntos é o suficiente para continuar levando a vida (por mais que Ben não consiga desistir de seus planos e sair da enorme bola de neve ao qual está imerso), o que fica evidente na cena em que os dois são expulsos até mesmo de um hotel hiper-fuleiro. Ao casal, é negado até o direito de ser humano, mas de nada importa, pois eles têm um ao outro. Se olharmos bem, não há tanta diferença entre este casal e Amélie e Nino, ou Bob Harris e Charlotte, ou Joel Barish e Clementine, ou o anjo Damiel e a trapezista Marion. É tudo movido pelo amor e pela vontade de ter ao menos um momento de paz e bonança nesta turbulência toda que é a vida.

Mas o que isto tem a ver com o Zarko, afinal? Bem, não é somente uma questão de ter me identificado, até mesmo porque nunca fui de beber e me considero sortudo por ter tido pouquíssimas crises violentas a ponto de ter pensamentos de morte. O que mata é que conversas e frases de consolo não adiantam em nada quando você sofre de depressão, às vezes até pioram o estado, visto que não é algo controlável. Como conseqüência, não há como evitar uma certa clausura (o que é o meu caso). E Despedida em Las Vegas serviu para me mostrar sem blá-blá-blás, mesmo que de uma maneira trágica, que eu não era o único a chorar escondido e sem motivos aparentes, a querer desaparecer sem deixar vestígios, a querer parar o tempo para mudar tudo, a não ter um ombro para se apoiar.

Este choque, somado à magia das sessões diurnas da minha fase adolescente, me fizeram enxergar algo que carrego ainda hoje e que me motiva quase sempre: o cinema, aquilo que eu sempre amei, me deu o ombro e jamais me abandonaria, e me acolheria sempre que a vida me desse um tapa na cara. Isto ainda acontece, de vez em quando, embora eu tente ser uma pessoa melhor.

Não vale a pena dissecar aqui as muitas qualidades técnicas de Despedida em Las Vegas, que é mesmo um filmão muito bem dirigido, bem interpretado e bem fotografado, independente de qualquer coisa. E não é esta a proposta, já que estamos falando de filmes que marcam de uma maneira emocional. Então, para que você entenda minha escolha por este filme, basta que você saiba que, com Despedida em Las Vegas, eu descobri que era Ben Sanderson (e ainda sou, de vez em quando). A diferença é que Ben não tinha escolha e seguiu até o fim. Eu, mesmo sem enxergar as opções e ainda sentindo desejos constantes de chorar, agarrei uma meta. E entendi que ainda tenho um coração pulsando aqui dentro. Ele falha algumas vezes, mas a gente vai levando.

MEU FILME É… DESPEDIDA EM LAS VEGAS
Matéria publicada originalmente em A ARCA, em 28/08/2005
Complemento do especial OS FILMES DA NOSSA VIDA.


Lovelace

14/09/2013

Crítica de Cinema – Texto publicado originalmente no JUDÃO, em 13/09/2013.

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Se você está aqui, lendo o Judão, você CERTAMENTE sabe quem foi Linda Lovelace. E se você não sabe, vai saber agora. Linda Lovelace era uma aspirante a atriz que deu a sorte (ou o azar, dependendo do ponto de vista) de protagonizar um dos maiores fenômenos da história do cinema: o famigerado Garganta Profunda. Rodado em 1972, este pequeno filminho pornô que narra as desventuras de uma pobre garota que luta para chegar ao orgasmo – ela não consegue porque seu clitóris está localizado na garganta (!?) – tornou-se um divisor de águas na indústria pornográfica e, porque não, do cinema em geral: rendeu cerca de 600 milhões de dólares em todo o mundo, virou símbolo da liberdade sexual e alçou a pornografia, até então restrita à marginalidade, a um status social de entretenimento legítimo para sempre. Hoje, com o apelo da pornografia gratuita na Internet, fica meio difícil entender como uma produção pornô causou tanto furor, mas precisamos considerar que estávamos nos anos 70, onde a liberdade sexual ainda era um “direito” recém-conquistado.

Se hoje nomes como Marilyn Chambers, John Holmes, Cicciolina, Ginger Lynn, Ron Jeremy e Sasha Grey estão vinculados à cultura pop, estas personalidades devem agradecer exclusivamente à Garganta Profunda. E se você conhece todos os nomes que citei, lave bem suas mãos antes de me cumprimentar em qualquer ocasião (!). Não que eu saiba quem são estes caboclinhos aí ou tenha visto algum filme deles, um amigo meu que me contou. :-D

Voltando, o mérito não é exclusivo de Linda Lovelace, verdade seja dita. Garganta Profunda tornou-se cult não por causa da “atuação” da garota, mas sim por ser pioneiro na arte do “pornô com historinha”, por focar na prática do sexo oral, o que não era lá tão comum nas produções da época – para obter prazer, a personagem precisa priorizar a “boca na botija” (hehehe) à transa propriamente dita – e também por evitar o chauvinismo da “mulher objeto”, contando sua trama pela ótica feminina. As personagens da fita são dotadas de personalidade, e não apenas meros corpinhos gostosos, o que casou perfeitamente com a explosão da liberação sexual na década de 70. Hoje, mesmo bastante envelhecido, Garganta Profunda mostra a cada fotograma porque escandalizou – e arrebatou – multidões no mundo todo, e a falta de pudores de Linda Lovelace em protagonizar cenas até então tidas como “inimagináveis” é só a cereja do bolo. Naquela época, mesmo para um pornô, não era qualquer uma que se atrevia a “pôr a boca no trombone”, hehehe.

O que nos leva a Lovelace (Idem, 2013), aguardada cinebiografia da atriz que estreia em circuito nacional nesta sexta-feira. Aguardada, porque como é possível perceber nos parágrafos acima, a história desta donzela angelical precisava ser contada. Certo?

Errado.

Sejamos justos: Linda, que jamais conheceu a fama e a fortuna que Garganta Profunda lhe prometera e morreu em 2002, por consequência de ferimentos causados por um acidente de carro, estrelou uma fita que fez história. Mas a história da própria atriz não é tão espetacular assim para se justificar um filme seu. A vida de Linda é tão genérica e tão parecida com a de outras personalidades já retratadas em celuloide (como Tina Turner, por exemplo) que assistir a Lovelace dá um gostinho salgado de “eu já vi este filme antes”. Na verdade, a trama de Lovelace – uma mulher submissa ao marido come o pão que o cabrunco amassou até virar o jogo e mandar o cara catar coquinho na esquina – já foi tão explorada por aí que é quase um subgênero no cinema dos States (a saudosa Farrah Fawcett que o diga, já que os últimos filmes made for TV de sua carreira eram quase todos variações deste tema).

Senão, olha só: a primeira parte da fita nos apresenta a Linda Boreman (Amanda Seyfried), uma “aborrescente” que vive sob a repressão da mãe religiosa (Sharon Stone) e a indiferença do pai (Robert Patrick). Influenciada por uma amiguinha bem vida loka (!), Linda decide dar um basta e sair das asas da família ao conhecer um sujeito chamado Chuck Traynor (Peter Sarsgaard), que a princípio se mostra charmoso e liberal – tanto que é dele a ideia de, mais tarde, por causa de um probleminha que não vou contar aqui (vá ver o filme, ué!), lançar a garota no mercado cinematográfico “alternativo”; sob a tutela do diretor Gerard Damiano (Hank Azaria), Linda Boreman transforma-se em Linda Lovelace e o pequeno filme que estrela torna-se um marco, alçando a menina à posição de “retrato da mulher liberal” e “representante da emancipação feminina”.

Vidinha perfeita? Nem um pouco. Na segunda metade da projeção, Lovelace volta no tempo para cobrir alguns buracos da narrativa e contar a mesma história de um ponto de vista diferente: o da própria Linda. É aí que descobrimos que de moderna e independente a garota não tinha nada. Na verdade, ela sempre foi um saco de pancadas nas mãos do sádico Traynor, que a molestava para sanar dívidas de drogas e não tinha pudores em encher sua fuça de bolacha a qualquer momento, em qualquer lugar – uma cena em especial, quando Traynor usa os dotes de Linda para organizar uma orgia com um grupo de agiotas como pagamento, incomoda bastante. Descobrimos também que sua participação em Garganta Profunda foi forçada, tanto que mais tarde Linda, já ao lado do segundo marido e com o sobrenome Marchiano, assume a faceta de mãe de família e converte-se em uma dedicada ativista anti-pornografia.

E é isso, esta é a trajetória de Linda Lovelace. E nada mais que isso: embora a atriz tenha vivido em uma época que presenciou grandes acontecimentos mundiais e até tenha influenciado indiretamente alguns deles, o único diferencial entre sua vida e a de outras estrelas (como a própria Tina Turner, já citada aqui) é o foco na indústria do pornô – também ele retratado de forma muito mais competente no espetacular Boogie Nights, de Paul Thomas Anderson, de quem Lovelace tenta emular o estilo e o clima o tempo todo (sem sucesso). Para piorar, o roteiro dá um mínimo de atenção à mitologia e a importância de Garganta Profunda, transformando-o em mero coadjuvante. Maior barato, aliás, como algumas raras releituras de cenas de Garganta exibidas em Lovelace são bem diferentes do filme original – não que eu tenha visto, um amigo meu que me contou. :-)

Mas não dá pra dizer também que esta fita, comandada com respeito por Rob Epstein e Jeffrey Friedman, é de todo ruim. Lovelace é igual a muita coisa já lançada por aí, mas tem alguns acertos, e o principal deles é a atuação de Amanda Seyfried – a atriz, que até então não assumiu nenhum papel expressivo em sua carreira e resumia-se apenas em um par de olhos gigantes perdido em Hollywood (!), mostra que tem talento e defende sua Linda com uma sinceridade impressionante. Já Peter Sarsgaard, que sabe ser um excelente ator quando quer, aqui está praticamente a encarnação do Capiroto, de tão maquiavélico e exagerado. Em alguns momentos, parece que o sujeito vai virar para a câmera e soltar uma gargalhada maligna tipo Mum-Rá (!!). Os exageros da atuação de Sarsgaard prejudicam um pouco a narrativa, embora fique muito claro que este é um problema de direção.

Então, Lovelace vale a pena? Bem, é tudo uma questão de ponto de vista. Trata-se de um filme competente e nada mais que isso, que não vai mudar a vida de ninguém e será esquecido três dias depois da sessão, mas para chegar a esta conclusão você precisa assistir com a ideia de que verá apenas um drama sobre um relacionamento conflituoso como muitos por aí. Não espere um tratado definitivo sobre a história da indústria pornográfica, ou mesmo a história da construção do pequeno filminho safado que provocou todo esse auê, porque você vai se frustrar feio – e vamos lá, desculpe por ter nascido, a ideia de conhecer os bastidores dos processos que alçaram Linda Lovelace ao status de mito merecia muito mais um filme do que a vida da própria. Uma pena que não tenha sido assim. Nesse caso, melhor ficar com o Garganta Profunda original, que é muito mais divertido!

Não que eu tenha assistido ou tenha o DVD em casa ou seja presidente do fã-clube, tá? Um amigo meu que me contou. :-D

LOVELACE • EUA • 2013
Direção de Rob Epstein e Jeffrey Friedman • Roteiro de Andy Bellin
Elenco: Amanda Seyfried, Peter Sarsgaard, Sharon Stone, Robert Patrick, Juno Temple, Chris Noth, Bobby Cannavale, Hank Azaria, Adam Brody, Chloë Sevigny, James Franco, Debi Mazar, Wes Bentley.
93 min. • Distribuição: Millennium Films.


Batman: O Seriado dos Anos 60

14/09/2013

Matéria de Cinema – Texto publicado originalmente em A ARCA, em 08/06/2005.

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Todo mundo está careca de saber que o excelentíssimo senhor Joel Schumacher fez a gentileza de zombar da cara do glorioso e atromentado Batman nos cinemas, com aqueles dois trágicos longas-metragens cheios de luzes, cores, plumas, neon e mamilos salientes (!). Até então, beleza. Só que Schumacher não foi o único. Antes disso, mais exatamente em 1966 – 29 anos à frente do terrível ano de 1995, ano de estréia de Batman Eternamente -, um certo produtor de televisão chamado William Dozier também sacaneou o Homem-Morcego ao dar a partida em Batman & Robin, seriado que durou 120 episódios. A diferença entre Dozier e Schumacher é que o primeiro conseguiu o que o segundo jamais conseguirá: gerou um clássico. Hooray! :-D

E de onde surgiu a idéia de um herói ultra-colorido, “barrigudinho” e um fiel ajudante muito… suspeito? O lance veio meio que por acaso. Nos anos 60, a televisão ainda não contava com seriados tão sérios como hoje em dia. Para fazer sucesso, precisava ser um folhetim de ação e aventura, como Perdidos no Espaço e Jornada nas Estrelas, ou então uma comédia para toda a família, como o tenebroso Os Monkees. No início da década sessentista, a rede americana ABC mostrou interesse em trabalhar um seriado protagonizado por um super-herói. A proposta dos executivos da emissora era criar uma série movimentada e ao mesmo tempo cômica, que pudesse atrair tanto crianças quanto adultos.

A idéia de transformar Batman no personagem central de um folhetim surgiu por diversos fatores: William Dozier e seu co-produtor Howie Horvitz queriam um herói popular nos gibis, para que o programa conquistasse esta fatia de público não tão acostumada às “maravilhas” da “caixa de imagens” (os nerds da época). Em 1966, a televisão em cores era uma novidade ainda ausente em alguns lares americanos, e a ideia do programa era justamente explorar este avanço tecnológico para impulsionar a venda do aparato – ideia que caiu como uma luva para os produtores, visto que a proposta consistia em transformar Batman, a série, numa versão fiel da estrutura dos gibis para a TV, como se o seriado fosse nada mais do que uma HQ em movimento. Tudo neste novo programa precisava ser exageradamente tosco.

E por que justo o nosso querido vigilante mascarado? Porque, dentre vários, o personagem era aquele com o custo de direitos autorais mais baixo, portanto, o mais viável financeiramente falando. :-D

Então, o seriado estreou em 12 de Janeiro de 1966, com dois capítulos por semana (geralmente às quartas e quintas-feiras), produzido pela ABC em parceria com a 20th Century Fox e estrelado pelos desconhecidos Adam West e Burt Ward como Batman e Robin, o menino-prodígio, respectivamente. Enquanto o primeiro, um desconhecido ator profissional, era a primeira escolha de Dozier para o papel, o segundo, um mero estudante com conhecimento em dramaturgia zero, foi escolhido por suas habilidades como lutador de artes marciais e também pela incrível semelhança com o Robin dos quadrinhos.

A estrutura de Batman era mais do que simples: Batman e Robin estavam sempre prontos para livrar Gotham City de seus vilões malucos, que geralmente revezavam-se nos episódios. Ao final do primeiro capítulo da semana, os dois sempre acabavam em alguma mirabolante armadilha do meliante da vez e, tentando escapar, surgia a narração do próprio Dozier: “Será que este é o fim de nossos heróis?”. Tudo isto era apenas um gancho para, no início do capítulo seguinte, a dupla dinâmica conseguir se safar no último segundo.

Se por um lado os mocinhos eram ilustres desconhecidos, a galeria de vilões era composta de atores consagradíssimos no cinema. Não à toa, os bandidos que eram a verdadeira alma de Batman, fundamentais para o sucesso da série; se comparados a eles, os heróis não tinham um traço de carisma. Atores e atrizes, visando popularidade entre o público ianque, disputavam uma participação no seriado a tapa, o que fez com que a Fox gerasse um sem fim de hilários personagens coadjuvantes. Gente do porte de Jerry Lewis, Vincent Price e até mesmo o mestre Bruce Lee já deram as caras na Gotham City dos anos 60.

Pouco antes da estréia do seriado, a tensão era grande, visto que Batman, ao ser exibido para um reduzido círculo de “cobaias”, recebeu a pior avaliação de teste de audiência até então. Na verdade, a série só foi ao ar porque muito dinheiro tinha sido investido nela. Ironicamente, Batman estourou de uma maneira inesperada na telinha, tornando-se uma das dez maiores audiências em 1966, mantendo-se no ar por três anos e sendo repetido à exaustão até hoje. Só pra se ter uma idéia, em suas primeiras semanas, de cada 100 televisores dos States, pelo menos 49 sintonizavam o programa do Homem-Morcego. Quase tão popular quanto os paredões dos Big Brothers da vida… :-P

Mas nem tudo eram flores na vida do vigilante mascarado. A série enfrentou graves problemas: boa parte dos fãs de HQs inicialmente torceram o nariz e acusaram a ABC de suavizar o conteúdo do gibi, tornando-o kitsch demais e com doses cavalares do “politicamente correto” que decididamente não fazia parte da HQ. Tanto que, depois do cancelamento do seriado, as revistas adotaram uma estética dark e muito macabra para o personagem, na tentativa de apagar a imagem “feliz” do paladino das telinhas.

Outro problema envolvia a convivência entre Adam West e Burt Ward. West, notório por sua arrogância, não suportava o sucesso que Ward fazia entre as adolescentes, e muitas vezes atropelava o garoto nos diálogos, interrompendo suas falas. West tinha também a mania de falar pausadamente, para ficar mais tempo em cena. Ward, por sua vez, corria em suas falas para tentar não ser cortado. O mais ridículo é que estas cenas sempre iam ao ar, já que a política da Fox era economizar. Logo, as sequências com falhas jamais eram refeitas. Mais ou menos nesta época, Ward gerou mais dores-de-cabeça ao estúdio quando resolveu reivindicar um salário maior (seu cachê era o mais baixo de toda a equipe).

Os gastos da produção também eram preocupantes. Batman foi até então o seriado de maior custo da televisão; seus episódios chegavam freqüentemente ao valor de US$ 75 mil, um absurdo na época. Por maior que fosse o ibope do programa, este valor nunca se pagava. Boa parte desta grana era investida nos magníficos cenários da série: só a batcaverna era recheada de elementos ultra-modernos, além do famoso “estacionamento circular” do batmóvel, que facilitava bastante na hora de atender algum chamado do Comissário Gordon e do Chefe O’Hara – afinal, o cara não podia perder tempo fazendo balisa! O batmóvel, aliás, tinha cinco réplicas idênticas de reserva. Sem contar o batcóptero, a batmoto (com um providencial sidecar para o Menino-Prodígio), a batlancha, os bat-trecos personalizados… Nada disto poderia faltar.

A maior pedra no sapato de Batman, contudo, é a tal suposta homossexualidade dos dois, ahn, “parceiros”. A suspeita de que o Homem-Morcego e o Menino Prodígio eram mais do que apenas “bons amigos” até conseguia ser disfarçada nos gibis, mas ganhou um impulso aterrador com a atmosfera colorida da série. Para amenizar a situação, os produtores inseriram personagens inexistentes no universo das HQs, como a infame Tia Harriett, e geraram interesses românticos para o herói, como a Mulher-Gato – descartada por ser uma vilã, logo, um péssimo exemplo para a sociedade puritana dos States. De nada adiantou, porque a reputação dos dois ficou manchada do mesmo jeito.

Pra tirar de uma vez a noite de sono dos executivos da Fox, a censura da época atazanou os produtores por conta de um detalhe no mínimo bizarro: o volume na sunga do Robin (esta é a parte em que eu tento conter os risos). O que acontece: diz a lenda que Burt Ward era um sujeito, digamos, “avantajado” (!), e a sunga não conseguia disfarçar este “pequeno” detalhe. Mesmo com duas sungas, o volume ainda estava lá. O estúdio chegou ao cúmulo de enviar Burt Ward a um médico “especializado”, para que pudesse tomar pílulas para diminuir o tamanho dos órgãos genitais (!!!). Para que os censores não incomodassem mais, a Fox decidiu filmar Robin somente em plano americano, ou seja, da cintura para cima… Pois é, naquele tempo não tinha CGI para apagar, er, o lance todo. :-P

Todos os percalços não impediram que Batman construísse uma sólida e bem-sucedida carreira em termos de público na TV. A glória do seriado só começou a cair entre o final de 1967 e o início de 1968, quando os espectadores inexplicavelmente perderam o interesse nas aventuras do Homem-Morcego. A duração dos episódios, de 50 minutos, foi cortada pela metade. A direção do seriado chegou até a acrescentar mais uma integrante ao batgrupo, a valente Batgirl (com a intenção de atrair a parcela masculina), mas nem a garota, interpretada por Yvonne Craig, conseguiu salvar o programa do marasmo total.

A série foi cancelada de vez em Maio de 68, quando a Fox acatou à decisão de interromper a produção de novos capítulos para reprisar os primeiros episódios, na tentativa de obter algum lucro em cima do investimento. Nem mesmo o lançamento do longa-metragem Batman & Robin: a Dupla Dinâmica, de 1966, dirigido por Leslie H. Martinson e protagonizado pelos mesmos atores do seriado, conseguiu reconquistar a audiência.

Falhas, problemas, exageros e tosqueiras à parte, ninguém pode negar que Batman entrou para a história como um marco da televisão e da juventude de muita gente. Afinal, aqueles que puderam acompanhar o seriado na transmissão original ou em suas reprises jamais conseguirão esquecer a maravilhosa música-tema composta por Neal Hefti, ou as hilariantes onomatopéias que surgiam na telinha quando Batman e Robin partiam para a pancadaria com os capangas dos vilões – SMASH! POW! BIFF! SOC! POOF! CRASH! BOING! UFFF! ZAPP! KAPOW! -, ou o simples mas funcional chavão do Menino Prodígio – santa tolice, Batman! – ou até mesmo a narração final, quando aquela voz estridente anunciava “não perca mais um bat-capítulo, neste mesmo bat-horário, neste mesmo bat-canal!”. Alegre, politicamente correto e visualmente colorido e bizarro demais? Sim, pode ser. Mas sou obrigado a dizer que, por mais que esteja realmente muito empolgado com a chegada do Cavaleiro das Trevas de Christopher Nolan, não troco as bat-aventuras bat-inocentes e bat-bobinhas do Batman gordinho de 1966 por nada. :-D

A GALERIA DOS MOCINHOS

Bruce Wayne/Batman (Adam West) era o cúmulo do “bom-mocismo”. Correto até a medula-óssea, coisas como matar um vilão jamais passaria pela sua cabeça. Adam West, hoje com 77 anos, trabalhou bastante depois do seriado, mas em filmes para a TV. Participou como ele mesmo de um telefilme inspirado nos bastidores do programa, De Volta à Batcaverna, ao lado de Burt Ward, em 2003. Ainda aparece em algumas pontas em filmes, e atualmente dubla um personagem na série animada The Batman, além de ter um papel na esperada animação Chicken Little.

Dick Grayson/Robin (Burt Ward) foi adotado pelo playboy Bruce Wayne e se tornou motivo de chacota. Só servia mesmo pra se meter em encrencas, e não fazia muito além de atrapalhar, mesmo que sem querer, os affairs de Bruce com a Mulher-Gato. Burt Ward tem 60 anos e não atuou muito depois da série. Em 1977, participou com Adam West do telefilme Legends of Super Heroes, inédito por aqui. Atualmente é dono de uma pequena imobiliária, e ainda participa de um trabalho ou outro no cinema. Não fez nada significativo como ator além de Robin.

Barbara Gordon/Batgirl (Yvonne Craig) surgiu para elevar a audiência do seriado, coisa que não aconteceu. A bibliotecária Barbara Gordon, filha do comissário Gordon, tinha um esconderijo secreto atrás de sua própria penteadeira, de onde saía como Batgirl em sua bat-lambreta (é sério!), para dar uma ajudinha aos dois paladinos da justiça quando a coisa apertava… Yvonne Craig, com 68 anos, quase não atuou depois do seriado. É presença constante em convenções do Batman.

Alfred Pennyworth (Alan Napier), fiel mordomo de Bruce Wayne, era o único que conhecia a verdadeira identidade de Batman e Robin. E também da Batgirl, coisa que nem o Homem-Morcego sabia – o que prova que Alfred era realmente o homem digno de confiança que Bruce tanto alardeava. O personagem, morto nos gibis na época do lançamento do seriado, foi ressuscitado nas HQs devido ao sucesso de seu intérprete. Nascido em 1903, o inglês Alan Napier atuou em mais de 40 séries de TV e cerca de 95 filmes desde 1930. Faleceu em Agosto de 1988, um ano antes da estréia do Batman de Tim Burton.

Tia Harriett Cooper (Madge Blake) não existia nas HQs, e foi incorporada ao seriado para quebrar um pouco do falatório envolvendo a, er, “união” do morcegão com Robin. Ao contrário de Alfred, Harriett, tia de Dick Grayson, jamais desconfiou da identidade secreta da dupla. Madge Blake nasceu em 1899 e faleceu em 1969, pouco antes de completar 70 anos, de ataque do coração. Sua saúde debilitada a afastou do seriado em 1967. Blake era uma conhecida comediante dos anos 50, tendo atuado inclusive no clássico musical Cantando na Chuva, de Gene Kelly e Stanley Donen.

Comissário James Gordon (Neil Hamilton) tinha uma única função em Batman: acionar o herói em qualquer emergência, através do bat-sinal, o que era raríssimo, ou pelo bat-fone. Gordon nunca corria atrás dos bandidos! Neil Hamilton, também nascido em 1899, era um veterano do cinema mudo, e integrou o elenco de obras-primas como Beau Geste e O Grande Gatsby. A série representou um de seus últimos trabalhos, e reza a lenda que o ator levava seu papel tão a sério que saía na mão com qualquer um que afirmasse que Batman era “uma série cômica”. Ué, mas não era? Hamilton faleceu em 1984.

Chefe O’Hara (Stafford Repp) era dono de uma função ainda mais “importante” que o Comissário Gordon. Seu trabalho consistia em ficar parado, em pé, ao lado do Comissário, pra fazer comentários engraçadinhos e aleatórios quando Batman surgia no recinto. Especialista em séries de televisão, o semi-desconhecido Stafford Repp fazia praticamente o mesmo papel em todas elas: o alívio cômico. Nasceu em 1918 e morreu em 1974.

OS VILÕES ESPECIALMENTE CONVIDADOS

Coringa/The Joker (Cesar Romero) deu as caras em 19 episódios da série. Romero (1907-1994), filho de cubanos, ganhou fama na Hollywood dos anos 30 e 40 interpretando latin lovers, e atuou em mais de 110 filmes, dentre eles a primeira versão de Onze Homens e um Segredo. A única exigência de Romero ao participar do seriado era que ninguém ousasse fazê-lo raspar seu conceituado bigode, conhecido como sua marca registrada. A maquiagem até tenta cobrir, mas em certos momentos não consegue… :-D

Pingüim/The Pengüin (Burgess Meredith) atazanou o Batman em 20 episódios. A risada maquiavélica e o tom de voz do personagem era nada mais do que a resposta natural de Meredith ao cigarro: Pingüim fumava praticamente o tempo todo, e Meredith era não-fumante. O ator, nascido em 1907 e falecido em 1997, é um dos nomes mais festejados do cinema dos anos 50 e 60, e deu as caras em muitas produções de sucesso. Atuou em mais de 100 longas e seriados, e é dono de duas indicações ao Oscar, em 75 e 76 – esta última, por Rocky, um Lutador. Meredith, que foi casado com Paulette Goddard (ex-esposa de Charles Chaplin), era a segunda escolha para o papel de Pingüim. A primeira, Spencer Tracy, só aceitaria o papel caso o Pingüim assassinasse o Batman no final da série!

Mulher-Gato/Catwoman (Julie Newmar) apareceu em 13 episódios no corpo desta atriz. A personagem também apareceu como Eartha Kitt (a primeira Mulher-Gato negra da história, em 3 capítulos) e Lee Meriwether (no longa-metragem). A ladra felina não era tãããão vilã assim, e preocupava-se muito mais em tentar dar um créu no Homem-Morcego. Ele até cedia algumas vezes, porém Robin sempre aparecia para atrapalhar tudo… Newmar, atualmente com 72 anos, não realizou nenhum trabalho tão significativo quanto Batman, mas a série já foi o suficiente para transformá-la num ícone dos anos 60, especialmente entre os gays. Tanto que ganhou uma homenagem na comédia Para Wong Foo, Obrigada por Tudo! Julie Newmar, com Patrick Swayze, John Leguizamo e Wesley Snipes interpretando drag-queens.

Charada/The Riddler (Frank Gorshin) marcou presença em 10 episódios. O meliante, que foi vivido apenas duas vezes por John Astin (graças a Deus), tinha como objetivo derrotar o Morcegão com suas charadas infames, sempre sem sucesso. Gorshin, nascido em 1933 e falecido recentemente, construiu uma sólida carreira em filmes independentes, chegando até a trabalhar com o conceituadíssimo cineasta Guy Maddin. A última aparicão importante do ator foi no ótimo Os 12 Macacos, do insano ex-Monty Python Terry Gilliam.

O Cabeça de Ovo/Egghead (Vincent Price), que apareceu em 7 capítulos, não tinha um passado definido, acho. E só deve ser lembrado mesmo por ter sido interpretado pelo grande Vincent Price (1911-1993), gênio que dispensa maiores comentários) que, por sinal, odiava ter que usar a maquiagem do bandidão. Ou você confiaria num vilão cuja única característica é usar uma variedade de armas, bombas e armadilhas feitas com ovos? :-P

Rei Tut/King Tut (Victor Buono) deu as caras em 10 episódios da série. Tut era um professor universitário de arqueologia, que sofreu um acidente e perdeu a memória. Com isso, passou a acreditar que era um antigo rei egípcio. Victor Buono (1938-1982) fez muito sucesso em Hollywood nos anos 50, e deu vida a um papel chave do longa-metragem dramático quase de horror O Que Terá Acontecido a Baby Jane?. Vale lembrar que o Rei Tut seria originalmente interpretado por ninguém menos que o carecão ferradaço Yul Brynner, de Westworld: Onde Ninguém Tem Alma.

Sr. Frio/Mr. Freeze (George Sanders, Eli Wallach e Otto Preminger) queria congelar Gotham City de qualquer maneira. Para isto, contou com três atores diferentes: George Sanders (em 2 capítulos), Eli Wallach (2 vezes também) e o cineasta Otto Preminger (2 episódios). Este último, assim como o saudoso Richard Harris em Harry Potter, só topou participar da brincadeira pra fazer um agradinho às netas…

OUTROS VILÕES MENORES ESPECIALMENTE CONVIDADOS

O Chapeleiro Louco/Mad Hatter (David Wayne) • O Menestrel/The Minstrel (Van Johnson) • O Arqueiro/The Archer (Art Carney) • Minerva (Zsa Zsa Gabor) • Louie, o Lilás/Louie the Lilac (Milton Berle) • O Rei Relógio/Clock King (Walter Slezak) • A Viúva Negra/Black Widow (Tallulah Bankhead) • Márcia, a Rainha dos Diamantes/Marsha (Carolyn Jones) • Zelda, a mágica (Anne Baxter) • Olga, a Rainha dos Cossacos (Anne Baxter também).

CURIOSIDADES:

• Dizem que Bob Kane não gostou nada do resultado do seriado. Mas ficou de bico calado pois, gostando ou não do que os produtores da Fox e da ABC fizeram com o Homem-Morcego, a série elevou consideravelmente a venda dos gibis do herói.

• A grande maioria dos astros de cinema e TV da época ansiavam por uma participação em Batman. Como não haviam tantos vilões assim para encaixar os atores e atrizes, a solução foi colocá-los como eles mesmos em pequenas pontas. Exemplo: sempre que Batman e Robin precisavam subir em algum prédio, nunca usavam portas, escadas ou elevadores. A dupla dinâmica laçava a bat-corda no topo do edifício, para poder escalá-lo (!). Durante a escalada, uma janela do prédio sempre se abria e um astro hollywodiano dava um alôzinho aos dois…

• No seriado, os vilões raramente se cruzavam. Já no longa-metragem, o roteirista Lorenzo Semple Jr. decidiu unir num único plano os quatro mais importantes arqui-inimigos do vigilante noturno: Coringa, Mulher-Gato, Charada e Pingüim. Este último era o personagem mais popular de toda a série; tanto que os produtores sempre tinham um roteiro pronto para o Pingüim, caso Burgess Meredith estivesse ocasionalmente em Los Angeles e tivesse um tempinho para filmar.

• A gargalhada maníaca de Frank Gorshin no seriado foi copiada do personagem Tommy Udo, interpretado pelo aterrorizante Richard Widmark no clássico noir O Beijo da Morte, de 1947. Este mesmo filme ganhou uma refilmagem em 1995, com Nicolas Cage e Samuel L. Jackson.

• A clássica cena em que o Batmóvel sai da batcaverna à toda (que, por sinal, era sempre a mesma cena, por mais que fosse exaustivamente usada) foi filmada numa caverna em Hollywood Hills, com o carro a menos de 15km/h. Isto, porque a largura da saída da batcaverna era muito estreita, e havia o sério risco de o carro sair danificado. A seqüência foi rodada em câmera lenta e acelerada na sala de montagem para causar o efeito que vemos na tela.

• A frase “Santa (…)”, proferida por Robin, ganhou exatamente 352 variações durante toda a série. 84 foi o número total de onomatopéias usadas nas cenas de luta.

• O Batmóvel não tinha cintos de segurança. Sim, os censores encrencaram com isso. Os produtores escaparam do crivo da organização, depois de alegar que Batman e Robin colocavam os cintos rapidamente assim que “pulavam” para dentro do carro. Segundo a produção, a tal cena existia, mas ficou na sala de montagem. Nossa. Além de puritanos e hipócritas, os censores ainda eram burros.

• Eu tenho medo do Cabeça de Ovo.

BATMAN: O SERIADO DOS ANOS 60
Matéria publicada originalmente em A ARCA, em 08/06/2005
Complemento do especial para a estréia do longa-metragem BATMAN BEGINS.


Madrugada dos Mortos

14/09/2013

Matéria de Cinema – Texto publicado originalmente em A ARCA, em 21/07/2005.

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…ou: ENQUANTO NÃO HOUVER ESPAÇO NO INFERNO…

“…Os mortos caminharão sobre a Terra”. Enquanto A Noite dos Mortos-Vivos de 1990 manteve-se fiel aos conceitos básicos do subgênero zombie fundado por George Romero, o recente Madrugada dos Mortos (Dawn of the Dead, 2004), refilmagem de O Despertar dos Mortos, deu uma bela recauchutada em alguns aspectos “históricos”. A mudança mais marcante, claro, foi a transformação pelo qual os mortos-vivos passam: aqui, não há a lerdeza característica destes filmes. Aqui, há uma horda de cadáveres ambulantes vorazes, sedentos por sangue… e totalmente velozes! Sim, os caras correm tão ou até mais rápido que os humanos. Medo! A princípio, todo mundo chiou. Mas a mudança foi para melhor, e as criaturas estão mais assustadoras que nunca.

O enredo original também sofreu metamorfoses, e não foi uma ou outra como com A Noite. Nesta nova versão, um grupo até numeroso de sobreviventes encontra em um shopping-center de Wisconsin o lugar ideal para esconder-se dos mortos, que voltaram à vida e caminham (ops, correm) pela cidade em busca de comida. Assim como em O Despertar dos Mortos, o grupo, liderado por Michael (Jake Weber) e Ana (Sarah Polley), encanta-se com a possibilidade de poder usufruir do que há de melhor no shopping, e sem pagar nada. Há também os conflitos internos, característica bastante marcante nos filmes de Romero. Mas a crítica mordaz à sociedade consumista e materialista ficou para trás. Nada de muita profundidade, o esquema aqui é apenas terror. E tome cenas violentíssimas, além do surgimento de um, pasmem, bebê-zumbi!

Certamente o mais ambicioso da saga, o claustrofóbico Madrugada dos Mortos, cuja distribuição ficou nas mãos da Universal (a mesma de Terra dos Mortos), custou a bagatela de US$ 28 milhões, rendendo US$ 60 milhões só em bilheterias ianques. Merecidamente, diga-se de passagem!

DAWN OF THE DEAD • EUA • 2004
Direção de Zack Snyder • Roteiro de James Gunn
Baseado no roteiro de Dawn of the Dead (1978), escrito por George A. Romero
Elenco: Sarah Polley, Ving Rhames, Jake Weber, Ty Burrell, Mekhi Phifer, Michael Kelly, Kevin Zegers, Lindy Booth.
101 min. • Distribuição: Universal Pictures.

GEORGE A. ROMERO E A TRILOGIA DOS MORTOS
Matéria publicada originalmente em A ARCA, em 21/07/2005
Complemento do especial para a estréia do longa-metragem TERRA DOS MORTOS (Land of the Dead).


A Filha do Meu Melhor Amigo

09/09/2013

Crítica de Cinema – Texto publicado originalmente no JUDÃO, em 06/09/2013.

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Olha, eu tô parecendo a Jennifer Lopez naquele filmeco em que ela apanha do marido, Nunca Mais: não adiantou nada mudar de nome, mudar de cidade, tentar apagar os vestígios do passado, que o karma se manifestou e o destino mais uma vez bateu à minha porta. Pois é, com apenas uma semana de retorno oficial às atividades de resenhas aqui no Judão, e depois de me enganar com um belo presente de boas-vindas (o excelente Frances Ha – se você ainda não viu, corre para o cinema!), o Borbs me aparece com um filme RUIM. Eu sabia, EU SABIA! E se você não entendeu nada deste primeiro parágrafo, porque há alguns anos atrás estava muito ocupado tendo vida social longe da Internet (hehehe), manda um e-mail para cá e pergunta para o Borbs ou para o Thiago Cardim o que é A-ARCA. Você vai entender. :-)

Tá bom vai, não vamos exagerar. Este A Filha do Meu Melhor Amigo (The Oranges, 2011) não chega a ser exatamente horroroso, pavoroso e afins. Definitivamente não vai lhe causar desejos sinceros de se atirar na frente do primeiro caminhão que porventura estiver passando na rua (!). O problema é que esta comediazinha dramática, que chega aos nossos cinemas com um pouquinho só de atraso com relação à sua estréia gringa, em Outubro de 2012 (o que são onze meses, né?), é tão ausente de atrativos e tão igual a milhares de outras produções deste gênero, que não sei nem o que dizer sem parecer repetitivo. Na falta de uma palavra melhor, digamos que trata-se de uma produção bem incompetente.

Quando digo “incompetente”, quero dizer que A Filha do Meu Melhor Amigo não serve nem pra deixar a gente com raiva. Esta fita, dirigida no piloto automático por um certo Julian Farino (quem?), não desperta nada no espectador além de indiferença. Não cativa, não emociona, não diverte, não faz com que o público simpatize com seus personagens, não faz rir, não faz chorar. Não traz nenhuma inovação ao gênero, não apresenta nenhum bom trabalho de ator, e sua história é tão previsível quanto final de novela das oito. E ainda por cima, quer fazer polêmica com um tema central bem ultrapassado: um romance entre uma garota de vinte e poucos anos e um sujeito com idade para ser seu pai. Isto é polêmica? Este filme foi escrito nos anos 60, é isso?

O curioso é imaginar o que motivou os executivos de estúdio a investir nesta produção. A Filha do Meu Melhor Amigo não é um projeto com potencial que se perdeu no meio do caminho: o roteiro dos semi-estreantes Ian Helfer e Jay Reiss é extremamente burocrático e segue com rigor os parâmetros do subgênero “filmes com famílias perfeitas-porém-disfuncionais que reúnem-se no Dia de Ação de Graças e/ou Natal para lavar roupa suja e descobrir com o espírito natalino que não há nada melhor do que família”, não trazendo nada de novidade para justificar o investimento. E o público respondeu à altura, já que nos EUA, esta fita fechou seu caixa com uma miséria de 370.000 dólares em ingressos… e ainda demorou quase um ano para chegar a outros países… vai entender.

Senão, olha só a trama: no subúrbio de Nova Jersey, duas famílias convivem harmoniosamente. De um lado, o casal formado pelo desligado Terry (Oliver Platt) e Cathy Ostroff (Allison Janney). Do outro, David (Hugh Laurie) e Paige Walling (Catherine Keener). Com os filhos espalhados pelo mundo, exceto a estranha Vanessa (Alia Shawkat), a filha adulta dos Walling que ainda não saiu debaixo da saia da mãe – e que também serve de narradora e ponto focal do filme -, os dois casais saem juntos, jantam juntos e são grandes amigos. Cada um com suas particularidades: Cathy passa os dias ignorando o marido Terry, que é um babacão cheio de manias; e Paige, obcecada por Natal (!) e regente do coral da vizinhança, já não sente mais muita afinidade por David que, embora incomodado com a situação, já se conformou em dormir ocasionalmente no sofá. Ô dó.

A paz reina na vizinhança até a chegada da problemática rebenta dos Ostroff, a descolada e maluquinha Nina (Leighton Meester), que passou alguns anos longe e voltou ao lar para o feriado de Ação de Graças – na verdade, ela só saiu de NY e voltou para “aquele fim de mundo” por uma razão: fugir da humilhação que passou por conta do vistoso galho que recebeu na cabeça como presente do (agora ex) noivo. Enfim, a menina volta para casa e, embora sofra a insistência da mãe para se atirar nos braços do bem-sucedido executivo Toby (Adam Brody), o primogênito dos Walling, ela resolve provocar o caos ao começar a namorar… o pai dele, David. Pequeno detalhe este que desperta a fúria do dragão em Vanessa, que já não era muito fã de Nina desde os tempos de escola, e azeda o relacionamento entre os dois clãs. Mas é claro que o romancezinho do novo casal acenderá algumas “chamas” apagadas em todos os envolvidos, fazendo-os redescobrir os pequenos prazeres da vida…

Interessante o tema, né? Tão interessante que eu até acho qzzzzz… zzzzz… zzzzz…

Pois bem, vamos ao que interessa. Não dá pra entender por que raios ainda perdemos tempo com películas assim, previsíveis até a medula. Todo final de ano aparece meia dúzia de produções idênticas a esta e, na boa, elas nem dizem tanto ao nosso público, visto que nem mesmo temos um Dia de Ação de Graças e nossos costumes “natalinos” são tão diferentes dos costumes dos estadunidenses. Aliás, uma pergunta sem resposta: por qual motivo a distribuidora resolveu lançar este longa nos cinemas, um ano depois de sua estréia (e fracasso) lá fora, e ainda alguns meses longe do Natal? Mistério. Enfim, antes estes fossem os grandes problemas aqui…

Então vamos a eles, os problemas: além da já citada previsibilidade do roteiro e a direção por correspondência, temos em A Filha do Meu Melhor Amigo um caso complicado de “elenco mal aproveitado”. A escolha dos atores é bem equivocada, não pela falta de talento deles – pô, temos aqui no meio Catherine Keener (Quero Ser John Malkovich) e Allison Janney (Beleza Americana), duas excelentes atrizes – mas pela falta de entrosamento. Simplesmente não combinaram. O quarteto de atores veteranos não convence em momento algum e alguns parecem até bastante deslocados, como se tivessem topado participar do filme apenas para pagar algumas contas atrasadas, como é o caso de Oliver Platt (de X-Men: Primeira Classe), um sujeito bem divertido quando bem dirigido. Aqui, em dados momentos, sua performance chega a irritar profundamente.

O caso mais cruel, contudo, é o do casalzinho Hugh Laurie e Leighton Meester. Laurie, já uma lenda na TV por conta de seu trabalho no seriado House, até tenta se virar um pouco. Já Meester, estrela de Gossip Girl, é uma autêntica adepta do método-Kristen-Stewart-de-interpretação (!): seu conceito de emoção resume-se a um sorrisinho bizarro e uma mesma expressão sempre. Sério, ela leva um chifre e faz a mesma cara; encontra o amor de sua vida, faz a mesma cara; discute com os pais e sofre por isso, e faz a mesma cara. Afe! Um doce para quem descobrir onde está a sintonia entre os dois atores, eleitos desde já como o casal mais FAIL do ano. E nem vou comentar sobre a péssima “atuação” da tenebrosa Alia Shawkat, mais conhecida da galera por seu papel em Arrested Development, que provavelmente saiu da fenda no Pacífico junto com os monstrengos de Círculo de Fogo.

Pois é, acho que deu pra entender. Num saldo geral, A Filha do Meu Melhor Amigo é uma sucessão de equívocos que nada acrescenta ao espectador. Quando você sai da sala de cinema, só consegue pensar a) pra quê?, e b) o que eu poderia ter feito de mais relevante nesta uma hora e meia que perdi da minha vida e que nunca mais vai voltar?. Três horas depois, nem lembra mais que assistiu.

E… a quem estou querendo enganar? Isso aqui é RUIM mesmo! Recomendação? Faça o mesmo que a Jennifer Lopez fez no filme em que apanha do marido, e o mesmo que eu provavelmente farei caso o Borbs apareça com mais um filmeco para resenhar: FUJA. :-)

THE ORANGES • EUA • 2011
Direção de Julian Farino • Roteiro de Ian Helfer e Jay Reiss
Elenco: Hugh Laurie, Leighton Meester, Catherine Keener, Oliver Platt, Allison Janney, Alia Shawkat, Adam Brody
90 min. • Distribuição: Imagem Filmes.


Uma Noite no Museu

09/09/2013

Crítica de Cinema – Texto publicado originalmente em A ARCA, em 06/01/2007.

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Ocasionalmente, pinta na minha caixa de e-mails uma mensagem de algum leitor empolgadíssimo com a ideia de cursar uma faculdade de jornalismo e trabalhar em um veículo qualquer especializado em cultura pop resenhando filmes. O que sempre tento explicar a estes malucos leitores é que, assim como qualquer profissão, ser um crítico de cinema tem seus prós e contras. Se por um lado é deveras empolgante a possibilidade de ver uma série de fitas antes de todo mundo (a pirataria traz esta alternativa ao alcance de todos, mas sabemos que não é a mesma coisa), por outro lado você é literalmente forçado a ver TUDO, inclusive aqueles troços da qual quer distância. Experiência própria, tá? :-D

O problema maior, entretanto, é que é quase inevitável enxergar qualquer filme que se assista, mesmo nas “horas de folga”, com um insuportável olhar crítico – e esta visão centrada no cinema enquanto “técnica” pode destruir aquilo que deveria (ou pelo menos poderia) ser divertido. Este é um detalhe absolutamente empírico que, acredite, nenhuma faculdade te ensinará. :-)

Vejamos, por exemplo, o caso de Uma Noite no Museu (A Night at the Museum, 2006). Se você esteve no planeta Terra nos últimos seis meses, com certeza já viu aquele teaser-trailer em que um atrapalhado vigia vivido por Ben Stiller caminha pelas dependências de um museu e dá de cara com um esqueleto de Tiranossauro Rex, vivinho da silva, bebendo água em um bebedouro. Bem, só este pequeno teaser já denuncia que não estamos falando de nenhum pretenso clássico da sétima arte, e sim de um blockbuster fabricado com o único intento de segurar e entreter a molecada durante uma hora e meia no escurinho do cinema. Filmes desta “categoria” não tem pretensões de ser lembrados por toda a eternidade; eles só querem servir de passatempo fast-food. E encarando desta forma, Uma Noite no Museu até que cumpre um pouco do prometido.

Aí é que está a questão: a película é divertida, traz algumas piadas legais e, se você vai ao cinema acompanhado de um bando de crianças e adolescentes só pra passar o tempo e esquecer do mundo, você sai com uma agradável sensação de dinheiro bem gasto. Isto é fato. Mas se parar para prestar atenção em QUALQUER COISA além dos efeitos visuais corretos e das piadinhas bobinhas… então já era: você perceberá que Uma Noite no Museu é, na verdade, ruinzinho que só. É mal dirigido, mal interpretado, a história é incoerente até mesmo para um filme de fantasia e os mais escolados não precisarão de mais de 10 minutos de projeção para matar a trama inteira. O curioso é que, na sessão de imprensa, fui acompanhado pelos excelentíssimos senhores Machine Boy e Benício, que estavam lá sem a menor obrigação de escrever uma resenha; e durante a projeção, quando eu olhava para os lados e via os dois sujeitos caindo na gargalhada, só conseguia pensar: Céus, quais substâncias químicas ilegais estes caras ingeriram antes de vir pra cá?. Pois é, ver isso aqui como crítico é um trabalho homérico, pode acreditar. :-P

Então, eis uma pergunta cabível: é justo descer o sarrafo em uma produção que, mesmo lotada de erros, é bem-sucedida em sua proposta mais importante, a de ser um passatempo totalmente efêmero e despreocupado? Na dúvida, como esta é a minha função e recebo meu suado punhadinho de moedas ao final do mês justamente para apontar as coisas boas e ruins… desculpe, é justo sim. E não, não vou ficar com o menor peso na consciência.

O que acontece é que não adianta querer fugir de uma realidade incontestável: os tempos são outros. Os filmes infanto-juvenis não são mais bobinhos como antigamente. Hoje, graças a produções como os geniais longas da Pixar, só para citar um exemplo, o nível de inteligência das produções voltadas a este público subiu consideravelmente. Não à toa, muitas destas produções conseguem transcender seus rótulos e agradar a espectadores de quaisquer idades. A exigência do público-mirim também está mais, na falta de uma palavra melhor, “sofisticada”, e ser apenas um blockbuster já não é mais desculpa para que os grandes estúdios tentem fazer o povo engolir qualquer historinha ralé.

É exatamente neste ponto que Uma Noite no Museu peca, e peca feio. O péssimo trabalho de direção de Shawn Levy (o mesmo de A Pantera Cor de Rosa, o que explica tudo) parece não se preocupar em dar um pouco de consistência ao roteiro e deixa tudo tão superficial que grande parte das boas sacadas perdem-se na banalidade da trama. Quando o certo é usar os efeitos visuais como um instrumento para ajudar a contar a história, o que acontece em Uma Noite no Museu é que a história é mera desculpa para o uso dos efeitos visuais. E para não ter muito trabalho na elaboração da estrutura narrativa, as tentativas de roteiristas Robert Ben Garant e Thomas Lennon (os mesmos de Táxi, o que explica tudo) copiaram passo-a-passo a cartilha do subgênero “filmes para a família” – o que inclui todos os pavorosíssimos clichês do gênero.

É aquilo: o pai fracassado quer o amor do filho, daí envolve-se em uma série de eventos extraordinários que lhe causarão muita confusão e, depois, estes mesmos eventos o ajudarão a se tornar o pai bacanudo que o menino sempre quis ter e tudo acaba em festa com todos os personagens, inclusive o núcleo de vilões, brincando de High School Musical e dançando alguma música pop do momento. Dói, né? Raso como um pires.

Digamos, portanto, que Uma Noite no Museu tinha tudo para ser lembrado com carinho pelos nerds de um futuro próximo, assim como nós, nerds de hoje, nos lembramos com carinho de clássicos dos filmes-pipoca dos anos 80, como as excelentes primeiras produções de Steven Spielberg e Robert Zemeckis. Mas é óbvio que, para alcançar este estágio, esta nova fita precisava de um diretor competente, um roteiro mais trabalhadinho…

Então, na trama, temos um tal Larry Daley (Stiller, mais canastrão do que nunca), que não consegue parar em emprego algum e sonha em, um dia, enriquecer com seu “fabuloso” invento: lâmpadas que acendem e apagam com um estalar de dedos (!?). Quando Larry, que é separado, percebe que seu filho Nick (Jake Cherry, mais uma criança sem talento perdida em Hollywood) dá mais atenção ao novo e muito bem-sucedido namorado de sua mãe (Paul Rudd), é dominado pelo ciúme, toma vergonha na cara e arruma um trampo fixo como vigia noturno no Museu de História Natural de Nova York, substituindo os caquéticos vigias anteriores, o carismático Cecil (Dick Van Dyke), o raivoso Gus (Mickey Rooney) e o caladão Reginald (Bill Cobbs), indivíduos que, juntos, devem somar pelo menos 752 anos de vida (!). Enfim, em seu primeiro dia de trabalho, Cecil dá a Larry um valioso conselho: durante a noite, nunca deixe nada entrar no museu… ou sair dele.

Claro que Larry não entende nada a princípio. Mas quando as portas do museu se fecham aos poucos visitantes, tudo fica claro. O caso é que, à noite, todas as estátuas de personalidades, todos os animais de cera e todas as lendárias esculturas ganham vida – graças a uma placa dourada que é uma espécie de “pergaminho mágico” que pertence à múmia do Faraó Ahkmenrah (Rami Malek), trancado em um sarcófago dentro do museu e louquinho para se libertar. E para sobreviver ao fato e chegar inteiro ao final de seu expediente, Larry precisa cumprir uma série de tarefas. Ele precisa brincar de “pega a vareta” com o Tiranossauro (!), servir à Estátua da Ilha de Páscoa, viciada em chicletes (!!), despistar a gangue de Átila, o Huno (Patrick Gallagher), entre outras coisinhas… o mais importante, entretanto, é jamais deixar as “criaturas” serem expostas à luz do Sol – o que pode ser difícil quando a tal placa corre o risco de ser roubada e toda a “vida” dentro do museu é ameaçada.

Bacana a idéia, não? E acredite, há algumas tiradinhas realmente sensacionais aqui. Uma delas é a excelente “guerra” entre as miniaturas de cowboys, lideradas pelo bravo Jedadiah (Owen Wilson, não creditado ao início do filme), e as miniaturas de soldados romanos, encabeçadas pelo general Octavius (Steve Coogan): a rixa entre as duas figuras, que torna-se gradativamente infantiloide à medida que a projeção se desenrola, é engraçadíssima! Aliás, Owen Wilson e Steve Coogan já se tornaram uma potencial dupla cômica que poderia muito bem ser aproveitada em outros filmes. Outras bobeirinhas, como a Estátua da Ilha de Páscoa (“dá chiclé, lelé!”), também arrancam risadas com facilidade. E olhe que nem vou citar o demoníaco macaco Dexter, a citação ao Allman Brothers Band e o mamute rebolando no cantinho da tela em determinada cena. :-)

Maaaaaaassss… em contrapartida aos acertos, há também elementos muito mal aproveitados. Robin Williams, que poderia render muito mais como a estátua de cera de Ted Roosevelt, é um destes elementos – e cá entre nós, sua historinha de amor com a índia Sacajawea (Mizuo Peck) é mela-cueca demais. O batidíssimo desenvolvimento do enredo, tão clichê que qualquer um é capaz de adivinhar o que vai acontecer, e a identidade do(s) vilão(ões) não convencem de modo algum. E como é de praxe em filmes desta natureza, ainda somos obrigados a aturar uma conclusão beeem forçada, com direito a uma tenebrosa lição de moral, todos os personagens confraternizando em uma grande festa e uma trilha hip-hop. Afe! O Sr. eu-amo-o-Ja-Rule vai amar. Noooofa! :-P

E por falar em elementos que não funcionam, o maior chamariz nerd de Uma Noite no Museu, que é a presença de três grandes astros do cinema do passado, os lendários Dick Van Dyke (Mary Poppins), Mickey Rooney (Deu a Louca no Mundo) e Bill Cobbs (Bird), decepciona prá cacete. Os caras estão perdidaços! Só o que salva mesmo é o Mickey Rooney, no alto de seus 86 anos, realizando o sonho de muitos ao espancar o Ben Stiller sem dó. Sério! E eu, que imaginava que o Rooney já estava embalsamado no Kodak Theatre… eu nem sabia que ele ainda conseguia se mexer! Hehehe.

Tá, ok, beleza… mas afinal, qual é a de Uma Noite no Museu? É bom ou ruim, afinal? Bem, tudo depende do SEU ponto de vista, como eu disse lá nos primeiros parágrafos. Trata-se de um autêntico filme de férias, que proporciona momentos de diversão àqueles que entrarem na sala de projeção com o único objetivo de dar umas risadinhas. O filme não quer ser nada além disto – e neste ponto, passou no test-drive sem maiores problemas. Só não espere nada além de diversão rasteira e fast-food: filmes saborosos e consistentes ao mesmo tempo existem, mas a gente deixa este privilégio para cineastas que tenham um mínimo de talento, o que definitivamente não é o caso aqui.

Nunca pensei que poderia dizer algo assim, mas… deu até saudade do Spielberg das antigas, viu? Tenho certeza de que, nas mãos dele, Uma Noite no Museu seria genial… :'(

CURIOSIDADES:

• A estátua da Ilha de Páscoa é dublada por Brad Garrett, de Everybody Loves Raymond.

• Acho que os responsáveis pela seqüência de abertura devem ser fãs de David Fincher. Afinal, os créditos de abertura são descaradamente plagiados de O Quarto do Pânico. Bastardos sem criatividade.

• Nunca se esqueça: MUSEUS SÃO LEGAIS.

• Não, não encontrei curiosidades bacanas sobre este filme. Desculpe por ter nascido.

NIGHT AT THE MUSEUM • EUA • 2006
Direção de Shawn Levy • Roteiro de Robert Ben Garant e Thomas Lennon
Baseado no livro de Milan Trenc
Elenco: Ben Stiller, Steve Coogan, Owen Wilson, Robin Williams, Dick Van Dyke, Mickey Rooney, Bill Cobbs, Carla Gugino, Ricky Gervais, Patrick Gallagher, Rami Malek, Pierfrancesco Favino, Mizuo Peck
108 min. • Distribuição: 20th Century Fox.


O Código Da Vinci

09/09/2013

Crítica de Cinema – Texto publicado originalmente em A ARCA, em 17/05/2006.

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Brincadeiras à parte, a última coisa que eu queria na face da Terra era escrever uma crítica para O Código Da Vinci (The Da Vinci Code, 2006), aquele longa que ninguém conhece inspirado naquele livro que ninguém conhece. Sério, não queria de forma alguma. Não porque eu não goste do livro de Dan Brown, embora realmente considere a obra um esplendoroso pé-no-saco de tão mal escrito; e não porque eu declaradamente não curta os três principais envolvidos na produção – a saber, o diretor Ron Howard, o roteirista Akiva Goldsman e, claro, Tom Hanks. Não, minha vontade de não falar nada sobre este filme não envolve de forma alguma meu apreço (ops, a falta dele) com relação à sua equipe, até mesmo porque, de qualquer forma, eu assistiria ao filme descompromissadamente.

E não, não é por causa do vergonhoso descaso praticado aqui com relação a muitos veículos de imprensa, entre eles A ARCA – e analisando o resultado final, até dá pra entender por qual motivo a distribuidora insistiu tanto em esconder o filme de todos, inclusive da imprensa, até o último instante.

Eu não queria falar sobre O Código Da Vinci por uma única e simples razão: se a fita do senhor Ron Howard realmente cumprisse as expectativas e resultasse num tremendo abacaxi em termos de qualidade, seria muito fácil para muitos usuários deste glorioso website nerd pensar e me acusar erroneamente de “não ter gostado porque é com o Tom Hanks”. E cá entre nós, esse negócio de me acusar de não gostar de uma obra por ser “do Steven Spielberg ou do Tom Hanks” já encheu o saco e é um argumento furreca de quem não tem outro argumento para contestar. :-P

Por isso mesmo, quando a santa tríade d’A ARCA, numa de nossas várias reuniões de pauta, demonstrou interesse em enviar a mim para a resenha disto, e o caríssimo Emílio Elfo, fã de Dan Brown, chocado e revoltado, foi tomado por um siricotico e sofreu todas as dores da Via Láctea, o El Cid falou “tá bom, então é você que vai” e eu pensei “que vá com Deus, Jesus e Maria Madalena” (desculpem o trocadilho, hóhóhó). Mas a vida é irônica, o Elfo infartou com o pôster do Superman (!) e a bucha caiu no meu colo de novo… Então, antes de qualquer coisa, quero explicitar dois fatores primordiais para a compreensão deste texto:

O fator Zarko vs. Ron Howard: não acho que o cineasta seja incompetente; meu problema com ele é que o cara é “operário-padrão” e “pau-mandado” demais em grande parte de seu currículo. Howard não é o tipo de diretor que ousa e desafia convenções, preferindo esconder-se em amontoados de clichês e naquele irritante “bom mocismo” americano. E sua filmografia tem mais erros do que acertos (até mesmo Uma Mente Brilhante, apenas um bom filme, não é tão maravilhoso assim e costuma ser muito supervalorizado…). Por outro lado, sou extremamente APAIXONADO por dois de seus filmes: Fábrica de Loucuras (aquele com o Michael Canastra Keaton, lembram) e O Grinch (talvez o melhor filme de Natal dos últimos tempos). Neste último, aliás, o mérito é praticamente inteiro da criativíssima direção de Howard.

O fator Zarko vs. Tom Hanks: não, eu não ODEIO o dito cujo. Só não o considero versátil e, em muitas vezes, chega a ser irritante. Irritante MESMO. Sua voz não muda, seu jeito-dããã-de-ser não muda, e Hanks não consegue fazer outra coisa além do mesmo papel (quase) sempre. Entretanto… adoro seus longas antigos, como A Última Festa de Solteiro, O Homem do Sapato Vermelho (sensacional!) e Um Dia a Casa Cai; o drama Palco de Ilusões é um dos longas mais belos que já assisti; sua atuação em Filadélfia realmente é digna de qualquer prêmio; Hanks carregou Matadores de Velhinha nas costas; e um dos cinco melhores filmes dos anos 90, pra mim, é Joe Contra o Vulcão, aquele delicioso trabalho estrelado pelo sujeito.

Por favor, não esqueça nunca que os fatores Zarko vs. Ron Howard e Zarko vs. Tom Hanks não interferem na opinião deste que vos fala com relação ao resultado final de O Código Da Vinci. :-)

Sendo assim, vamos ao que todo mundo quer saber: se o tal do Código é bom ou não é. Bem, eu vos digo. Assim como o livro, O Código Da Vinci é, sim, um tremendo de um pé nas partes onde o Sol não bate! Não, não estou brincando. Todo o alarde, todo o bafafá, toda a controvérsia gerada… a troco de nada. Decepcionante.

Tá, vamos detalhar isso aí: o fracasso desta produção nada tem a ver com a direção básica de Howard, tampouco com a atuação meio inexpressiva de Hanks como o historiador e simbologista Robert Langdon (ele não incomoda tanto, sério). O problema todo é a FONTE e a ADAPTAÇÃO. Comparando com o texto de Dan Brown, o filme é uma transposição fiel e nada mais além disso; portanto, quem adora o livro com certeza adorará a fita e ponto final. Este público-alvo (os leitores de Dan Brown) certamente sairá da sala de cinema declarando erroneamente que trata-se do melhor filme do ano. Afe.

O público de cinema, entretanto, não é formado apenas por este núcleo: há também aqueles que leram o romance e detestaram (que, por sinal, não são poucos); há o público médio que sequer chegou perto do livro; e há a parcela de espectadores que entende o mínimo da técnica de se fazer cinema, independente de curtir o texto de Dan Brown ou não. Para este pessoal, Código não passará de um filme “nhé”. Sem ritmo, devagar, com atuações decepcionantes de um elenco que sabemos ser extremamente competente, diálogos tão batidos quanto risíveis e um tempo de projeção muito mais longo do que deveria ser e muito mais curto do que parece. Sério, aquilo nunca termina!!! E digo numa boa que a turma mais “escolada” em processo de construção cinematográfica encontrará alguns errinhos gritantes…

A história (quase) todo mundo já conhece: logo no início, Jacques Saunière (Jean-Pierre Marielle) é perseguido e alvejado em pleno Museu do Louvre, na França. Seu algoz, como descobrimos nesta mesma cena, é o bizarro monge Silas (Paul Bettany, de Mestre dos Mares, cartunesco ao extremo) – mas a história dele fica pra depois. Encarregado do caso, o Inspetor Bazu Fache (Jean Reno, de Dupla Confusão) convoca Robert Langdon, expert em simbologia, para auxiliar na investigação, visto que, antes de morrer, Saunière desenhou um símbolo pagão em seu próprio corpo e escreveu vários códigos no chão.

Ao chegar no Louvre, Langdon conhece a agente Sophie Neveu (Audrey Tautou, a eterna Amélie, linda e nada mais), que disfarçadamente lhe revela: você corre perigo. O que acontece é que a polícia de Paris, por uma série de pistas mal esclarecidas, acredita que Langdon é o assassino; este, por sua vez, escapa dos policiais e une-se a Sophie para tentar descobrir o que aconteceu a Saunière e desvendar os muitos códigos que encontra na cena do crime e também a partir daí – coisas como uma chave, um cofre de banco, um artefato e etc. O que Langdon e Sophie não sabem é que não serão perseguidos apenas por Fache, mas também por integrantes de uma seita chamada Opus Dei, interessada em preservar e não permitir que um dos maiores segredos do cristianismo, cujas provas concretas encontram-se estampadas nas pinturas de Leonardo Da Vinci, venha à tona e cause uma crise sem precedentes na instituição católica.

O plot é até interessante – embora eu não consiga entender até agora porque raios um monte de gente se revoltou com as idéias e as pseudo-teorias conspiratórias do enredo, já que elas visivelmente não fazem SENTIDO ALGUM. Só que, assim como Dan Brown usou uma escrita totalmente didática e preguiçosa para desenvolvê-la no romance, o PÉSSIMO Akiva Goldsman não só seguiu esta diática à risca como ainda piorou a coisa. A todo momento, cada um dos personagens precisa explicar verbalmente, tintim por tintim, o que acontece na tela e porquê acontece daquele jeito, como se o espectador não fosse capaz de deduzir por si só. O roteiro explica o tempo todo o que é o maldito criptex, o que é a maldita chave, quem é Saunière… Ai céus! Gente, quem disse que Akiva Goldsman escreve bem? Ele destruiu o Batman, catzo!

Na ânsia de deixar a história bem explicada, o roteiro de O Código Da Vinci tornou-se um engodo maçante, cansativo, arrastado, totalmente previsível (sim, na metade do filme qualquer um que não conheça o enredo mata as “charadas”) e absurdamente ofensivo para quem tem um mínimo de inteligência. Quando é que os executivos de Hollywood entenderão que a platéia que freqüenta os cinemas não é BURRA? Não precisa explicar que um mais um é dois, caceta! :-P

Quanto ao restante… bem, não há do que reclamar da bela fotografia de Salvatore Totino (mas os clichês de “igrejas escuras, macabras e cobertas de névoa” ainda estão lá…) ou da trilha sonora climática de Hans Zimmer – o mesmo não se pode dizer da montagem de Daniel P. Hanley e Mike Hill e dos desnecessários “efeitos especiais explicativos em flashback” (assista e entenda). O elenco em geral está bem abaixo da média, com destaque para a inexpressividade de Tom Hanks e os estereótipos irritantes de Paul Bettany; por outro lado, Jean Reno, o grande Ian McKellen (como o milionário Sir Leigh Teabing) e o nosso amigo Octopus, Alfred Molina (no papel do maligno Bispo Aringarosa) se saem muito bem e compensam o ingresso quando estão em cena. Ian McKellen, em especial, ENGOLE Hanks e Audrey Tautou em cena, é impressionante! O que era de se esperar, não?

Então, O Código Da Vinci não vale a pena? Bem, isto depende muito de quem vê – e de quem não se incomoda em passar duas horas e meia trancafiado no cinema só para ver uma traminha chula. O que posso dizer tranquilamente é que aqueles que se incomodam com as “teses” levantadas pelo livro podem ficar despreocupados, pois tanto no romance quanto no longa o troço todo é tão absurdo e tão sem nexo que precisa ser muito ingênuo e muito influenciável para acreditar naquelas baboseiras. Se você está à procura de BOM CINEMA, pelo amor de Deus, passe longe. Mas vale uma espiada, nem que seja só para notar como a influência da mídia pode ser tão poderosa a ponto de supervalorizar e transformar em sucesso milionário (ops, bilionário) um produtinho tão medíocre quanto O Código Da Vinci. E quando digo “medíocre”, me refiro ao livro… bem, ao filme também.

Vejam só o caso do Tom Hanks: ele até topou manter seu cabelinho-a-vaca-lambeu por isso! :-P

CURIOSIDADES:

• O criador de 24 Horas, Joel Surnow, achou que O Código Da Vinci seria uma excelente ideia de trama para a terceira temporada da série. Surnow perguntou ao seu chefe, o produtor Brian Grazer, sobre adquirir os direitos do livro – mas Dan Brown não queria ver sua obra transformada em seriado e rejeitou a proposta. Meses mais tarde, a Sony Pictures pagou US$ 6 milhões para adaptar o livro e contratou Grazer como produtor.

• Oficiais da abadia de Westminster, na Inglaterra, se recusaram a permitir que o filme fosse rodado por lá, acusando o filme de ser “teologicamente incorreto”. As cenas que se passariam lá acontecem, na verdade, na Lincoln Cathedral.

• Por falar nesta igreja, foi a primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial II que seu famoso sino, o “Great Tom”, ficou em silêncio – para não atrapalhar as filmagens por lá, que aconteceram entre 15 e 19 de agosto de 2005.

• Para proteger as instalações do prédio e também as obras de arte abrigadas dentro dele, o uso que a produção fez do Museu do Louvre, em Paris, foi cuidadosamente controlado. Por exemplo, nenhum equipamento poderia entrar no museu durante o dia, apenas à noite. A equipe não podia jogar luz na Mona Lisa original, então uma réplica acabou sendo usada. Nenhum sangue ou escritos misteriosos poderiam ser aplicados no chão de madeira – e esta cena em especial acabou sendo rodada nos Pinewood Studios, próximo de Londres.

THE DA VINCI CODE • EUA • 2006
Direção de Ron Howard • Roteiro de Akiva Goldsman
Baseado no livro “The Da Vinci Code”, de Dan Brown
Elenco: Tom Hanks, Audrey Tautou, Ian McKellen, Alfred Molina, Paul Bettany, Jean Reno, Etienne Chicot, Jürgen Prochnow, Jean-Pierre Marielle, Clive Carter
149 min. • Distribuição: Columbia Pictures.


Frances Ha

01/09/2013

Crítica de Cinema – Texto publicado originalmente no JUDÃO, em 28/08/2013.

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Quantos filmes você já assistiu e teve a sensação de que foram feitos exclusivamente para você? Quantos vezes você já foi ao cinema e, enquanto a sessão rolava, você pensou “não é possível, esse cara escreveu esse roteiro pensando em mim”? Quantas vezes você saiu da sala de cinema com a sensação de ter assistido não a um filme, mas sim ter vivido uma experiência?

Maior barato como algumas produções são capazes de nos pegar pelo estômago, e fazer com que a gente fique pensando por dias a fio. Acho que isto explica o sucesso de Frances Ha, uma fitinha pequena e despretensiosa dirigida por Noah Baumbach (do genial A Lula e a Baleia) que chegou de mansinho e conquistou uma legião de fãs, sendo alçada à condição de cult instantâneo e lançando também sua estrela e co-roteirista, a sensacional Greta Gerwig, ao status de musa indie do momento. E olha: merecido, viu? Esta comédia dramática P&B e sem nenhum atrativo aparente não precisa de cores ou de uma metragem extensa (tem menos de uma hora e meia de duração) para amolecer o público. Sério, precisa mesmo ser muito carrancudo e amargurado para não se render ao charme e à honestidade de Frances, a amalucada protagonista que vive na bancarrota mas nunca perde o bom-humor, e principalmente não se enxergar nela. :-)

E olha que Frances, defendida com maestria por Gerwig, não é mesmo o tipo de pessoa por qual nos apaixonaríamos de imediato. Na verdade, é muito mais fácil sentir VERGONHA ALHEIA por todos que convivem com a pobre garota, já que ela é do tipo que te esbofeteia no meio da rua só pra “brincar de lutinha” (?). Com quase 30 anos nas costas, esta californiana que está tentando a sorte em Nova York vive sua vida como se estivesse estacionada nos anos de faculdade: é aprendiz em uma companhia de ballet e vive à espera de um dia poder ingressar no grupo oficial, mesmo que seja claro como a água que isto não acontecerá, e joga qualquer pretendente na friendzone para que nunca precise deixar de estar com sua melhor amiga, Sophie (Mickey Sumner, a graciosa filhota do Sting), a quem idolatra e com quem divide um apartamento meio zoneado, mas bastante aconchegante.

Frances Ha começa mais ou menos com Sophie anunciando a Frances que vai morar com outra colega, em um bairro mais caro da cidade. O mundo de Frances não chega a ruir, mas como não tem condições de arcar sozinha com o aluguel, ela terá de encontrar outro lugar. E não demora muito para que a garota se mude para o apê dos seus novos amigos Lev (Adam Driver) e Benji (Michael Zegen), que ela mal conhece, mas até que são legais. Só que o mundo dá voltas, e logo Frances está novamente à procura de um cantinho para chamar de seu. E ainda tem o emprego, as contas para pagar, a falta de dinheiro, o final de ano com a família… Mesmo correndo de um lado para o outro, Frances vê seus amigos conquistando seus espaços e fazendo sucesso, e para ela, sobra a sensação iminente de que nunca sai do lugar. E quem nunca se sentiu assim, sem rumo definido?

A diferença é que nada é capaz de derrubar Frances, que, mesmo com a delicadeza de uma bigorna e uma noção muito estranha de amizade e relacionamentos, nunca deixa o otimismo de lado e vive sua vida com uma felicidade genuína – e contagiante. A gente pode até sentir vergonha dela, mas é impossível deixar de se apaixonar. :-)

Dividido em pequenos capítulos, cujos títulos são exatamente os endereços pelo qual a personagem passou, Frances Ha é um sopro de criatividade na ainda curta carreira de Noah Baumbach, um cineasta acostumado a misturar fantasia e doses de realidade – não à toa, o sujeito é parceiro habitual de Wes Anderson, de quem roteirizou A Vida Marinha Com Steve Zissou e O Fantástico Sr. Raposo. Com uma espetacular fotografia em preto-e-branco que nos remete à filmografia de Woody Allen (mais exatamente Manhattan) e uma trilha sonora com faixas de Georges Delerue e Antoine Duhamel extraídas de clássicos da Nouvelle Vague (para quem não sabe, o notório movimento cinematográfico sessentista que revelou gênios como Jean-Luc Godard e François Truffaut, este último uma clara referência aqui), Frances Ha apresenta um roteiro inteligente e sincero, atores talentosos e algumas cenas memoráveis. Como não se encantar com a cena da corridinha em Nova York, e como não sofrer com a seqüência de Frances perdida em Paris?

Frances Ha parece simplista à primeira vista, mas discute com sobriedade e sem estereótipos os anseios de uma geração que encontra tantos obstáculos pela frente que mal consegue deixar sua zona de conforto, que dirá lutar pelos seus sonhos. E foi aí que fui pego pelo estômago, que senti que Noah Baumbach fez este filme para mim: quando, na última cena, finalmente entendemos o que é o “Ha” do título, e lembramos que aquela garota tão amorosa passou uma hora e meia de projeção apanhando prá cacete da vida sem perder o sorriso no rosto, a gente esquece qualquer problema, por maior que seja. Frances Ha é tão honesto que tem o poder de fazer o espectador, qualquer um que seja, sentir que aquela história é para ele, apenas ele. O que o torna, automaticamente, um clássico a ser descoberto, e sem dúvidas um dos melhores filmes do ano, senão o melhor. :-)

Olha, deu até uma vontade sincera de gritar um “AHOY SEXY!” e dar um abraço na primeira pessoa que aparecer na frente (se você não entendeu, assista ao filme, ué!), ou então sair por aí correndo feito um louco no meio da rua e fazendo passinhos de ballet ao som de Modern Love, do David Bowie. Vergonha alheia total. :-D

FRANCES HA • EUA • 2012
Direção de Noah Baumbach • Roteiro de Noah Baumbach e Greta Gerwig
Elenco: Greta Gerwig, Mickey Sumner, Michael Esper, Adam Driver, Michael Zegen, Grace Gummer, Patrick Heusinger.
86 min. • Distribuição: IFC Films.