Cassino Royale

29/12/2009

Crítica de Cinema – Texto publicado originalmente em A ARCA, em 12/12/2006.

Escolhido para ser o alicerce da 21.ª aventura do espião inglês James Bond nos cinemas, o enredo de 007 Cassino Royale não é apenas uma historinha criada por tabela para servir de veículo ao agente mais famoso da história do cinema – assim como o é, por exemplo, 007 Um Novo Dia Para Morrer e 007 O Amanhã Nunca Morre (dois veículos ótimos enquanto trama, diga-se de passagem). Ok, este último citado é tão imerso no universo do agente secreto que poderia facilmente se passar por um rascunho psicografado por Ian Fleming direto do limbo (!). Voltando, 007 Cassino Royale não é apenas uma traminha desenvolvida a partir da idéia surgida na cabeça de algum executivo de Hollywood sedento por dinheiro. 007 Cassino Royale é nada menos que a primeiríssima história de espionagem protagonizada pelo agente secreto, o romance que apresentou ao mundo aquele que alimenta a imaginação dos leitores até hoje; é neste romance, criado por Fleming no longínquo ano de 1953, que o personagem apareceu pela primeira vez, com todos os seus maneirismos.

Bem, quase. É bem verdade que Cassino Royale, o livro, era um xodózão de Fleming, já que retrata Bond, recém-batizado com sua denominação “00”, como um sujeito meio amador, experimentando no limite toda a excitação e a adrenalina de ser um agente secreto com um arma na mão e uma licença para matar no bolso – logo, é de se esperar que os elementos que hoje estão associados ao personagem ainda estejam, digamos, pré-moldados e até meio crus. Talvez este carinho todo com a obra que deu o ponto de partida em 007 tenha sido o motivo pelo qual Ian Fleming bateu o pé quando negociou a venda dos direitos de todas as suas obras à Eon Productions, que pretendia adaptá-las para as telas dos cinemas. Quer dizer, “todas as suas obras”, não. Cassino Royale não estava no meio.

E de nada adiantou insistir. Fleming recusou-se a ceder seu primeiro livro até não poder mais. E ai de quem começasse a encher o saco do cara! Hunf. :-D

Deixando de lado um curtinha insignificante veiculado em 1954 pela emissora CBS, a obra só chegou às telonas em 1967, quando James Bond já era um cara bastante popular por conta das películas estreladas por Sean Connery. Porém, os direitos de adaptação cinematográfica da história ainda permaneciam “bloqueados”, ou seja, qualquer suposta transposição não poderia fazer parte da série oficial de filmes do espião. E como se não bastasse, a idéia de resetar o mundinho de 007 parecia um tanto absurda; tanto que os produtores responsáveis por esta adaptação, entendendo que uma produção “rival” da série oficial jamais sobreviveria nas bilheterias se apresentasse as mesmas características de sua “concorrente”, decidiram reformulá-la por completo. O resultado é Cassino Royale (Casino Royale, 1967), o primeiro filme de James Bond… no ramo da comédia. Mas hein? Na comédia? :-P

Sim, sim. Na comédia. Um agente secreto ultra-bem-sucedido como personagem central de uma trama absurdamente nonsense que tira sarro justamente dos elementos que, cinco anos depois da estréia de Bond nos cinemas com 007 Contra o Satânico Dr. No, já tinham vida própria. Esta foi a saída dos produtores para atrair o público sem parecer apenas uma fitinha furreca caça-níqueis que queria pegar carona no sucesso do personagem. Este “desvio de personalidade” do enredo de Cassino Royale não foi apenas uma tirada para driblar os direitos autorais: também representou uma resposta do produtor Charles K. Feldman aos seus colegas Harry Saltzman e Albert R. Broccoli, os “donos” da franquia original – que, traumatizados com todo o siricotico do excelentíssimo senhor Kevin McClory (não sabe do que estou falando? Ah, então leia neste pequeno website a gloriosa matéria sobre o famigerado 007 Nunca Mais Outra Vez!), recusaram-se terminantemente a co-produzir mais um filme com um “estranho”. E como Sean Connery não queria nem saber de estrelar a versão não-autorizada de Cassino Royale para não perder a moral com seus chefões, Feldman resolver tirar um sarrinho e transformar o negócio em uma salada.

E que salada! Senão, veja só. Cassino Royale foi dirigido por CINCO indivíduos! Eis os nomes: Ken Hughes, diretor do musical arroz-de-festa da Sessão da Tarde O Calhambeque Mágico; Joseph McGrath, da comédia qualquer nota Um Marido de Reserva; Robert Parrish, habitual diretor de episódios da série Além da Imaginação; Val Guest, responsável pelo infame trash movie chamado A Abominável Mulher das Neves (?!); e por último, o notório John Huston, aclamadíssimo cineasta que comandou clássicos como O Tesouro de Sierra Madre, Moby Dick e O Falcão Maltês.

Se a direção da fita teve dedos de cinco meliantes, imagine o roteiro: oficialmente creditado a três pessoas, Wolf Mankowitz, John Law e Michael Sayers, sabe-se que o script foi incansavelmente reescrito por sujeitos como Ben Hecht (autor do enredo de Scarface – A Vergonha de uma Nação, versão de 1932), o humorista Peter Sellers, o cineasta Billy Wilder e até uma certa criatura que atende pelo nome de Woody Allen, por – sinal também integrante do elenco. E o que você pensaria de um filme que divide o personagem principal entre nada menos que SETE atores diferentes? Deu para imaginar o grau de insanidade aplicado à produção? :-)

Se não conseguiu imaginar, então conheça o enredo: James Bond (vivido por um impagável David Niven), que recebeu a ordem da rainha e agora é SIR James Bond, curte sua aposentadoria sem qualquer tipo de preocupação… até que é chamado para a labuta novamente. Convencido pelos chefes da agência de espionagem a agir contra um inimigo do passado, a SMERSH, Bond se manda para a Escócia e conhece uma intrigante agente (Deborah Kerr), que o faz enfrentar uma pá de atentados. De volta a Londres, Bond decide assumir o posto de M, que está morto (!). É aí que o ex-agente descobre que vários espiões estão debaixo da terra porque tentaram seguir seus passos de “sujeito galanteador” e se envolveram demais com mulheres fatais (!). Para botar ordem na casa e também localizar Jimmy Bond (Woody Allen), seu sobrinho desaparecido, Bond contrata Cooper (Terence Cooper), agente secreto que carrega uma suspeita fama de “incorruptível às mulheres”… Para confundir seus inimigos, o ex-007 também determina que todos os agentes a serviço de sua majestade, incluindo as criaturinhas do sexo feminino, deverão se chamar… JAMES BOND 007 (?).

Assim, o Bond original segue para sua missão: encontrar e chantagear a bela Vesper Lynd (vivida pela mais famosa Bond-Girl da história, Ursula Andress) e, com seu auxílio, armar um esquema para obter o apoio do dúbio Evelyn Tremble (Peter Sellers), que também se chamará James Bond 007. Tudo gira em torno dos planos de Bond em deter o bandidão mais perigoso da parada, o exímio jogador de bacará Le Chiffre (Orson Welles). As coisas podem sair dos trilhos quando surge na parada a belíssima Mata Bond (Joanna Pettet), filha ilegítima de Bond (?!), fruto de um casinho rápido com ninguém menos que… Mata Hari! Céus, que confusão dos diabos! :-D

Agora me diga: dá pra levar a sério um troço desses?

É aí que reside a graça de Cassino Royale. A criativa direção dos cinco cineastas ganha pontos justamente por assumir o absurdo de sua concepção e entregar-se por completo ao único objetivo de divertir a platéia e apresentar um James Bond fora do convencional. O personagem de David Niven (o lendário “típico inglês” de produções díspares como A Pantera Cor de Rosa e Morte Sobre o Nilo) passa quase o tempo todo tentando consertar as burradas dos sujeitos que levam seu nome – e que não fazem nada, mas nada certo… No meio de sua cruzada para derrotar Le Chiffre e finalmente voltar a descansar, o espectador é brindado com uma série de gags que satirizam todos os conceitos definidos pelos livros e pelos filmes de 007, além de juntar uma gama de astros popularíssimos na época, como os já citados e também outros grandes nomes como Anjelica Huston, William Holden, Charles Boyer, o eterno mafioso George Raft, o excelente Peter O’Toole (mais conhecido como o senhor Lawrence da Arábia), a maravilhosa Jacqueline Bisset e Jean-Paul Belmondo, um dos maiores galãs do cinema francês sessentista. Mais astros que isto, só nos filmes de Steven Soderbergh! :-)

Ah, e não podemos nos esquecer de que Cassino Royale traz uma das mais brilhantes e talvez a mais deliciosa canção-tema de toda a cinessérie: The Look of Love, composta por Burt Bacharach e imortalizada na voz de Dusty Springfield. Melhor que esta, só Shirley Bassey soltando seu gogó no tema de Goldfinger! ;-)

Mas nem tudo são flores. A produção causou uma bela dor de cabeça em todos os envolvidos pelo orçamento meio inflado (US$ 12 milhões, um absurdo para a época) e também pelos inúmeros atritos entre dois importantes astros da película: Peter Sellers e Orson Welles. Sellers, por exemplo, tinha o costume de abandonar os sets de filmagem; às vezes, desaparecia sem aviso prévio por dias. Welles, dono de temperamento difícil e extremamente enciumado com a popularidade de Sellers, sempre fugia do roteiro e inventava alguma coisa para se mostrar, o que ocasionamente atrapalhava o andamento das filmagens. E as cenas que traziam Sellers e Welles juntos precisaram ser rodadas em dias diferentes e com os atores em separado, para que a equipe não fosse surpreendida por algum ocasional quebra-pra-capá (!). Isto tudo, sem contar o iminente lançamento de Com 007 Só Se Vive Duas Vezes, o então longa oficial de James Bond, que naturalmente representava uma ameaça em termos de bilheteria.

Como era de se esperar, o “produto oficial” rendeu mais do que o “genérico” (US$ 43 milhões contra US$ 22 milhões). E os fãs, que não admitiram uma visão cômica do agente inglês – ou não entenderam a piada – torceram o nariz. Hoje, a história é outra. A Eon finalmente conseguiu os direitos de adaptação cinematográfica de Cassino Royale, o livro, e acaba de lançar a história com um James Bond polêmico e o notório rótulo de “um dos melhores filmes da saga”. Enquanto isto, depois de uma longa batalha judicial, a MGM comprou os direitos desta versão não-oficial e hoje o filme é comercializado em DVD como parte da franquia, embora seja comercializado “em separado”, como “um capítulo à parte, específico”.

E quanto ao resultado final de Cassino Royale, a visão cômica da coisa? Bem, é fácil resumir da seguinte forma: num todo, trata-se de uma produção curiosa, atípica e altamente divertida. Se você é fã ferrenho, bem nerdy mesmo (no bom sentido da palavra), daqueles que não admitem qualquer fuga dos elementos definidos pelos textos de Ian Fleming e pelos longas-metragens da série oficial, você corre o risco de se ofender feio com as liberdades artísticas do roteiro, mesmo que uma ou outra característica do universo de Bond se faça presente. Numa boa? Besteira. Cassino Royale foi criado com o único intento de divertir. E isto, apesar de seus altos e baixos, faz com louvor. E não é ótimo saber que James Bond é tão único a ponto de saber tirar sarro de si mesmo? ;-)

CASINO ROYALE • ING/EUA • 1967
Direção de Val Guest, Ken Hughes, John Huston, Joseph McGrath, Robert Parrish e Richard Talmadge • Roteiro de Wolf Mankowitz, John Law e Michael Sayers • Roteiristas não creditados: Woody Allen, Val Guest, Ben Hecht, Joseph Heller, Terry Southern, Billy Wilder e Peter Sellers
Elenco: Peter Sellers, Ursula Andress, David Niven, Orson Welles, Joanna Pettet, Woody Allen, Deborah Kerr, William Holden, Charles Boyer, John Huston, George Raft, Jean-Paul Belmondo, Terence Cooper, Jacqueline Bisset, Geoffrey Bayldon, Geraldine Chaplin, Anjelica Huston, Peter O’Toole, Robert Vaughn
131 min. • Distribuição: United Artists.


Nicotina – Uma Noite de Puro Caos

29/12/2009

Crítica de Cinema – Texto publicado originalmente em A ARCA, em 26/05/2005.

Em matéria de cinema, digo numa boa e sem crises que os argentinos dão um banho violento nos brazucas. Quem assistiu o fenomenal Nove Rainhas (2000), o belíssimo O Filho da Noiva (2001) e o intenso Kamchatka (2002), sabe muito bem do que estou falando. Além de dominar o lado técnico com uma desenvoltura fora do comum, os caras ainda trazem de quebra roteiros bem bacanas, com ótimas tiradas e diálogos divertidíssimos. E cito novamente Nove Rainhas, cuja estrutura dramática e final embasbacante põem tranqüilamente toda a filmografia do M. Night Shyamalan no chinelo. Tanto que os americanos, extremamente invejosos, precisaram até refilmar a fita; o resultado foi o mais-ou-menos 171, estrelado pelo ótimo John C. Reilly e o mexicano Diego Luna.

Aliás, Diego Luna – que integrou o elenco de O Terminal recentemente – é o nome mais conhecido do novo exemplar do cinema argentino a aportar aqui no Brasil, o divertidíssimo Nicotina – Uma Noite de Puro Caos (Nicotina, 2003), segunda incursão na direção do produtor Hugo Rodríguez, que foi co-produzida com o México e chega aqui com exatos dois anos de atraso. O que não dá pra entender: Nicotina, apesar do título incomum, é uma deliciosa fita policial recheada de humor negro (yikes!), que não deve nada aos Guy Ritchies da vida. Se não fosse o idioma espanhol, eu poderia jurar que esta trama maluca saiu da cabeça doente do inglês maridão da Madonna e criador do já clássico Snatch – Porcos e Diamantes: todos os elementos típicos de Ritchie estão lá, desde os personagens perigosos e carismáticos, até os objetos de desejo que os bandidos buscam o tempo todo e ninguém sabe onde está. Pois é, enquanto isto, o Guy Ritchie genuíno perdia tempo dirigindo uma certa fitinha passada numa ilha deserta… ugh! :-P

Se você ainda duvida, dá só uma olhada: Nicotina começa exatamente às 21:17, num canto qualquer da Cidade do México. O hacker Lolo (Luna) está em seu apartamento, concluindo um serviço para dois bandidões de Buenos Aires, o novato Nene (Lucas Crespi) e o veterano Thomson (Jesús Ochoa, do ótimo Vozes Inocentes). Em pouco tempo, os meliantes chegarão ao apê de Lolo para buscar o “serviço pronto”, um CD com dados de uma conta milionária na Suiça. De posse do CD, Nene e Thomson deverão encontrar o gangster russo Svoboda (Norman Sotolongo) para trocar o valioso disquinho por nada menos que 20 diamantes.

Enquanto espera o negócio ficar pronto, Lolo espiona sua bela vizinha, a violoncelista Andrea (Marta Belaustegui). Lolo é apaixonado por Andrea, que também é sua inquilina. Tão apaixonado que tem a mania de observar todos os passos da moça através de câmeras escondidas. Além disso, o rapaz transforma estas imagens em video, gravando tudo em disquinhos; e sempre dá um jeitinho de atrapalhar os flertes da garota, seja com um homem mais velho, seja com o vizinho de cima… Nem um pouco várzea a menina, não? :-) Enfim, o problema é que Andrea desconfia que algo está errado. Quando ela finalmente descobre ser vigiada por Lolo, a maluca invade o apartamento do nerd, destrói seu computador, arremessa a estante de CDs longe e ainda quebra os óculos do rapaz. Na mesma hora, Nene e Thomson chegam, e Lolo, como era de se esperar, entrega o CD errado a eles… e eu paro por aqui!

Acha que contei muito da história? Que nada. Tudo isso aí em cima acontece em no máximo 15 minutos. Este é só o plot de uma salada que envolve ainda um farmacêutico grosseiro chamado Beto (Daniel Giménez Cacho, o padre Manolo de Má Educação); sua esposa, a sofredora Clara (a bela Carmen Madrid); o barbeiro Goyo (Rafael Inclán); sua ambiciosa e diabólica mulher, Carmen (Rosa Maria Bianchi, de Amores Brutos); além de um cachorro folgado, um punhado de policiais, os diamantes – cujo paradeiro ninguém faz idéia – e… uma bonequinha. Sim, é sério! :-D

Com um emaranhado desses, seria muito fácil para o roteirista Martín Salinas (do aclamado longa Gaby: Uma História Verdadeira) se perder no meio de tantas possibilidades e personagens. Felizmente, não é o que acontece. Nicotina é um trabalho bem estruturado, escrito direitinho e com bastante atenção – embora seja meio confuso na primeira meia-hora, pra não dizer “praticamente incompreensível” – e prende a atenção do público com tiradas bacanas e até mesmo surpreendentes. Quando você pensa que a coisa está pegando fogo, a chaleira esquenta ainda mais! Prestem atenção para a idéia “genial” da esposa do barbeiro, Carmen, para encontrar os diamantes. A mulher é louca! Hehehe… Quanto ao restante, está tudo em seu devido lugar: os atores são bons e esbanjam carisma; a trilha sonora é, como diria o El Cid, o “maior bom”; e a direção, bem competente. Perfeito para uma fita de ação descartável, né? :-)

Tudo bem, e o raio do título, catzo? Bem, o nome do filme refere-se ao envolvimento direto de TODOS os personagens com o cigarro. Rapaz, como esse povo fuma! E antes que algum militante anti-tabaco xiita apareça por aqui querendo explodir tudo, já vou avisando que não há nada que incite o espectador a fumar (é, estas coisas a gente tem que avisar, senão já viu!). Ao contrário, o cigarro parece ser até mesmo o precursor de acontecimentos trágicos. Boa parte da galeria de personagens da fita passa por algum aperto por causa do fumo, e a crítica chega a ser ainda mais ácida quando, em certos momentos, alguns se tornam mais brutais e tomam medidas mais violentas à medida que sentem no corpo a ausência de nicotina. É tal qual Nene responde, quando é questionado sobre os males do cigarro: “Fumar mata, mas a vida, por si só, é ainda mais perigosa”.

Discussões anti-tabagistas à parte, nota-se que, apesar de todas as metáforas, Nicotina foi realizado com o único intuito de divertir, e é desta maneira que deve ser visto. Uma produção muito bem-sucedida, que cumpre tudo aquilo que promete e carrega um grande diferencial chamado “roteiro”. Uma fita para se assistir com os amigos, numa sessão de sábado, e depois sair para comer uma pizza e dar boas risadas lembrando das situações do filme. Pena que não deve conquistar nos cinemas metade do público que merecia – o que pode mudar na ocasião de seu lançamento em DVD. Tomara! E se alguém aí torcer o nariz por causa do país de origem de Nicotina, lembre-se sempre que mais vale um argentino nos cinemas do que um Bruno Barreto ou um Sérgio Bianchi espalhados pelo mundo! Onde este país vai parar, desse jeito… :-P

CURIOSIDADES:

• A trama de Nicotina acontece em tempo real: o filme começa às 21:17 e termina exatamente às 22:50, o mesmo tempo de duração da fita (no caso, 93 minutos).

• O ator argentino Lucas Crespi, intérprete do marginal Nene, é popularíssimo em sua terra natal por conta das milhares de novelas que protagonizou na Argentina e no México, dentre elas Amor En Custodia, Sangre Fria, Rincón de Luz, Enamorarte e… Chiquititas. Sim, o rapaz tem um passado negro… :-)

• Passado mais negro ainda é o do ator mexicano Rafael Inclán, que vive o barbeiro Goyo. Inclán era um dos atores centrais da tenebrosa novela mexicana Pequena Travessa, que ganhou uma, ahn, “refilmagem” no SBT. Medo, medo, medo, muito medo! Enquanto isto, a ótima Rosa Maria Bianchi, cujo currículo contém trabalhos de calibre como Amores Brutos, participou do deplorável folhetim infantil Alegrifes e Rabujos, exibida recentemente também pelo SBT, o canal do horror.

• Curiosamente, as três produções argentinas que citei no primeiro parágrafo são protagonizadas pelo mesmo ator, o ótimo Ricardo Darín. O ator, que é para a Argentina o que Javier Bardem é para a Espanha, é o astro de 9 entre 10 fitas do país atualmente. Eu, pra falar a verdade, até fiquei esperando que o cara aparecesse neste filme…

NICOTINA • ARG/MEX/ESP • 2003
Direção de Hugo Rodríguez • Roteiro de Martín Salinas
Elenco: Diego Luna, Lucas Crespi, Jesús Ochoa, Marta Belaustegui, Rafael Inclán, Rosa Maria Bianchi, Daniel Giménez Cacho, Carmen Madrid, José María Yazpik, Norman Sotolongo.
93 min. • Distribuição: Paris Filmes.


Invasores de Corpos

28/12/2009

Matéria de Cinema – Texto publicado originalmente em A ARCA, em 25/06/2005.

Me lembro até hoje da primeira vez em que assisti Invasores de Corpos (Invasion of the Body Snatchers, 1978). Foi numa exibição na TV, de madrugada, lá pelos meus 8 ou 9 anos, e foi a primeira vez em que assisti a um filme de horror sozinho. Meus pais nunca ligaram para o fato de ficar na frente da TV até tarde da noite, e queriam mais que eu assistisse a muitos filmes mesmo! Pois é, eles tentaram me dar uma educação nerd, e para vergonha da família, cresci e me tornei este bastardo cult que sou…

Enfim, o enredo até meio trash de Invasores de Corpos não impediu o diretor Philip Kaufman de gerar um exercício assustador de ficção-científica B, bem aos moldes dos maravilhosos longas-tosqueiras dos anos 50. Naquela época, eu realmente acreditei que, um dia, alienígenas poderiam descer na Terra e clonar seres humanos dentro de enormes vagens (!). Bela desculpa para não comer verduras e legumes! :-D

Brincadeiras à parte, por mais que seja mais horror do que sci-fi, não tenho como negar que este filme é um exemplar inesquecível do gênero, com toda aquela artimanha dos aliens para tentar transformar os humanos incrédulos em zumbis e dominar o planeta. E como esquecer Donald Sutherland e Angela Cartwright naquele final de gelar a espinha? Meu gosto pela ficção-científica só começou a se manifestar graças a este filme. E também graças à Mulher Vespa, um troço horroroso dos anos 60 dirigido por Roger Corman, mas isto é uma outra história!

INVASION OF THE BODY SNATCHERS • EUA • 1978
Direção de Philip Kaufman • Roteiro de W. D. Richter
Baseado no romance de Jack Finney
Elenco: Donald Sutherland, Brooke Adams, Jeff Goldblum, Veronica Cartwright, Leonard Nimoy, Art Hindle, Kevin McCarthy, Don Siegel.
115 min. • Distribuição: United Artists.

 

…SOBRE INVASORES DE CORPOS
Trecho da matéria coletiva A PRIMEIRA SCI-FI A GENTE NUNCA ESQUECE

Matéria publicada originalmente em A ARCA, em 25/06/2005
Complemento do especial para a estréia do longa-metragem GUERRA DOS MUNDOS (War of the Worlds).


As Femme Fatales Mais Letais do Cinema

28/12/2009

Matéria de Cinema – Texto publicado originalmente em A ARCA, em 22/03/2006.

Ao ato da conclusão desta matéria, este que vos fala ainda não pode dizer absolutamente nada sobre Instinto Selvagem 2, tardia continuação das (des)venturas da maligna Catherine Tramell, a escritora bissexual – e assassina nas horas vagas – imortalizada pela atuação bem sacada da ainda maravilhosa Sharon Stone no primeiro longa. Bem, não posso dizer nada pois até o momento ainda não assisti esta segunda parte. Clássico? Tão bom quanto o primeiro? Oportunista? Cine Privê de quinta categoria? Só o tempo dirá. Independente disto, Catherine Tramell é legal pra xuxu e ainda lembrada por grande parte dos cinéfilos como uma figura emblemática do cinema dos anos 90. Responsa! :-D

Exagero? Na-não. Catherine Tramell tornou-se popularíssima justamente por resgatar muitas características de um termo muito usado na década de 40 e que parece estar um pouco defasado hoje em dia: as femme fatales. Ahn… Quem?

O termo femme fatale (do francês mulher fatal, simples assim) é usado para designar aquela personagem feminina que geralmente serve de perdição ao mocinho do filme ou aos personagens masculinos em geral. A mulher fatal, quase sempre associada ao gênero policial, é sedutora, sensual, insinuante, dissimulada, MUITO calculista, MUITO inteligente e não pensa duas vezes em fazer uso de seus atributos físicos para atingir seus objetivos (em sua grande parte, beeeem obscuros e malignos). A definição é véia, e nasceu no auge do cinema noir: as femme fatales eram obrigatórias nestas produções. Muitas atrizes destacaram-se com este tipo de papel, como Barbara Stanwyck (Pacto de Sangue, de 1944), Lana Turner (O Destino Bate à Sua Porta, 1946), Rita Hayworth (A Dama de Shanghai, 1948) e Kim Novak (na obra-prima do suspense Um Corpo que Cai, 1958).

Obviamente, estas não são as únicas. Uma pá de moças tentadoras e deveras perigosas estouraram nas telonas. Muitas, pra ser mais claro. Eis, então, uma singela listinha elaborada pelo Zarko aqui, com algumas das femme fatales mais significativas da sétima arte! O que elas têm de beleza, têm de mortais, e ainda assim, é impossível resistir a elas… Portanto, moçada, ajoelhem-se e façam reverência a:

• SÉVÉRINE ROUBAUD (Simone Simon)

Mostrou suas garrinhas em… A Besta Humana (La Bête Humaine, 1938), de Jean Renoir

Quem é a dita cuja? A francesinha Sévérine Roubaud é daquele tipo de garota delicada e encantadora, que qualquer homem levaria para casa e não teria coragem de tocar em um fio de cabelo. Na verdade, a aparência meiga de Sévérine esconde uma faceta sensual e perigosa, de alguém que não parece importar-se com algo além de seu próprio umbigo. Tanto que seu marido, Roubaud (Fernand Ledoux), um subchefe de estação ferroviária que cometeu um assassinato, forçou-a a usar seus dotes para calar a única testemunha do crime, o alcóolatra maquinista Jacques Lantier (Jean Gabin). Mal sabe o homem que Sévérine aproveitou-se da situação para tornar-se amante de Lantier… e tramar a morte do próprio Roubaud.

Grau de periculosidade: 50%. Sévérine costuma ficar na dela e não incomoda ninguém. Pelo menos será assim depois que seu marido estiver do jeito que ela quer: morto.

A história dessa louca: A Besta Humana, inspirado num romance de Emile Zola, é um dos primeiros longas-metragens a trazer elementos que, mais tarde, caracterizariam a categoria noir. É, também, o filme mais lembrado do cineasta Jean Renoir (A Grande Ilusão), além de trazer a melhor interpretação da carreira do grande Jean Gabin. Não à toa, o digníssimo senhor Alfred Hitchcock sempre dizia que A Besta Humana era um dos grandes responsáveis por sua predileção pelo suspense.

• BRIGID O’SHAUGHNESSY (Mary Astor)

Mostrou suas garrinhas em… O Falcão Maltês (The Maltese Falcon, 1941), de John Huston

Quem é a dita cuja? Aparentemente, a elegante Brigid O’Shaughnessy não passa de uma mulher indefesa e correndo perigo. Pelo menos é assim que a dona se apresenta ao detetive Sam Spade (Humphrey Bogart), quando invade seu escritório dizendo ser perseguida por um certo Floyd Thursby. Spade percebe que Brigid esconde mais do que deveria ao colocar seu parceiro Miles Archer para perseguir Thursby… e descobrir que ambos foram encontrados mortos na mesma noite. A partir daí, a perseguição de um grupo de escroques a uma valiosa estátua de falcão desaparecida fará com que nossa amiga Brigid O’Shaughnessy mostre sua faceta escondida e revele suas verdadeiras intenções com relação a Sam Spade…

Grau de periculosidade: 50%. Você deve temer Brigid, sim… mas apenas se a tal estatueta do falcão estiver em seu poder. Aí, meu amigo, já era. Caso contrário, esqueça. Ela não é de prejudicar as pessoas de graça. :-)

A história dessa louca: Não há muito o que dizer de O Falcão Maltês, também conhecido pelo título de Relíquia Macabra, nome com a qual chegou aos cinemas em 1941. Qualquer cinéfilo e qualquer veículo aponta o longa como o verdadeiro paradigma do cinema policial, com seu anti-herói cínico e tão amoral quanto seus vilões (às vezes até mais), sua trama rocambolesca e cheia de surpresas, e sua femme fatale, uma das mais ambiciosas e determinadas da história.

• GILDA MUNDSON (Rita Hayworth)

Mostrou suas garrinhas em… Gilda (1946), de Charles Vidor

Quem é a dita cuja? Só quem pode responder a esta pergunta com exatidão é Johnny Farrell (Glenn Ford). Farrell salvou a vida do ricaço Ballin Mundson (George MacReady) e este, como forma de gratidão, empregou-o em sua boate. Com o tempo, a amizade se fortaleceu e Farrell tornou-se sócio do lugar. O problema surge quando Ballin viaja a “negócios” e retorna casado com Gilda, uma mulher do passado de Farrell. Misteriosa, manipuladora, sacana e absolutamente sedutora, Gilda sabe que Johnny Farrell a odeia – e faz questão de provocar os nervos do pobre coitado com irresistíveis joguinhos de sedução que podem anular o ódio do sujeito… ou alimentá-lo ainda mais. Uh, babe!

Grau de periculosidade: 60%. Gilda não é má pessoa; só uma garota muito, muito sapequinha, que adooooooora brincar com a libido dos homens. Mas quem arriscar deixar-se envolver, sairá com o sistema nervoso estourado e precisará de terapia intensiva durante anos! Não à toa, bastava ouvir a voz de Gilda para que Johnny Farrell sentisse um desejo sincero de esmurrar a primeira face que visse em sua frente, mesmo que fosse a de sua própria mãe…

A história dessa louca: Embora seja nada além de uma película bacaninha, Gilda é lembrado até hoje exclusivamente pela perfeita construção de Rita Hayworth para a protagonista. Gilda é considerada a primeira grande mulher fatal do cinema, definindo alguns padrões aplicados em quase todos os personagens similares a partir daí. E as seqüências na qual Hayworth, dublada por Anita Ellis, interpreta as belas Amado Mio e principalmente Put The Blame On Mame (onde a arisca Gilda faz um sensualíssimo e excitante strip-tease de apenas uma luva) são antológicas.

• NORMA DESMOND (Gloria Swanson)

Mostrou suas garrinhas em… Crepúsculo dos Deuses (Sunset Blvd., 1950), de Billy Wilder

Quem é a dita cuja? Antiga estrela do cinema mudo, a ex-diva Norma Desmond, em plena decadência e mergulhada no esquecimento, amarga uma existência solitária ao lado de seu mordomo Max Von Mayerling (Erich Von Stroheim) numa imensa mansão em Sunset Boulevard, Hollywood. Desmond, que alimenta a ilusão de um dia voltar às telonas em grande estilo, vê uma chance de ouro surgir literalmente em seu quintal quando o roteirista desempregado Joe Gillis (William Holden) esconde-se na mansão ao fugir de credores. Ele não poderia ter feito burrada maior: enlouquecida, Norma aprisiona Gillis, transformando-o em amante e obrigando-o a escrever um roteiro para o seu “retorno triunfal”.

Grau de periculosidade: 90%. Impressionante como Norma Desmond consegue estar em TODOS os lugares ao mesmo tempo, como se fosse uma espécie de encosto maldito. Nunca, eu digo, NUNCA passe em frente à sua mansão. Se você é roteirista, então, pode dar adeus à sua vida. :-D

A história dessa louca: Saudado pela crítica como um réquiem à era de ouro de Hollywood, Crepúsculo dos Deuses é tão importante para a indústria cinematográfica que encabeça uma lista elaborada pelo Congresso americano de “patrimônios culturais da humanidade”. Não é exagero. Tenso, bonito e carregadíssimo de humor negro, Billy Wilder (Quanto Mais Quente Melhor) deu um banho de direção e entregou uma ácida crítica à “ilusão de eternidade” que a meca do cinema proporciona a seus astros descartáveis. Ah, e carrega um elemento já defasado hoje em dia, mas inédito e inovador em sua época: trata-se do primeiro filme narrado na íntegra por um personagem morto.

• SRA. ROBINSON (Anne Bancroft)

Mostrou suas garrinhas em… A Primeira Noite de um Homem (The Graduate, 1967), de Mike Nichols

Quem é a dita cuja? A clássica Sra. Robinson é uma mulher casada, reservada ao extremo, madura e de bom nível social. Nas entrelinhas, o que ela gosta mesmo é de uma boa noite de suadeira com o garotão Benjamin Braddock (Dustin Hoffman), nada menos que o filho do sócio de seu marido. Braddock, recém-formado, cheio de dúvidas com relação a seu futuro profissional e com testosterona saindo até pelas narinas (!), acredita que a Sra. Robinson, que tem o dobro de sua idade, está apaixonada por ele. Ledo engano. A dissimulada senhora jamais daria crédito a um “fracassado” como Benjamin, e só precisa dele para sanar sua vontade de “dar no couro”. Mas eis que Benjamin apaixona-se pela filha dela, Elaine (Katharine Ross). E quando a Sra. Robinson descobrir… sai de baixo.

Grau de periculosidade: 75%. A Sra. Robinson é capaz de fazer qualquer brutamontes cair no choro e pedir pela mamãe só de lançar um olhar gelado. Medo!

A história dessa louca: Simplesmente um clássico do cinema. A Primeira Noite de um Homem, comandado pelo mesmo Mike Nichols do belíssimo Closer: Perto Demais, foi alçado ao status de cult movie e tornou-se um referencial para a juventude dos anos 60. Com uma estrutura simples, o longa marcou geração com sua fenomenal trilha sonora – e quem não conhece as maravilhosas canções de Simon & Garfunkel compostas especialmente para o filme? – e a atuação brilhante da saudosa Anne Bancroft na pele da maligna Sra. Robinson, um ícone sessentista que perdura até hoje.

• EVELYN MULWRAY (Faye Dunaway)

Mostrou suas garrinhas em… Chinatown (1974), de Roman Polanski

Quem é a dita cuja? A misteriosa Evelyn Mulwray, surgida como uma combustão espontânea na frente do dúbio detetive particular especializado em casos extra-conjugais J. J. Gittes (Jack Nicholson), queria saber se o marido dela a traía. Logo de cara, indícios revelam que Gittes nem deveria ter deixado a “sujeita” entrar em sua escritório. Pra começar, a tal garota não era quem dizia ser; e quando a verdadeira Evelyn aparece na jogada, seu marido – ninguém menos que o engenheiro-chefe do Departamento de Água e Energia de Los Angeles – também surge… mortinho da silva. Ignorando o perigo, Gittes inicia um caso com a tímida senhora. E se mete numa perigosíssima teia de traições envolvendo um bando de gângsteres, um plano maligno que envolve o reservatório de água da cidade e o próprio pai de Evelyn, o poderoso e psicótico Noah Cross (John Huston).

Grau de periculosidade: 50%. O problema não é exatamente Evelyn, e sim os perigos que a cercam. Na verdade, a moça não chega a ser tão vilanesca assim, mas seu nome é sinônimo de confusão. O nariz quebrado de J. J. Gittes que o diga… :-)

A história dessa louca: Chinatown chegou aos cinemas ianques sem muito alarde e, aos poucos, converteu-se a sucesso instantâneo graças à sua assustadora trama, muito bem conduzida pelo polêmico Roman Polanski (Oliver Twist) na época em que seu nome ainda era associado a grandes trabalhos. Construído como uma homenagem ao cinema policial dos anos 40, Chinatown ganha cada vez mais força à medida que envelhece: seu tenebroso final (no bom sentido) deixa qualquer um paralisado até hoje. E a fria personagem da diva Faye Dunaway, que remete às loiras geladas dos anos 30, é nada menos que sublime.

• MATTY WALKER (Kathleen Turner)

Mostrou suas garrinhas em… Corpos Ardentes (Body Heat, 1981), de Lawrence Kasdan

Quem é a dita cuja? Para o advogado de porta de cadeia Ned Racine (William Hurt), Matty Walker é tudo o que um homem poderia pedir a Deus. Linda, loira, engraçada, sensual… e por incrível que pareça, caidinha por ele. Sim, Matty é casada, mas isto é somente um detalhezinho insignificante. O clima tórrido da Flórida, castigado por um verão infernal, contribui para que Matty traia seu marido com Ned. Totalmente cego de paixão, Ned não percebe que Matty Walker é, na verdade, uma perfeita cobra criada: valendo-se da atração que exerce sobre o cara, ela o convence a matar Edmund (Richard Crenna), seu marido, para que os dois possam fugir com a fortuna do elemento. O que Ned não sabe é que, no final desta história, certamente não haverá espaço para ele entre os vivos… afe!

Grau de periculosidade: 95%. Matty Walker é mentirosa, falsa, manipuladora ao extremo, não mede esforços para conseguir o que quer. E é capaz de QUALQUER COISA para chegar onde quer chegar. Qualquer coisa MESMO.

A história dessa louca: A meu ver, Corpos Ardentes, estréia de Lawrence Kasdan (O Apanhador de Sonhos) na direção de longas, não chega a ser tããão excelente assim. É apenas um bom filme. Mas não há como negar que apresenta uma das mulheres mais perigosas do cinema. Kathleen Turner, também estreante nas telonas com este trabalho, chegou a ser comparada com Lauren Bacall e Rita Hayworth, e por muito tempo ostentou o título de “a grande femme fatale do cinema contemporâneo”. Nada mal, hein? De quebra, Corpos Ardentes traz uma ótima fotografia, que trabalha sombras e cores quentes de maneira genial.

• DOROTHY VALLENS (Isabella Rossellini)

Mostrou suas garrinhas em… Veludo Azul (Blue Velvet, 1986), de David Lynch

Quem é a dita cuja? Dorothy Vallens é uma cantora de cabaré e a mulher mais desejada da pequena e atrasada cidade de Lumberton. Ela é a protagonista dos sonhos molhados de dez entre dez jovens do lugar, entre eles Jeffrey Beaumont (Kyle MacLachlan). Inatingível? Pode até ser, mas não para Jeffrey, que se vê envolvido diretamente com Dorothy depois de encontrar uma orelha humana decepada em seu jardim (?). Transformado em fantoche pela cantora, o indivíduo se vê no meio de uma absurda enrascada ao descobrir que Dorothy, que é sadomasoquista (??), é refém e escrava sexual do sádico traficante Frank Booth (Dennis Hopper). Pavor!

Grau de periculosidade: Incalculável. Dorothy é apenas uma peça de um intrincado quebra-cabeça, é verdade (ela tem motivos graves para se deixar dominar por Frank Booth). Mas é capaz de sandices inimagináveis, como ameaçar um indivíduo com uma faca e forçá-lo a oferecer-lhe seus “dotes” para que ela pratique sexo oral (sim, ela faz isso). Se você não tem medo de ser torturado cirurgicamente até a morte pelas mãos de Booth, que morre de ciúmes da moça e manda arrancar as tripas de qualquer ser humano que ouse respirar perto dela (!), pode se aproximar de Dorothy, vai fundo. :-)

A história dessa louca: Estamos falando somente da dita obra máxima de David Lynch (Cidade dos Sonhos). Sujo, trash, vulgar e dificílimo de assistir, mas constantemente apontado como um dos poucos filmes dos últimos anos a serem realmente lembrados no futuro. Não à toa, Veludo Azul é geralmente usado como objeto de análise em TCCs de psicologia e cinema (é fato, dê uma busca no Google pra ver :-D). E todos os fãs de Lynch não se cansam de indicar Isabella Rossellini como a mulher fatal definitiva de seus trabalhos – e olhe que toda fita do cara tem uma! Bem… pra mim, dá vontade de chorar e cortar os pulsos só de ouvir a garota interpretando a canção-tema do longa, Blue Velvet.

• MARQUESA ISABELLE DE MERTEUIL (Glenn Close)

Mostrou suas garrinhas em… Ligações Perigosas (Dangerous Liaisons, 1988), de Stephen Frears

Quem é a dita cuja? À primeira vista uma senhora refinada e elegante da alta sociedade francesa do século XVIII, Marquesa de Merteuil não passa mesmo de uma mulher amargurada por ter sido abandonada por seu ex-marido. Dar a volta por cima? Que nada: para ela, mais interessante que isto é vingar-se do sujeito. Para tanto, arquiteta um sórdido plano junto ao não menos vilanesco Visconde de Valmont (John Malkovich); plano este que tem como alvo a nova esposa do ex-marido, a inocente Cécile de Volanges (Uma Thurman). Caso dê tudo certo, o prêmio para o Visconde será o corpo da safada Marquesa. O problema é que a vingança planejada pela malévola Isabelle de Merteuil pode destruir a vida de muitos ao seu redor, incluindo aí a casta Madame de Tourvel (Michelle Pfeiffer). E quem disse que a Marquesa de Merteuil se importa com este detalhe?

Grau de periculosidade: 80%. E olhe que sequer é necessário conhecê-la pessoalmente para tanto. Basta que ELA saiba de sua existência. Você pode ficar na sua, mas nunca saberá se faz parte dos joguinhos trágicos da Marquesa. E quando souber, pode ter certeza… será tarde demais.

A história dessa louca: Glenn Close é mestre em papéis de louca, assassina e afins (e Atração Fatal está aí para provar). Mas não há personagem em seu currículo que se compare à clássica Marquesa Isabelle de Merteuil, o cruel fio condutor de Ligações Perigosas. Vencedor de muitos prêmios, a fita, dirigida por Stephen Frears (Sra. Henderson Apresenta), dribla o habitual marasmo dos dramas de época para entregar uma história de deixar o espectador com os cabelinhos do braço em pé. E o destino da Marquesa é uma das coisas mais bonitas e pavorosas já produzidas pelo cinema. É ver pra crer.

• JESSICA RABBIT (Kathleen Turner, Amy Irving)

Mostrou suas garrinhas em… Uma Cilada para Roger Rabbit (Who Framed Roger Rabbit, 1988), de Robert Zemeckis

Quem é a dita cuja? A cantora e dançarina Jessica Rabbit é tudo o que a rapaziada babona espera de um mulherão: curvilínea, misteriosa, com um decote espetacular e pernas de deixar qualquer um doente. Como se não bastasse, ela sabe muito bem como usar sua aura sedutora em benefício próprio. Só um detalhe: ela é um desenho animado… o que não faz muita diferença numa cidade onde seres humanos e desenhos convivem e interagem pacificamente. Mas para o detetive Eddie Valiant (Bob Hoskins), um humano avesso a desenhos (um deles matou seu irmão), Jessica Rabbit não é apenas uma mulher animada (e bota animada nisso): ela também é a suposta peça-chave de uma terrível armação contra seu marido, o coelho Roger Rabbit – armação esta que tem como objetivo a destruição total de Toontown, a cidade dos desenhos.

Grau de periculosidade: 50%. Não é possível saber até que ponto Jessica Rabbit é confiável. Mas a moçoila jura ser fidelíssima a seu amado marido-coelho. Pois é, uma mulher casada com um coelho. É que ele é “divertido”, segundo Jessica. :-D

A história dessa louca: Ah, vai dizer que nunca assistiu Uma Cilada Para Roger Rabbit? Um dos maiores filmaços dos anos 80 e você nunca ouviu falar? A divertidíssima junção de live-action com animação fez um tremendo sucesso nas bilheterias e entrou para a história por reunir numa só tacada diversos personagens clássicos dos desenhos – Mickey e Pernalonga pulando de pára-quedas lado a lado? Pato Donald e Patolino em um sangrento duelo de pianos? – e ainda trazer uma história decente. Curiosidade: Jessica Rabbit (cujos traços são inspirados na lendária Veronica Lake) é dublada por Kathleen Turner nos diálogos e por Amy Irving quando canta.

• SUSIE DIAMOND (Michelle Pfeiffer)

Mostrou suas garrinhas em… Susie e os Baker Boys (The Fabulous Baker Boys, 1989), de Steve Kloves

Quem é a dita cuja? A ex-call girl Susie Diamond é uma talentosa cantora de bar contratada pelos irmãos pianistas Frank (Beau Bridges) e Jack Baker (Jeff Bridges) para levantar a moral de seus shows, há muito decadentes. A sensualidade e o carisma de Susie realmente renovam a carreira dos irmãos, e eles experimentam um sucesso até então inédito em suas carreiras de músicos de bar e hotel. Entretanto, o que Susie tem de carismática e sensual, tem em dobro de atrevida, desbocada e intrometida. E alguém aí tem dúvidas com relação aos sentimentos que Susie despertará em Jack e Frank – e na tremenda confusão que causará como conseqüência?

Grau de periculosidade: 50%. Susie é mestre em seduzir, provocar e rebaixar os digníssimos representantes do sexo masculino para sua própria diversão. Mas não traz más intenções em seus atos.

A história dessa louca: Aclamado em sua estréia, Susie e os Baker Boys é um drama menor, quase independente, que têm na inspiradíssima interpretação de Michelle Pfeiffer um de seus pontos altos. Pfeiffer, que declarou mais tarde ter se inspirado nas musas dos anos 40 para compôr Susie, é a alma e o coração deste singelo drama romântico. Ótimo para se assistir com a(o) namorada(o). Mas cuidado para não babar muito na Michelle Pfeiffer! Ou disfarça, pelo menos. ;-)

• JUDE (Miranda Richardson)

Mostrou suas garrinhas em… Traídos pelo Desejo (The Crying Game, 1989), de Neil Jordan

Quem é a dita cuja? Bem, não seria muito correto incluir Jude nesta relação, já que não estamos falando de alguém tão belo assim. Na verdade, Jude é esculhambada, levemente masculinizada, veste roupinhas bizarras e está mais preocupada com seu radical posicionamento dentro do IRA, o Exército Republicano Irlandês, do que com o visual. Totalmente fora dos padrões para uma femme fatale. O único momento-mulher (?) que Jude tem é quando ocasionalmente cai num “rala-e-rola” com um colega do grupo, o indeciso militante Fergus (Stephen Rea). O que acontece é que, por conta das circunstâncias – que não revelarei aqui, claro -, as coisas mudam. E então, a terrorista assume uma personalidade sensual, glamourosa e visualmente mais deslumbrante. Agora sim! Se ela já era perigosa ao extremo, imagine quando descobrir que Fergus, agora um fugitivo caçado pelo IRA, está de casinho novo…

Grau de periculosidade: 70%. Jude não é maquiavélica, mas sabe ser letal quando quer. E quando isto acontece, ela se torna um monstro. Para sobreviver a ela, o esquema é nunca ingressar no exército inglês e JAMAIS questionar as atitudes do IRA perto dela. :-)

A história dessa louca: Uma das grandes surpresas do início da década de 90, Traídos pelo Desejo, um longa-metragem independente, arrebentou nas bilheterias ianques e fez bonito em vários festivais e diversas premiações (inclusive o Oscar), por conta do seu excelente roteiro… e das milhares de surpresas que ele traz, uma delas já lendária. Bem, acredito que hoje em dia não há uma viva alma que não saiba do que estou falando, mas ainda assim ficarei na minha. Só o que eu digo é: assista. Logo. E com o mínimo de informação possível. Vejamos se você sairá da sessão com o queixo no lugar…

• BRIDGET GREGORY (Linda Fiorentino)

Mostrou suas garrinhas em… O Poder da Sedução (The Last Seduction, 1994), de John Dahl

Quem é a dita cuja? Bem, a dita cuja é “apenas” uma das pessoas mais frias, macabras, maquiavélicas e desprovidas de sentimentos já surgidas nas telas. Até Hannibal Lecter consegue ter mais sentimentos que ela. Aliás, é incorreto categorizar desta forma, pois a executiva novaiorquina Bridget Gregory não é um ser humano, definitivamente. Senão, deixemos os fatos falarem por si só: Bridget convence seu marido, o médico Clay (Bill Pullman), a envolver-se no tráfico de anfetaminas. Quando o cara recebe uma bolada em dinheiro (sujo) como intermédio, ela passa a perna nele e foge com toda a grana, deixando-o à merce dos agiotas e dos traficantes. Foge para uma cidadezinha do interior, muda de nome, seduz um caipirão (Peter Berg) e o persuade a assassinar Clay, alegando que o marido é “um maníaco”. E isto tudo, comparado às perversidades que essa maníaca comete de graça no desenrolar da história, é um ATO DIVINO, pode acreditar.

Grau de periculosidade: 200%! Ou melhor, 400%! Bridget é uma mulher sórdida, calculista, que não pensa em ninguém além de si mesma. Não hesita em usar seu próprio corpo para tirar qualquer um de circulação. E não contente em apenas atingir seus objetivos, ela precisa DESTRUIR aqueles que, por infelicidade, cruzarem seu caminho. Passe MUITO LONGE de Bridget Gregory, se quiser viver. Aliás, ao menor contato com esta criatura, o melhor a fazer é adiantar as coisas e cometer suicídio. :-D

A história dessa louca: Embora seja um filme indiscutivelmente bacana, O Poder da Sedução, uma descarada homenagem ao cinema noir com muitas doses de humor negro, tem um único dono. Ou melhor, uma única dona: Linda Fiorentino. Seu trabalho como a ardilosa Bridget é simplesmente sensacional, de encher os olhos. Dizem que ela só não concorreu ao Oscar em 1995 por este ser um filme para a TV (lançado nos cinemas posteriormente), o que o descredencia entre os concorrentes. Sorte de Jessica Lange, que levou a estatueta neste mesmo ano por Céu Azul. Ainda não assistiu O Poder da Sedução? Tá esperando o quê, afinal?

• LYNN BRACKEN (Kim Basinger)

Mostrou suas garrinhas em… Los Angeles – Cidade Proibida (L. A. Confidential, 1997), de Curtis Hanson

Quem é a dita cuja? A loira gelada Lynn Bracken não é nada além de uma silenciosa e ambígua prostituta de luxo da fervente Los Angeles dos anos 50. Integrante de uma conceituada rede de prostituição (onde as garotas são idênticas a estrelas de cinema), a doce Lynn, parecidíssima com a diva Veronica Lake, carrega alguns segredos incendiários que podem desencadear uma crise na Polícia de L.A., infestada de policiais corruptos ou tendenciosos à corrupção, como o quase insuspeito Ed Exley (Guy Pearce), e carente de tiras honestos, como o brutamontes de bom coração Bud White (Russell Crowe) – por sinal, apaixonadíssimo por Lynn e capaz de cometer loucuras pela platinada…

Grau de periculosidade: 50%. Nem tanto pela garota, embora ela seja capaz de despertar intrigas apenas por mexer com a libido da galera, mas sim por conta do esquentadinho Bud White, que declaradamente arrasta um vagão de trem pela moça. Experimenta dar um simples esbarrão não-intencional em Lynn Bracken para ver o que o cara faz contigo… caixão na certa! :-)

A história dessa louca: Muitos não entenderam por qual razão Kim Basinger foi tão elogiada por seu papel no já clássico Los Angeles – Cidade Proibida, elogiadíssima adaptação para as telonas do best-seller noir de James Ellroy. De fato, a atuação de Basinger é inspirada, mas nada tão extraordinário assim a ponto de fazer com que a atriz abocanhe um Oscar, o que de fato aconteceu. Talvez seja porque o longa traz tantos acertos que seja quase impossível ater-se apenas a um ou outro detalhe. Comentar mais do enredo é um pecado. Filmaço com “F” maiúsculo!

• MARLA SINGER (Helena Bonham Carter)

Mostrou suas garrinhas em… Clube da Luta (Fight Club, 1999), de David Fincher

Quem é a dita cuja? Suicida em potencial, junkie talentosa e piradaça por natureza, Marla Singer é uma daquelas pessoas que incomodam apenas por existir. Inconveniente, cheia de delírios e tão viciada em cigarros que mais parece uma chaminé humana ambulante, Marla é o alvo do ódio mortal do sujeitinho anônimo que chamaremos de Jack (Edward Norton); o cara, que costumava sofrer de insônia num passado não muito distante, perde o sono só de olhar pra ela. Mal sabe Jack que Marla Singer se envolverá com o lendário Tyler Durden (Brad Pitt), que divide uma casa moribunda com Jack e mantém com ele um “clube da luta”, reunião de homens revoltados com o “sistema” que esmurram-se por prazer. Mal sabe Jack que Marla Singer em breve será um dos pivôs de um plano macabro que abrange… ah, deixa pra lá. Se contar mais, estraga. ;-)

Grau de periculosidade: Mínimo. Quase nulo. Pra falar a verdade, Marla Singer nem é tão perigosa. Ela é apenas chata. Na real, Marla é INSUPORTÁVEL. E apaixona-se fácil. É um chicletinho. Ignore-a. Finja que ela não existe. Faça de conta que não é contigo. Mas não se aproxime muito: você pode acabar gostando da figura…

A história dessa louca: Clube da Luta? David Fincher? É necessário dizer mais alguma coisa? Uma das mais importantes críticas à obsessão do americano médio (e conseqüentemente do resto do mundo) ao materialismo desenfreado e às tentações da “beleza eterna”. Um soco no estômago como há muito não se via, e que será quase impossível de se superar. E eu não falo mais nada, pois qualquer comentário adicional seria uma pusta de uma senhora SA-CA-NA-GEM com quem ainda não pôde conferir este jóia do cinema subversivo. Obrigatório!

E por último, mas não menos importante, a femme fatale mais perigosa do cinema: Carla Perez, no “crássico” Cinderela Baiana! Meu, será que mais alguém além de mim assistiu aquilo? A ex-dançarina do Tchan e seu, ahn, “filme” estão na lista porque não precisam de cinco minutos para infartar qualquer homem (de pavor e de desgosto por gastar dinheiro com a locação da fita)! Aliás, para infartar qualquer pessoa, homem ou mulher… cruzes. Eu falei que elas são perigosas, eu falei. :-D

AS FEMME FATALES MAIS LETAIS DO CINEMA
Matéria publicada originalmente em A ARCA, em 22/03/2006
Complemento do especial para a estréia do longa-metragem INSTINTO SELVAGEM 2 (Basic Instinct 2).


Miss Simpatia 2 – Armada e Poderosa

28/12/2009

Crítica de Cinema – Texto publicado originalmente em A ARCA, em 31/03/2005.

Hoje em dia, na indústria cinematográfica, qualquer longa-metragem que faça um mínimo de sucesso ganha uma seqüência rapidamente. E olhem que, para isso, não é nem mesmo necessário que a fita em questão abra um parêntese no final ou algo que justifique a existência de uma continuação. É tudo movido a dinheiro mesmo. Em alguns casos, o plot gerado para mover a continuação é até bacana, por mais que não renda um bom trabalho – como é o caso do fraquíssimo Entrando Numa Fria Maior Ainda. Em outros casos, porém, não há absolutamente NADA que justifique a existência da segunda ou terceira ou décima oitava parte. E Miss Simpatia 2 – Armada e Poderosa (Miss Congeniality 2 – Armed and Fabulous, 2005), seqüência do simpático-e-divertidinho-porém-nada-mais-que-isso Miss Simpatia, de 2000, é uma prova concreta do que falo.

Na verdade, só há uma única explicação para que esta bomba atômica exista: Sandra Bullock. A “atriz” – e coloco entre aspas porque, em minha opinião, a atual “namoradinha da América” é qualquer coisa, menos atriz – anda mesmo precisando de um sucesso para fazer jus à posição de destaque que ganhou com o próprio Miss Simpatia; já que a personagem deste longa, a agente do FBI Gracie Hart, não exige quase nada em termos de interpretação, nada melhor do que um repeteco, certo? A rentável carreira que o primeiro filme construiu – custou US$ 40 milhões e gerou bilheteria de mais de US$ 120 milhões, só nos States – também contou bastante para a realização de uma nova fita. Bullock assumiu a produção, contratou um roteirista que pudesse escrever qualquer baboseira em dois dias, chamou um diretorzinho qualquer e fez deste roteiro sua nova aventura na pele da agente.

O problema é que o primeiro Miss Simpatia já não tinha lá uma grande história, e seu final sequer deu gancho para uma nova trama. Para quem não conhece o enredo do primeiro, aqui vai: a tal agente Gracie Hart precisa se disfarçar de candidata a Miss no popular concurso Miss Simpatia para descobrir a identidade e capturar um ser misterioso que ameaça transformar a etapa final do negócio numa tragédia. Só que Gracie é totalmente masculinizada, nunca se maquiou na vida, não sabe se equilibrar num sapato de salto alto e ainda tem uma risada que mais parece um ruído de um porco… Enfim, depois de passar por tudo quanto é provação, Gracie se disfarça, vira um mulherão, prende o meliante e ainda fica com o mocinho no final (*). E é isso. Agora, por favor, me respondam: um filme desses precisa de uma continuação? Não. Mas enfim, uma onda gigante arrasou a Ásia, o Big Brother faz o maior sucesso e Miss Simpatia 2 chega aos cinemas do Brasil. Ou seja: o mundo é um lugar bem injusto pra se viver! :-P

Mas é tão ruim assim? Não. É bem PIOR. Não há nada, nada mesmo, que se salve aqui. Antes o “roteirista” Marc Lawrence (dos igualmente péssimos Amor à Segunda Vista e Forças do Destino) optasse por reciclar as piadas do primeiro. Ao invés disso, o cara resolveu escrever um novo roteiro, totalmente incoerente e deslocado. O resultado é um festival de piadinhas babacas e sem graça, que só constrangem os atores e deixam o público com aquela cara de “ahn… isso é pra rir?”. Enfim, um vexame total, que provavelmente os envolvidos não citarão de jeito nenhum em seus currículos. E só pode ter algo errado quando uma cinema lotado dá apenas UMA RISADA durante um filme de comédia inteiro, não?

A história é terrivelmente ruim: depois do sucesso da missão do filme anterior, Gracie não pode mais agir sob disfarce em missões, uma vez que virou celebridade instantânea da noite para o dia. Pra piorar, o romance com o agente Eric Matthews, o mocinho da fita anterior, naufragou – mera desculpa; o personagem só foi eliminado daqui porque o ruinzinho Benjamin Bratt, intérprete do cara, não quis pagar mico nesta joça. Enfim, para não ser demitida do FBI, Gracie aceita uma proposta de seu chefe, o agente MacDonald (Ernie Hudson, de Os Caça-Fantasmas 2, numa participação inexplicável): trabalhar como “a nova cara do FBI”, aparecendo toda produzida em comerciais de TV, eventos beneficientes e afins. Tudo isso porque sua ação no concurso inspirou a mulherada a lutar por seus direitos e se defender da ameaça masculina ao seu redor, representada por homens malvados e sem coração… Ugh! Já vomitou aqui ou quer que eu continue?

Ok, então eu continuo: Gracie aceita a idéia e passa dez meses sendo “treinada” por Joel (Diedrich Bader, de A Família Buscapé e do ainda inédito por aqui Napoleon Dynamite), um personal stylist – seja lá o que isso significa! Ao final, transforma-se numa dondoca de causar inveja à Vera Loyola (!), só que com o tal do Joel no lugar do cachorrinho. Tal comportamento azeda ainda mais o relacionamento de Gracie com sua nova parceira, a carrancuda Sam Fuller (Regina King, péssima – nem parece que é a mesma que arrebentou como a backing vocal de Ray). É, isso mesmo. As duas são parceiras, numa referência descaradíssima ao clássico Máquina Mortífera. Ah, e as duas se odeiam. Mas todos sabem que, até o final, as coisas mudam… E não reclamem, pois não falei demais: isto até o trailer mostra! Nas palavras da própria Bullock: “Um dos temas deste filme é a amizade e como um amigo pode surgir na pele de quem menos se espera”. Nossa, que tocante. Me deu até vontade de chorar. Pausa para ir até a farmácia comprar uma caixinha de Kleenex. :-P

Voltando, quando os melhores amigos de Gracie, a vencedora do Miss Simpatia Cheryl (Heather Burns) e o apresentador do concurso Stan Fields (William Shatner), são seqüestrados, Gracie e Sam são enviadas a Las Vegas, onde devem servir como “assessoras de imprensa” para o caso. Só que decidem intervir a seu modo quando percebem que o supervisor local do FBI, interpretado pelo sempre competente Treat Williams (do ótimo seriado Everwood), não está se mexendo tanto quanto devia. Para isso, contam com a ajuda do bonzinho e incompetente agente local Jeff Foreman (Enrique Murciano, da série Without a Trace, uma mistura bizarra de Tobey Maguire e Clive Owen). Viram só como o enredo é excelente? Um primor! Alguém, por favor, dê um Oscar ao indivíduo que escreveu ISTO! :-P

Os erros são muitos. Os personagens não criam empatia com o público, os atores são horríveis – com um destaque especial ao eterno “mala” William Shatner, numa participação humilhante -, os diálogos são lotados de frases de efeito, as piadas não fazem rir, as cenas de ação não empolgam e a direção do tal John Pasquin (quem?) é tão relaxada que, em determinada seqüência de ação, vê-se perfeitamente que Sandra Bullock e Regina King dão lugar a dublês – e homens, ainda por cima (!). Por falar nelas, a falta de química entre as atrizes é impressionante. Dá raiva vê-las juntas em cena. Desde já, fortes candidatas ao Framboesa de Ouro de Pior Dupla do próximo ano. Sem contar as cenas em que as duas atuam com o afetadíssimo Joel, “interpretado” por Diedrich Bader com os estereótipos no talo (e isto não foi um elogio). Nem a Regina King vestida de Tina Turner salvou. E o pior é que ela ficou igualzinha!

O problema maior, entretanto, é o roteiro. Além dos furos escabrosos, o roteirista ainda teimou em transformar a personagem de Sandra Bullock em algo que ela não é, arrancando de si o único elemento que a tornava realmente engraçada e natural. Se a maior graça da agente no longa anterior era o processo de transformação da Gracie relaxada para a Gracie beldade, o que temos aqui é uma socialite predominantemente perua e entojada. Imagem esta que definitivamente não combina com o espírito do filme. É como filmar X-Men 3 com um Wolverine gentil, educado e nada brutalizado. Pra resumir: filmeco de quinta categoria que não vale dez centavos do valor do ingresso! Quando a projeção de Miss Simpatia 2 acaba e as luzes do cinema se acendem, só temos a certeza concreta de três coisas: a) a película existe só pra levar nosso suado dinheirinho, b) alguns trabalhos devem se manter apenas na “parte 1”, e c) além de ser má atriz, Sandra Bullock ainda carrega uma maldição milenar envolvendo continuações! Alguém aí viu Velocidade Máxima 2? MEDO! :-P

CURIOSIDADES:

• Todo o elenco central de Miss Simpatia 2 – Armada e Poderosa (subtítulo horrível, pelo amor de Deus!), assim como o diretor e o roteirista, são amigos pessoas de Sandra Bullock, que é produtora do filme. Bem, se ela tivesse pensado em escalar atores de verdade ao invés de amigos, será que poderia ter dado certo?

• A trilha sonora do longa-metragem é composta, em sua maioria, de faixas compostas para outros longas, como A Fuga das Galinhas, Doce Novembro e Intrigas.

• O diretor John Pasquin já dirigiu longas-metragens do porte de Super Pai (2001) e Meu Papai é Noel (1994), ambos com o perigoso Tim Allen. Por isso, eu digo com todas as letras que tenho muito, mas muito medo dele. :-P

• (*) Sim, eu sei. Revelei um spoiler sobre o primeiro Miss Simpatia. Ah, mas quando você vê o filme, com 15 minutos já sabe que tudo aquilo que contei irá acontecer! :-D

MISS CONGENIALITY 2 – ARMED AND FABULOUS • EUA • 2005
Direção de John Pasquin • Roteiro de Marc Lawrence
Elenco: Sandra Bullock, Regina King, Enrique Murciano, Diedrich Bader, Treat Williams, Ernie Hudson, Heather Burns e William Shatner.
100 min. • Distribuição: Warner Bros.


Espanglês

28/12/2009

Crítica de Cinema – Texto publicado originalmente em A ARCA, em 03/03/2005.

Quem conhece o pequeno currículo de James L. Brooks como diretor, sabe que o cara é mais do que credenciado para falar de relações interpessoais. Afinal, o cineasta é responsável por trabalhos elogiadíssimos pela crítica, como Laços de Ternura (1983), Nos Bastidores da Notícia (1987) e, mais recentemente, Melhor é Impossível (1997), que rendeu uma das melhores interpretações da carreira de Jack Nicholson. Os três são dramas intensos (mesmo que meio “light”, por assim dizer) e bem construídos, escondidos sob uma leve fachada de “filme de comédia”. O que o diferencia de outros diretores é exatamente o que termina por derrotá-lo: geralmente o público não vai muito com a cara de suas fitas, justamente por achar que molhará as calças de tanto rir durante a sessão. Coisa que não acontecerá de jeito nenhum.

Provavelmente é o que deve rolar com o mais novo trabalho do cineasta, Espanglês (Spanglish, 2004), já que o próprio preview dá a entender que estamos falando, afinal, de uma fita cômica. E a cara de bobo do glorioso Adam Sandler ajuda muito a construir esta forma de pensar. Aqueles que decidirem pagar ingresso para assistir Espanglês com esta linha de pensamento, se decepcionarão e muito. Alguns mais exaltados, inclusive, sentirão uma leve coceira para tacar fogo na sala de exibição. Vixe! Mas não se engane: sim, o filme é bacaninha, por mais que seja o mais fraco da carreira do diretor. É uma comédia? Não, porque você quase não ri. É um drama? Não, porque não chega ao extremo de tocar o coração das pessoas. É tudo junto? Pode até ser. Sinceramente, não sei. Hein? Quem, como, onde? :-D

Além de um retrato da população estrangeira vivendo nos EUA, a trama de Espanglês é uma metáfora sobre a falta de comunicação entre as pessoas, representadas por uma família de classe média alta em Los Angeles. Vamos às apresentações: o pai, John Clasky (Sandler), é um bem-sucedido chef de restaurante que não consegue conciliar a carreira de sucesso com a tragédia que é como marido. Bem, ele até que tenta falar, mas ninguém escuta; sua esposa, a falastrona designer de interiores Deborah (Téa Leoni), vive à beira de um colapso nervoso, parece não estar nem aí para o marido e não se interessa em ouvir nenhuma voz além da sua própria – e este comportamento anda gerando desconfianças; a filha mais velha do casal, Bernice (Sarah Steele), é carente de amor materno e sofre calada por não ser o modelo físico de filha que a mãe espera; o filho mais novo, Georgie (Ian Hyland)… Bem, este quase não aparece mesmo. E, por último, a mãe de Deborah, a ex-cantora de jazz Evelyn Wright (Cloris Leachman), passa os dias bebendo e observando a tudo e a todos em silêncio.

O caos parece tomar conta quando o clã recebe mais um integrante: a empregada Flor Moreno (Paz Vega). Anos antes, Flor fugiu do México, sua terra natal, em direção aos States com o objetivo de dar uma educação decente e uma vida melhor à sua única filha, a menina Cristina (Shelbie Bruce). Flor não fala a língua inglesa, e nem pretende aprender – já que mora numa comunidade hispânica, em que todos usam o mesmo idioma, e também porque Cristina é bilíngue, portanto faz às vezes de “tradutora” sempre que necessário. Quando Flor, sem emprego, aceita trabalhar para os Clasky durante horário comercial, se sente aliviada em só “hablar español”, uma vez que esta é uma maneira bem prática de se manter neutra à excêntrica família. Em pouco tempo, os Clasky e as Moreno passarão três meses sob o mesmo teto; a perfeita Cristina, cuja existência Flor escondia, terá conquistado o coração de Deborah; e John começará a sentir qualquer coisinha pela empregada… Ou seja: mesmo a contragosto, Flor acabará, de uma forma ou de outra, se envolvendo emocionalmente com o clã.

Como se pode ver, o enredo é até muito interessante. O resultado final, porém, é pouco satisfatório e dá uma sensação de vazio. O fator principal é a indefinição do roteiro – não dá pra sacar se é uma comédia, um drama ou tudo misturado e batido no liquidificador. Como se não bastasse, alguns ótimos personagens, como a própria Bernice, são jogados de lado e não recebem um tratamento adequado. Em compensação, o elenco central – em especial Adam Sandler (que já mostrou ser capaz de trabalhar bem seu lado dramático no bizarro Embriagado de Amor, de Paul Thomas Anderson), Cloris Leachman (intérprete da esquisitíssima Frau Blucher no clássico O Jovem Frankenstein, de Mel Brooks) e a belíssima Paz Vega (dos elogiados Lucía e o Sexo e O Outro Lado da Cama) – dá conta do recado numa boa e proporciona momentos bacanas, como por exemplo a discussão em duas línguas protagonizadas por John e Flor – e traduzida simultaneamente por Cristina (!).

Infelizmente, os pontos positivos de Espanglês não serão suficientes para despertar o interesse do público brazuca, que talvez não engula a bizarra narrativa da película. Em resumo, não é um trabalho à qual devemos ter medo, mas também não é nenhuma obra-prima. É só um filme menor na carreira de James L. Brooks, que até chega a valer o ingresso caso o espectador vá consciente do que irá assistir. E se ao final da sessão você não entender nada e sair com aquele pusta ponto de interrogação em cima da cabeça, peça pra alguém traduzir pra você. :-D

CURIOSIDADES:

• O papel de Evelyn seria originalmente interpretado por Anne Bancroft, que não pôde aceitar por razões não divulgadas.

Espanglês foi filmado totalmente em seqüência, algo quase inédito no cinema americano. Novas cenas foram filmadas depois que os espectadores de uma exibição-teste massacraram o longa, acusando-o de ser “insatisfatório”.

• Os mais atentos pegarão pelo menos um hilário erro de continuidade: numa cena, Bernice abraça Flor. O detalhe é que a menina saíra da piscina há pouco, e encharca a roupa da mexicana. Alguns segundos depois, a roupa já está seca!

• Nos créditos finais, há uma linha que diz: “Nenhum ator foi maltratado nas filmagens deste filme”. Eu, hein…

SPANGLISH • EUA • 2004
Direção de James L. Brooks • Roteiro de James L. Brooks
Elenco: Adam Sandler, Paz Vega, Téa Leoni, Cloris Leachman, Shelbie Bruce, Sarah Steele.
130 min. • Distribuição: Columbia Pictures.


A Queda! As Últimas Horas de Hitler

27/12/2009

Crítica de Cinema – Texto publicado originalmente em A ARCA, em 04/05/2005.

Na seqüência de abertura de A Queda! As Últimas Horas de Hitler (Der Untergang/Downfall, 2004), acompanhamos um grupo de jovens alemãs sendo escoltado por oficiais da SS, em direção à Toca do Lobo, o quartel-general de Adolf Hitler. As garotas, candidatas ao cargo de secretária pessoal do Führer, estão em polvorosa, nervosas, ansiosas e esperando causar uma boa impressão. Quando Hitler chega, as mulheres comportam-se como se estivessem frente à frente com um ídolo da TV. Depois de um rápido teste, Hitler escolhe a jovem Traudl Junge, de 22 anos, para ocupar o cargo. É a glória para a garota. Tudo isto acontece em uma madrugada fria de Novembro de 1942.

A cena seguinte avança dois anos e cinco meses no tempo, mais exatamente em 20 de Abril de 1945. Estamos no bunker do Führer, instalado no subsolo da Chancelaria Alemã. É o dia do 56.º aniversário do ditador. Em um dos cubículos que formam o esconderijo subterrâneo, Traudl Junge dorme. A secretária é acordada por um estouro. As bombas que explodem do lado de fora do cubículo indicam que o inimigo, o exército russo, aproxima-se com a velocidade e o efeito de um rolo compressor. Todos sabem que, a partir daí, ficar em Berlim é o mesmo que pedir pra morrer. A Alemanha está reduzida a pó, e só um milagre poderia causar a vitória de Hitler, que também esconde-se no bunker. Nas duas horas e meia de projeção que se seguem, o espectador se transformará em testemunha ocular de um período de dez dias na cúpula nazista. Até o dia 30 de Abril de 1945, Adolf Hitler cometerá suicídio. Em seguida, a Alemanha cairá.

Este é o plot central de A Queda!, um dos longas mais corajosos a aportar nos cinemas nos últimos tempos. “Corajoso”, porque é talvez a primeira produção alemã a escancarar os “bastidores” da era hitleriana (à exceção das fitas da Leni Riefenstahl, mas estas não contam). E “corajoso”, porque mexer com uma figura histórica como Hitler poderia render controvérsia em cima de controvérsia, polêmica em cima de polêmica. E rendeu: antes mesmo de sua estréia, a fita do diretor Oliver Hirschbiegel foi acusada de humanizar Hitler e omitir suas atrocidades (pô, se eles omitiram atrocidades, imagino como seria se não tivessem omitido!) – o mais bizarro, contudo, é saber que estas acusações vieram tanto de defensores dos direitos humanos judaicos quanto dos próprios alemães. Balela pura! Inspirado em parte nas memórias da ex-secretária pessoal de Hitler, Traudl Junge (falecida em 2002), A Queda! vai além do ditador que conhecemos nos livros de História do Mundo, mas em momento algum quer justificar seus atos ou ceder-lhe uma redenção. Hirschbiegel deixa claro que Adolf Hitler foi, sim, um dos maiores monstros que a humanidade já conheceu.

E é justamente neste ponto que a produção acerta bonito. O roteiro, escrito por Bernd Eichinger (produtor de longas hollywoodianos como o inédito Quarteto Fantástico), distancia-se de Hitler e analisa o painel dos últimos dias do 3.º Reich não apenas por um, mas por vários pontos de vista, mas nunca pelo ponto de vista dele mesmo – o que nos faz entender que muitos dos envolvidos não eram, de fato, más pessoas ou loucos psicóticos como o comandante. Boa parte, como a própria Traudl Junge, estava ali apenas por ter sido seduzida pelas promessas constantemente pregadas pelo Führer; promessas de um novo mundo, menos caótico e mais justo. Outros, mal entendiam o que estava acontecendo, e só engajavam-se no ideal nazista por terem sido forçados a escolher um dos lados. E é através dos olhos destas pessoas, daqueles que rodearam Adolf Hitler em seus últimos dias de vida, que testemunhamos o declínio do 3.º Reich e, finalmente, o final de seu reinado de terror.

Para mostrar a crueldade e o pateticismo das estratégias políticas e militares do comando de Hitler, somos apresentados a personagens totalmente opostos, todos eles reais, conforme narrados no livro escrito por Junge. Só pra citar um exemplo: na primeira meia-hora, conhecemos Peter (Donevan Gunia), 13 anos e integrante da Juventude de Hitler, que ganhará uma medalha das mãos do Führer em pessoa por ter destruído sozinho dois tanques russos – para desespero de seu pai, um pacifista que só quer o filho amado de volta; em seguida, somos apresentados à macabra Magda Goebbels (Corinna Harfouch), esposa do braço-direito de Hitler, o escrotíssimo Ministro de Propaganda Josef Goebbels (Ulrich Mattes), tão lunático quanto o chanceler. Em dado momento, Magda executa seus seis filhos pequenos, por ter a convicção de que as crianças, “puras e perfeitas”, não poderiam viver num mundo sem o Nacional-Socialismo. Isto é um ser humano?

Com relação ao próprio Hitler, o ditador é delineado pelo roteiro e pela direção como um homem de diversas facetas. Ao mesmo tempo em que podia ser extremamente cruel e escroto com seus subordinados (alguns ainda devotos, outros não mais), podia também demonstrar sinais de cavalheirismo clássico com as mulheres que amava e confiava, dentre elas sua amante e em seguida esposa Eva Braun (Juliane Köhler) e a própria Traudl Junge (Alexandra Maria Lara), duas pessoas visivelmente iludidas pelos falsos ideais do nazismo – e no caso de Braun, presa pelo amor incondicional pelo homem que Hitler representava. Com os civis, agia categoricamente: se os russos realmente estavam prestes a invadir a cidade, algo que Hitler recusava-se a acreditar, o povo deveria ser massacrado pelos próprios alemães antes disso – inclusive mulheres e crianças – e a Alemanha deveria ser totalmente destruída, para que “não sobrasse nada ao inimigo além de terra queimada”.

Acima de tudo, Oliver Hirschbiegel apresenta Hitler como um louco, covarde, lunático e perverso, que sequer conseguia dominar a si mesmo. Falhas estas, cobertas pelo excepcional carisma que possuía; não era difícil para Adolf Hitler dizer qualquer coisa e fazer com que as pessoas confiassem no que dizia. Não à toa, o homem não precisou fazer muito para conquistar praticamente toda uma nação. Cegos, aqueles que o seguiam acreditavam até que o suicídio manteria a dignidade, o heroísmo e o orgulho intactos e alimentaria a ideologia das gerações futuras – desde que o ato fosse cometido para “não ter que se entregar ao inimigo”. Um absurdo. Felizmente, não é este Hitler carismático que vemos na telona. Á exceção, claro, da primeira seqüência, das garotas na Toca do Lobo, onde entendemos perfeitamente o fascínio que o homem exercia no povo germânico. É neste ponto que a direção nos posiciona para nos fazer entender sua mensagem.

Como cinema, A Queda! é um exercício impecável de roteiro, atuação e direção. Tudo é feito com realismo e muito “pé no chão”, ao contrário de bobeiras vazias como Olga e filmes romanceados e fantasiosos como A Lista de Schindler. Nada aqui é atenuado e/ou transformado em poesia. Os diálogos são excelentes e propiciam ótimas atuações. Mas quem rouba a cena, sem dúvidas, é o fantástico ator suiço Bruno Ganz, intérprete de Adolf Hitler. É incrível como o ator incorporou todos os tiques do ditador, bem como seus gestuais e sua voz. Chega realmente a assustar. Em termos técnicos, é um cinemão da melhor qualidade, feito da maneira mais simples possível, explorando com agilidade a claustrofobia dos corredores escuros do bunker e da própria Alemanha nazista.

Mais chocante do que analisar A Queda! como CINEMA, contudo, é analisá-lo como IMPORTÂNCIA HISTÓRICA. O trabalho de Oliver Hirschbiegel não é importantíssimo apenas por revelar e dissecar um lado desconhecido deste período negro na história da humanidade; é também oportuno e funciona como um tremendo tapa na cara nestes tempos de novas guerras que vivemos, com novos candidatos a ditadores e novas marcas que ficarão para sempre nas vidas dos envolvidos. E o que nós, civis, estamos fazendo pra mudar este quadro? Pois é, de certa forma, também somos culpados. É como diz a própria Traudl Junge, a real Traudl Junge, numa extraordinária e horripilante narração em off que abre e fecha a exibição de A Queda!. Como se não bastasse ser contundente, pesado, cruel e importante, ainda é assustadoramente atual.

CURIOSIDADES:

• O cineasta Oliver Hirschbiegel é bastante conhecido lá fora por conta do aclamadíssimo A Experiência, considerado um dos melhores filmes estrangeiros de 2001. O enredo envolve um cientista que, obcecado em descobrir como funciona o comportamento humano, desenvolve um experimento: mantém 20 voluntários numa “cadeia simulada”, 8 como policiais e 12 como presos. De repente, os presos começam a acreditar que realmente estão presos, assim como os guardas acreditam fielmente que são guardas… A Experiência é protagonizada por Moritz Bleibtreu (o namorado imbecil de Franka Potente no já clássico Corra Lola, Corra), e existe em DVD no Brasil.

• Bruno Ganz, intérprete de Adolf Hitler, consagrou-se ao protagonizar o excelente Asas do Desejo (1987), de Wim Wenders, diretor que recentemente anda muito em baixa. Ganz interpretou o anjo Damiel, que se apaixona por uma mortal, a trapezista de circo Marion (a belíssima Solveig Dommartin). Asas do Desejo ganhou uma refilmagem ianque em 1998, intitulada Cidade dos Anjos. Na versão gringa, o anjo ganhou o nome Seth, a trapezista virou médica e Ganz e Dommartin deram lugar a Nicolas Cage e Meg Ryan. E eu não sei dizer qual das duas versões é melhor!

• O ator Thomas Kretschmann, que dá vida ao oficial traidor Hermann Fegelein, é bem atuante em Hollywood; o ator já deu as caras em fitas como o fraco Blade 2, o mais-ou-menos Resident Evil: Apocalypse e o bacanão U-571: A Batalha do Atlântico. Recentemente, Kretschmann dividiu a cena com Adrien Brody no oscarizado O Pianista; e estará em breve nas telonas no esperadíssimo King Kong de Peter Jackson.

• A comovente narração em off de Traudl Junge, que abre e fecha o filme, foi extraída do documentário Eu Fui a Secretária de Hitler (2002), em que Junge fala pela primeira vez sobre a aterradora experiência de trabalhar para o Führer. O doc foi exibido recentemente nos circuitos alternativos do Rio e de São Paulo. Uma curiosidade mórbida: Eu Fui a Secretária de Hitler estreou no Festival de Berlim em 10 de Fevereiro de 2002, exatamente o mesmo dia e ano em que Traudl Junge faleceu, aos 81 anos.

• A atriz e cineasta Leni Riefenstahl (1902-2003), citada acima como “aquela cujos filmes não contam”, é quase considerada o maior nome do cinema alemão e um dos maiores nomes do cinema mundial. Quase. Um pequeno detalhe impede Leni de abocanhar este título: ela era grande amiga e protegida de Hitler. Seus filmes, na verdade, não passam de propagandas nazistas, encomendadas e financiadas pelo próprio Hitler com a finalidade de espalhar seus ideais e conquistar adeptos por toda a Alemanha. Independente de ser simpatizante da causa hitleriana, Leni é considerada um gênio em termos de técnica e estética cinematográfica, e seu trabalho mais conhecido, O Triunfo da Vontade (1935), é tido como um dos 10 melhores filmes de todos os tempos. É assustador, e olhe que digo com conhecimento de causa, já que perdi três noites de sono com este filme…

• O relacionamento entre Adolf Hitler e Eva Braun foi dissecado recentemente no polêmico longa Moloch (1999), do diretor russo Aleksandr Sokurov, que fez um relativo sucesso nos circuitos de arte do Brasil.

A Queda! foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2005.

DER UNTERGANG • ALE/ITA/AUS • 2004
Direção de Oliver Hirschbiegel • Roteiro de Bernd Eichinger
Baseado nos livros “Inside Hitler’s Bunker”, de Joachim Fest, e “Bis Zur Letzten Stunde”, de Traudl Junge e Melissa Müller
Elenco: Bruno Ganz, Alexandra Maria Lara, Corinna Harfouch, Ulrich Matthes, Juliane Köhler, Heino Ferch, Christian Berkel, Matthias Habich, Thomas Kretschmann, Birgit Minichmayr, Götz Otto, Donevan Gunia.
156 min. • Distribuição: Europa Filmes.


O Expresso Polar

24/12/2009

Crítica de Cinema – Texto publicado originalmente em A ARCA, em 24/11/2004.

Quando os senhores El Cid, Fanboy e R.Pichuebas me comunicaram que eu teria que escrever algo sobre O Expresso Polar (The Polar Express, 2004), não aceitei meu destino trágico assim logo de cara. E olha que até tinha motivos pra isso: primeiro, o trailer não me agradou nem um pouco. Segundo, não escondo de ninguém que não sou chegado mesmo no Tom Hanks (eu sei, já andei recebendo ameaças de morte por conta desta declaração). E por último, O Expresso Polar está caminhando a passos largos para se tornar o maior fracasso comercial do ano – custou mais de US$ 170 milhões e não rendeu nem US$ 55 milhões. Detalhe este que me assustou bastante. E também os caras d’A ARCA já me torturaram demais quando me fizeram ver Táxi e Exorcista: O Início. Bem que podiam ter poupado meu sofrimento desta vez.

Enfim, acabei encarando o medo e fui assistir à película. E pra não permitir que a aversão a Hanks interferisse no meu trabalho, no meio do caminho fiquei lembrando que o cara fez filmes bem legais como A Última Festa de Solteiro, O Homem do Sapato Vermelho e, nos últimos anos, tomou a frente de O Resgate do Soldado Ryan, que eu declaradamente gosto muito. Então esqueci da minha antipatia pelo ator e cheguei à sessão de coração aberto, sem medo de talvez adorar o novo e supostamente inovador longa de Robert Zemeckis (De Volta para o Futuro) – e dar minha cara a tapa por isso.

As luzes da sala se apagaram e, depois de 97 minutos, tive uma única certeza: o Fanboy e o El Cid me odeiam. Eles me odeiam mesmo! O filme é tão chato, tão chato, que eu tive vontade de tentar contra minha própria vida.

MAS É TÃO RUIM ASSIM MESMO?

Antes de continuar, vou dizer uma coisa: é muito fácil pra qualquer um afirmar que não gostei de O Expresso Polar porque “sou daqueles que não gostam de filmes natalinos”. Não tenho nada contra, muito pelo contrário, nunca me incomodei com filmes assim e o Natal é particularmente um evento que me agrada bastante – eu gosto de luzes… :-P

Continuando, não que O Expresso Polar seja ruim, ruim, ruim. O problema é que esta produção tem zilhões e zilhões de defeitos. Não empolga, dá sono, tem diálogos risíveis, não prende os adultos e não prende as crianças. Fica bem claro durante toda a projeção que o trabalho é somente o resultado de um exercício de megalomania por parte dos senhores Zemeckis e Tom Hanks (que ganhou cinco papéis, cinco!). Não dá pra saber onde foi gasto tanto dinheiro. E a tal “técnica inovadora” que exaltaram é a maior furada, como vou explicar mais abaixo. Mas o defeito maior do filme ainda é glorificar os States. É filme pra americano ver, no pior sentido da palavra.

Vamos à pseudo-historinha: um pivete de 8 anos está deitado à sua cama, em plena véspera de Natal, sem conseguir dormir. Seus coleguinhas insistem que Papai Noel não existe, mas o garoto se recusa a acreditar nisso. De qualquer forma, sua fé no bom velhinho está abalada, e o moleque está lá, sem pregar no sono, à espera de qualquer sinal que possa clarear sua cabecinha. O sinal vem na forma de um trem que pára bem em frente à sua casa – o Expresso Polar do título. O misterioso condutor do trem (interpretado por… Tom Hanks) chama o garoto (interpretado por… Tom Hanks) para uma viagem até o Pólo Norte para conhecer o Papai Noel (interpretado por… Tom Hanks). Mesmo receoso, o moleque vai. No trem, conhece outras crianças, uma que não confia em si mesma, outra que sofre de ausência de humildade, e por aí vai. Estas crianças aprenderão algumas coisas sobre o espírito humano, algo mais ou menos assim.

ROTEIRO DE PÁRA-CHOQUE DE CAMINHÃO

Vamos começar pelo roteiro: a história, inspirada no livro de Chris Van Allsburg (autor também de Jumanji – seu trabalho é conhecido bem dizer somente lá nos EUA), tem uns furos cabulosos e personagens que não conquistam o público. As crianças principais, então, são um pé no saco. Dá vontade de jogá-las do trem em movimento, uma por uma! Algumas frases de efeito são tão sofríveis que é preferível sentar na beira da estrada e ficar lendo aqueles troços escritos em pára-choque de caminhão. Algumas cenas, como a do vagão dos brinquedos velhos, não se explicam. E há alguns erros terríveis de concordância (tudo bem que é uma história de fantasia, mas ir de Michigan ao Pólo Norte e voltar na mesma noite?).

Como se não fosse o bastante, a história é simples e inocente demais. Os caras vão até o Pólo Norte pra encontrar o barbudo e pronto, nada de profundidade emocional. Bem, será difícil alguém engolir esta historinha quando vivemos num mundo cujas crianças fizeram o sucesso de longas de certa forma complexos como Procurando Nemo e Shrek. Outro fator que está contribuindo bastante pra afundar este abacaxi é o fato de o visual do filme ser escuro demais em grande parte da projeção. Os pequerruchos, que seriam os únicos que poderiam aceitar numa boa a ingenuidade do roteiro de Zemeckis, preferirão se deslumbrar com o colorido de Os Incríveis e, principalmente, do longa do Bob Esponja (por sinal, dois filmes que merecem muito mais atenção que este aqui).

A LIV TYLER É UMA ELFA E O PAI DELA É UM DUENDE

Já a trilha sonora é completamente indecisa. A parte incidental, composta por Alan Silvestri (colaborador habitual de Zemeckis), é exatamente igual à trilha de tantos outros filmes natalinos, e vem numa salada com canções de Bing Crosby, Frank Sinatra e Aerosmith (?). Isso porque, em dado momento, aparece o Steven Tyler em pessoa, ou melhor, em CGI, numa versão “elfo” muito tosca, cantando e dançando na animação em computador mais feia do ano. Bizarro! Pelo menos a gente sabe agora que Tyler não é um alienígena, como todos pensavam, e sim um duende.

E o que dizer das canções compostas especialmente para o filme por Glen Ballard? As letras são ridículas e a melodia idem – bem, o que poderíamos esperar de alguém que escreve músicas para a Christina Aguilera? Em um certo momento, só faltou o Dinossauro Barney entrar em cena, pulando e cantando. Já os efeitos sonoros são ótimos (pelo menos uma coisa boa), ao contrário das cenas de “ação”, tão monótonas que, a todo momento, a gente espera que o trem descarrilhe e vá todo mundo conhecer Jesus logo de uma vez ao invés do Papai Noel. Que macabro! :-D

E A TAL TÉCNICA REVOLUCIONÁRIA?

Pois é, muito se falou disso. Pra quem não sabe, Robert Zemeckis diz ter “criado” uma “técnica” que consiste na captação de imagens dos atores com roupas especiais cheias de sensores óticos. As imagens, depois de captadas por câmeras especiais em ângulos de 360º, foram transferidas para um computador e transformadas em CGI, onde os técnicos de efeitos visuais inseriram os cenários, os figurinos… bem, todo o resto. O orçamento inflado do projeto se deve principalmente a esta técnica. Mas… e daí?

Antes de mais nada, essa história de “técnica inédita” é balela. Outras fitas contém processos bem semelhantes, inclusive o ardiloso Gollum de O Senhor dos Anéis foi feito assim (com resultados perfeitos e muito além destes aqui). E uma pergunta que ficou na cabeça de todos: pra quê fazer desta maneira? Pra quê inventar história? Segundo o diretor, o enredo de O Expresso Polar não permitia uma filmagem convencional. Em alguns pontos, concordo. Mas seria muito mais fácil rodar o longa com os atores e depois incluir o cenário virtualmente – processo já utilizado em muitos outros filmes. Não precisava fazer tudo em CGI. E o resultado final é muito bom, mas nada espetacular. O visual de Final Fantasy, feito mais ou menos desta mesma maneira, era bem superior. Onde está o “revolucionário”?

E o problema mais grave de todos parte justamente daí: os personagens virtuais. Eles não têm expressão. Acontecem mil coisas, mil situações, e os personagens ficam sempre com aquela mesma cara de peixe morto, aquele mesmo olhar vago. Em uma certa cena, o tal pivete passa por um perigo de morte e sua expressão é a mesma de sempre. Sem vida. Tal qual o “espírito que vive no teto do trem” (interpretado por… Tom Hanks), que grita, chora, berra, fala manso e não muda de expressão. Como se o Cigano Igor tivesse servido de modelo para os bonequinhos… Ao fim, o espectador não consegue simpatizar com os personagens. Como se empolgar com uma fita se não estamos nem aí para os protagonistas?

FILME PRA AMERICANO VER, E MAIS NINGUÉM

De fato, O Expresso Polar merece mesmo toda a recepção negativa que anda ganhando nas salas de exibição. É fraco, pretensioso, cliché, falso e beeeeeem vazio. Definitivamente, a pior opção para a garotada neste final de ano. O ideal é ficar mesmo com Os Incríveis, que já ganhou o posto de filme mais cool do ano antes de estrear, ou o divertidíssimo desenho do Bob Esponja. Bom, pra duas coisas a fita do Zemeckis serviu: agora sabemos que o trenó do Papai Noel foi fabricado com peças desmanchadas do DeLorean do Marty McFly (pois é, só vendo pra crer) e só as crianças dos Estados Unidos ganham presentes do bom velhinho, como o filme faz questão de provar. Não são só eles que importam? Deprimente.

Pombas, então ninguém vai gostar deste filme? Não é bem assim, tem pessoas que vão gostar. Os americanos.

CURIOSIDADES:

• A técnica utilizada em O Expresso Polar é na verdade um aperfeiçoamento do trabalho do diretor Richard Linklater num estranhíssimo filme chamado Waking Life (2001), em que um personagem se vê imerso num mundo de sonho. Neste filme, porém, a película não foi transformada em CGI e sim em animação tradicional, causando um efeito impressionante. Obrigatório!

• Além de Tom Hanks, trabalham no filme os atores Nona Gaye (a Zee de Matrix Reloaded), Peter Scolari (ator de teatro), Eddie Deezen (o nerd de Grease, nos Tempos da Brilhantina) e o ótimo dublador Charles Fleischer (que deu voz ao nervoso coelho Roger Rabbit no longa de 1988). Todos estes atores serviram de “modelo psicológico” para personagens de crianças, à exceção de Fleischer, que fez o duende chefe.

• O ator Michael Jeter, que trabalhou em À Espera de um Milagre e fez aqui seu último trabalho (como os irmãos maquinistas, dois personagens que estão aqui só pra ocupar espaço), faleceu em 2003, em decorrência do vírus da AIDS.

• Quando questionado sobre a má qualidade dos efeitos no que diz respeito aos humanos, Robert Zemeckis teve um ataque e afirmou com todas as letras que a intenção não era mesmo fazer tudo parecer real, e sim meio estilizado. Tá bom, Bob. A gente acredita.

THE POLAR EXPRESS • EUA • 2004
Direção de Robert Zemeckis • Roteiro de Robert Zemeckis e William Broyles, Jr.
Baseado no livro de Chris Van Allsburg
Elenco: Tom Hanks, Eddie Deezen, Michael Jeter, Nona Gaye.
97 min. • Distribuição: Warner Bros.


Filmes para Embalar o Natal

24/12/2009

Matéria de Cinema – Texto publicado originalmente em A ARCA, em 30/11/2004.

Natal é época de dar presentes, receber presentes, refletir sobre as coisas boas e ruins, planejar o que será posto (ou não) em prática no ano seguinte… e filmes, muitos filmes! O que chove de produções que glorificam a data ou mesmo que utilizam a chegada do barbudinho vermelho como pano de fundo para suas histórias não está escrito no gibi. O grande problema aí é que a maioria deles acaba se tornando descartável, com prazo de utilização restrito ao mês de Dezembro. Mas alguns, somente alguns, conseguem romper esta barreira e se tornam universais e atemporais. Dê uma olhada em alguns longas clássicos que nunca perdem seu charme… ou melhor, seu brilho!

• A FELICIDADE NÃO SE COMPRA, de Frank Capra

A história: George Bailey (James Stewart) é um cara legal que comanda uma cooperativa de construção de casas populares, que era de seu pai. Numa trapaça de seu arqui-inimigo, o imobiliário Potter (Lionel Barrymore), Bailey perde todo o dinheiro dos contribuintes. Revoltado e desmoralizado, resolve se suicidar em plena Noite de Natal. E eis que surge Clarence (Henry Travers), seu anjo da guarda, que na tentativa de fazer com que Bailey mude de opinião, lhe mostra como a vida teria sido ruim se ele não existisse.

Por que está nesta lista? Indicado a 5 Oscars em 1946, incluindo Melhor Filme, A Felicidade Não Se Compra (It’s a Wonderful Life) faz um enorme sucesso até hoje e é considerado por público e crítica a obra máxima do cultuado diretor Frank Capra (1897-1991), que dirigiu e escreveu nada menos do que 53 longas. Capra, que costumava lidar com temas bem humanos e politicamente corretos em seus filmes, realizou aqui uma história absolutamente agridoce que poderia acontecer em qualquer década, em qualquer lugar, mas que encontrou seu lugar na América pós-Segunda Guerra Mundial e na época de Natal. O final otimista é de cortar o coração – e fazer com que qualquer um saia sorrindo depois de uma sessão, por mais que esteja entalado de problemas.

• NATAL BRANCO, de Michael Curtiz

A história: Dois talentosos cantores-dançarinos (Bing Crosby e Danny Kaye), que acabaram de voltar da Segunda Guerra, conhecem duas irmãs também cantoras-dançarinas (Rosemary Clooney e Vera-Ellen). Apaixonados pelas duas, os dois amigos as seguem até Vermont, onde elas apresentarão um espetáculo de Natal. Lá, eles encontram seu antigo general (Dean Jagger), que agora está na miséria. Os quatro, então, farão o impossível para livrar o amigo da barra.

Por que está nesta lista? Natal Branco (White Christmas, 1954), musical clássico de Michael Curtiz (o homem que deu vida a Casablanca), é tido como um dos grandes exemplares do gênero. Com canções compostas pelo conceituado Irving Berlin, com destaque para a canção-título, e contando com o dançarino em ascensão Bing Crosby no elenco, o longa faturou muito bem nas bilheterias, e marcou o auge dos musicais no cinema. Apesar de ser inocente demais, é uma ótima pedida para toda a família: colorido, inteligente, engraçado e simplesmente dotado de magia.

• PARCEIRO DO SILÊNCIO, de Daryl Duke

A história: O bancário Miles (Elliot Gould) é tímido e desajeitado. Na véspera de Natal, o criminoso Reikle (Christopher Plummer), vestido de Papai Noel, tenta assaltar seu caixa, que tinha nada menos do que 50.000 dólares. Num acesso de esperteza, Miles engana o ladrão, entregando-lhe somente 2.000 dólares, fica com os outros 48.000 e ainda aciona o alarme no exato momento, dando a impressão de que Reikle, que fugiu, levou toda a grana. O problema é que Miles passa a ser perseguido por Reikle, que o trata como se este fosse um comparsa que lhe passou a perna. Para que seu plano particular dê certo, Miles precisa manter as aparências e despistar Reikle.

Por que está nesta lista? Mesmo não sendo exatamente um “filme de Natal”, Parceiro do Silêncio (The Silent Partner, 1978) é uma senhora fita de suspense, que fez bastante sucesso em sua terra natal (o Canadá) e também no resto do mundo, além de revelar o talento de Elliot Gould (presença constante no finado Friends, como o pai de Courteney Cox). O diretor Daryl Duke realizou uma bela homenagem a Alfred Hitchcock, usando as festas natalinas para mostrar que, quando uma pessoa é cruel e maquiavélica em sua essência, não há nada que desperte um sentimento bom em si, nem mesmo o Natal.

• GREMLINS, de Joe Dante

A história: O jovem Billy Peltzer (o desaparecido Zach Galligan) ganha de presente de Natal um Mogwai, uma espécie de “bichinho de estimação”. As recomendações do antigo dono do bicho, um velho chinês residente em Chinatown, são claras: 1) Nunca o exponha a luz forte; 2) Nunca o molhe e 3) De maneira alguma, por mais que ele implore, nunca, mas nunca mesmo, dê comida depois da meia-noite. Obviamente, as regras não serão respeitadas. Com isso, surgirão… os Gremlins!

Por que está nesta lista? Pelo amor de Deus! É um dos filmes mais legais da década de 80. Gremlins (1984) competiu com pesos pesados do porte de Indiana Jones e o Templo da Perdição e Os Caça-Fantasmas nas bilheterias, e ainda saiu lucrando. Dirigido por Joe Dante (responsável por trabalhos bem bacanas como Matinê e Joe Contra o Vulcão), a história usa a invasão dos endiabrados monstrinhos – uma bela duma sátira aos filmes B dos anos 60 – para retratar um dos mais importantes pontos do espírito natalino: o senso de união. E é hilário ver o Papai Noel passar correndo ao fundo de uma cena, desesperado, coberto de Gremlins psicóticos pendurados! :-D

• ESQUECERAM DE MIM, de Chris Columbus

A história: A numerosa família McCallister vai passar o Natal na França, mas devido a uma série de confusões na hora do embarque, esquece um pequeno detalhe: Kevin (Macaulay Culkin), o filho caçula. Sozinho em casa, o pivete de 8 anos a início adora a idéia e faz tudo o que sempre quis fazer, como tomar sorvete a qualquer hora, dormir até tarde e afins. No entanto, Kevin terá que deixar tudo isso de lado para defender sua fortaleza de dois ladrões, Harry (Joe Pesci) e Marv (Daniel Stern). A alegria se transforma em pesadelo… para os ladrões, claro.

Por que está nesta lista? Independente de Chris Columbus ser um bom diretor ou não, Esqueceram de Mim (Home Alone, 1990) é um marco na indústria do cinema de entretenimento. Inaugurou o subgênero de comédias infantis de carne-e-osso inspiradas em desenhos animados (os ladrões sofrem o diabo nas mãos do moleque em situações típicas dos Looney Tunes), apresentou Macaulay Culkin ao mundo (que depois viria a se envolver com drogas, Michael Jackson e abraçaria o limbo cinematográfico) e entrou para o Guiness Book como a comédia mais rentável do cinema – US$ 533 milhões de dólares pelo mundo afora. Fora isso, é um exaltação pura e grandiosa do espírito natalino em estado bruto. Ganhou três continuações, todas muito sofríveis.

• O ESTRANHO MUNDO DE JACK, de Henry Selick

A história: Jack Skellington, o rei-abóbora da Cidade do Halloween, descobre a Cidade do Natal e se encanta com o evento. Sedento de novidades, Jack resolve trazer a festividade para a sua cidade, seqüestrando o Papai Noel e fazendo tudo a seu modo. O resultado? O Natal mais estranho, macabro e hilariante que já existiu!

Por que está nesta lista? Porque O Estranho Mundo de Jack (The Nightmare Before Christmas, 1993) veio da cabeça de Tim Burton. Só este motivo já basta. Ainda assim, é um espetáculo hilário e de visual arrebatador, que renovou a técnica da animação em stop-motion (leia-se: de massinha) e rendeu três vezes mais o que custou (seu custo, baratíssimo, foi de US$ 18 milhões). Uma excelente história que afirma os valores morais existentes na maioria ds longas natalinos dos anos 40: todos, sem exceção, têm direito a ser feliz. Encantador.

• VAMOS NESSA, de Doug Liman

A história: Véspera de Natal. Ronna, que trabalha como caixa de supermercado, está sem dinheiro pra pagar o aluguel e provavelmente será despejada assim que chegar em casa. Por dinheiro, ela aceita cobrir o turno de Simon, inglês que quer viajar a Las Vegas com seus amigos Singh, Marcus e Tiny. Para complementar o orçamento, Ronna decide trapacear o fornecedor de drogas de Simon, o perigoso Todd, a fim de revendê-las para os atores (e namorados) Adam e Zack, que por sua vez estão sendo chantageados pelo dúbio e insinuante policial Burke. Enquanto isso, em Las Vegas, Marcus e Simon vão a um prostíbulo de luxo em que é proibido “tocar nas garotas”. Mas…

Por que está nesta lista? Este é praticamente o mesmo caso de Parceiro do Silêncio, já citado nesta matéria. Vamos Nessa (Go, 1999), dirigido por Doug Liman (de Identidade Bourne e Sr. & Sra. Smith), une três histórias engraçadíssimas, com um excelente elenco, e indo e voltando no tempo a toda hora mas sem perder a mão em momento algum. Fora que a última frase, saída da boca do ator Nathan Bexton, é antológica. Bem, o Natal aqui serve mesmo somente como pano de fundo – e a imagem do bom velhinho surge exclusivamente na forma de uma estátua no meio de um galpão onde está acontecendo uma alucinante rave. Se é assim, por que está aqui? Porque é o maior filmaço e pronto!

• O GRINCH, de Ron Howard

A história: O Grinch (Jim Carrey) sempre odiou o Natal. Aliás, ele sempre odiou todo mundo. Tudo isso porque ele nasceu verde e peludo na cidade dos Quem, que fica dentro de um floco de neve. Vivendo no alto de uma montanha, já que é temido pela população local, o Grinch agarra uma excelente oportunidade de se vingar de todo o povo de Quem quando é convidado por uma garotinha a participar do evento anual de comemorações natalinas. Mas as coisas não serão tão simples assim, e o Grinch aprenderá algumas lições muito importantes sobre o espírito humano.

Por que está nesta lista? O longa infantil de Ron Howard, O Grinch (How The Grinch Stole Christmas, 2000), inspirado no clássico livro de Dr. Seuss, ganhou um reforço que fez toda a diferença: Jim Carrey. O ator, irreconhecível com a maquiagem do Grinch, simplesmente deu um banho de interpretação, tornando seu Grinch mais elástico ainda do que o aclamado desenho de Chuck Jones de 1966, e mais uma vez provou o grande ator que é e sempre foi. Como se não bastasse, os efeitos especiais são muito bacanas, há uma narração emocionada de Anthony Hopkins (prefira sempre as versões legendadas!) e um importante mensagem: não importa se você é negro, branco, amarelo, azul, ou verde e peludo, dane-se as diferenças! É isso aí!

• SIMPLESMENTE AMOR, de Richard Curtis

A história: Um escritor britânico parte para o sul da França e lá acaba descobrindo o amor. Billy Mack busca retomar sua carreira como astro do rock. Karen desconfia que seu marido Harry a está traindo. Juliet, recém-casada, desconfia das intenções de Mark, o melhor amigo de seu marido. Sam tem por objetivo chamar a atenção e conquistar a menina mais difícil da escola. O novo Primeiro-Ministro inglês se apaixona por uma de suas funcionárias, Natalie. Sarah finalmente consegue sair com Karl, por quem nutre uma antiga paixão silenciosa. Aparentemente sem qualquer ligação, estas histórias se chocarão delicadamente e aos poucos.

Por que está nesta lista? Quem não gostaria de passar o Natal acompanhado de seu grande amor? Tudo bem, é um pensamento meio piegas (desculpem, meninas românticas de plantão). Mas o grande “quê” de Simplesmente Amor (Love Actually, 2003) é justamente usar o período de festas natalinas para retratar a busca incessante do ser humano pelo amor. Com um roteiro primoroso e atuações excelentes de todo o elenco, por sinal muito bem escolhido – e que conta inclusive com Rodrigo Santoro -, este divertido longa é daqueles que te faz sair da sessão com vontade de beijar a boca da(o) primeira(o) garota(o) que vir à sua frente. Pra assistir sem medo de se emocionar e ser feliz.

• PAPAI NOEL ÀS AVESSAS, de Terry Zwigoff

A história: O Natal é a época preferida do simpático meliante Willie (Billy Bob Thornton). Afinal, a cada final de ano, o indivíduo e seu comparsa, o anão Marcus (o excelente Tony Cox), disfarçam-se de Papai Noel e seu ajudante Elfo e empregam-se em lojas de departamento com o objetivo de limpar o lugar em plena noite de Natal. Um plano engenhoso e quase infalível, diga-se de passagem. Mas o que pode acontecer quando Willie, sujeito que não está nem aí pra nada, mergulha fundo na bebida e começa a comparecer no trabalho totalmente bêbado e cada vez mais boca-suja, dando umas escapadas para “degustar” a mulherada dentro de provadores e mandando “àquele lugar” qualquer um que lhe dirija a palavra – inclusive as crianças?

Por que está nesta lista? Vamos aos fatos: Papai Noel às Avessas (Bad Santa, 2003) é um dos filmes mais engraçados dos últimos dois ou três anos. Claro que esta produção, assinada pelo cultuado cineasta Terry Zwigoff (Mundo Cão), só funcionará se você for adepto das comédias de humor negro – e bota negro nisso: é hilário ver Willie xingando crianças e pais incrédulos dos mais variados “nomes bonitos” possíveis! Isto sem contar a presença da estonteante Lauren Graham (a Lorelai de Gilmore Girls), como uma garçonete com uma fantasia sexual bastante, ahn, esquisita… E Deus, de onde tiraram aquele engraçadíssimo gordinho chamado Brett Kelly, que atende pelas melhores sacadas da fita? Enfim, Papai Noel às Avessas mostra que o Natal pode transformar até mesmo o mais duro dos corações. Bonito, isso. :-)

Bem, aí estão algumas dicas bem interessantes para passar o Natal, o Ano Novo, a Páscoa, o Dia das Crianças… qualquer dia! Hehehe… Pois é, garanto que é beeeeeeem melhor do que enfrentar uma sofrida sessão daquela tosqueira natalina horrorosa chamada O Expresso Polar! Não! O expurgo deste filme seria um ótimo presente de Natal… E jingle bells pra todo mundo! :-D

CURIOSIDADES:

• Frank Capra, diretor de A Felicidade Não Se Compra, também comandou Aconteceu Naquela Noite (1934), um dos três únicos vencedores das cinco categorias principais do Oscar (para quem não sabe, são eles: melhor Filme, melhor Diretor, melhor Ator, melhor Atriz e melhor Roteiro). Os outros dois longas que conseguiram realizar esta façanha são Um Estranho no Ninho (1975) e O Silêncio dos Inocentes (1991).

A Felicidade Não Se Compra foi o primeiro trabalho do grande ator James Stewart (habitual colaborador de Alfred Hitchcock) depois da Segunda Guerra. Stewart, que serviu o exército na ocasião, ficou tão chocado com a guerra que chegou a cogitar abandonar o cinema. Ele só retornou às telonas depois que seu amigo de longa data Lionel Barrymore (que interpreta o vilão neste filme) lhe pediu, usando os mais baixos golpes de chantagem emocional…

Natal Branco seria originalmente protagonizado por Fred Astaire, que já tinha formado uma parceria com Bing Crosby muito bem-sucedida financeiramente em Duas Semanas de Prazer (1942). Contudo, pouco antes das filmagens, Astaire decidiu que iria se “aposentar”, dando lugar a Danny Kaye. Sua “aposentadoria” durou somente um ano. Vai entender estes astros de Hollywood…

• O roteirista de Parceiro do Silêncio é Curtis Hanson, que mais tarde viria a responder pela direção de elogiados longas como Los Angeles: Cidade Proibida, Garotos Incríveis, 8 Mile – Rua das Ilusões e o recente Em Seu Lugar.

• A versão original de Gremlins, que nunca foi filmada, contava com elementos bem macabros, como muitas mortes sangrentas e a tranformação do Mogwai bonzinho Gizmo no malévolo, calculista e homicida líder dos Gremlins. O digníssimo senhor Steven Spielberg, produtor da fita, alterou o conceito básico do longa para que pudesse ser acessível a todas as idades. Sempre ele cagando tudo…

• Muita gente não sabe, mas a famosa expressão de Macaulay Culkin em frente ao espelho em Esqueceram de Mim (imagem que também ilustra o cartaz original do filme) é uma referência clara ao quadro The Scream, de Edvard Munch, o mesmo quadro que inspirou a máscara de Pânico, de Wes Craven.

• Sarah Polley, estrela de Vamos Nessa, faria mais tarde o papel principal do ótimo Madrugada dos Mortos, refilmagem do clássico gore de George A. Romero.

• Em O Grinch, nas cenas em que as nuvens passam, se você olhar bem de perto conseguirá ver três inscrições: CH, JC e RH. São as siglas dos atores Clint Howard (o prefeito da cidade dos Quem), Jim Carrey e do diretor Ron Howard. A narração de Anthony Hopkins foi gravada em um único dia. Isso é que é ganhar dinheiro fácil…

Papai Noel às Avessas bateu um recorde para um filme natalino: durante sua projeção, há nada menos do que 147 usos daquela palavrinha odiada pelos americanos (aquela que começa com “f”…). O papel de Billy Bob Thornton foi disputado à tapa por dois pesos-pesados: Jack Nicholson e Bill Murray. Nicholson foi proibido de fazer o longa por já ter assinado contrato para rodar Alguém Tem Que Ceder, e Murray preferiu ir ao Japão para integrar o elenco de Encontros e Desencontros.

FILMES PARA EMBALAR O NATAL
Matéria publicada originalmente em A ARCA, em 30/11/2004
Complemento do especial de Natal de 2004 do website.


Tudo em Família

24/12/2009

Crítica de Cinema – Texto publicado originalmente em A ARCA, em 07/01/2006.

Afe! Já estou até vendo que vou me lascar bonito em 2006. Sei lá se foi apenas má sorte ou é um presságio, mas começar o ano com um filme ruim logo de cara não deve ser bom sinal! Vou até me benzer, procurar ajuda ou algo do gênero, não é possível. :-P

E olhe que eu até esperava alguma coisa boa de Tudo em Família (The Family Stone, 2005), “suposta” comédia romântica (a razão da palavra “suposta” eu explico mais tarde) que chegou aos cinemas brazucas com um pouco de atraso – afinal, é uma típica produção natalina. Sim, tenho mesmo traumas horrorosos com fitas de Natal, ou pelo menos com uma fita de Natal específica, envolvendo um trenzinho e um bando de crianças em CGI mal-feitas e sem expressão. Hehehe! Bem, geralmente acho filmes natalinos um tanto deprimentes, como diria a Srta.Ni, mas esta aqui conta com um atrativo bastante especial chamado Rachel McAdams (de Penetras Bons de Bico e Vôo Noturno). Ela vale qualquer ingresso. ;-D

Pois é, pensei que Tudo em Família até seria legal, no mínimo divertidinho, e… torta na cara! Ao final, a fita mostra-se apenas uma produção super-hiper-ultra-mega CHATA, daquelas de fazer qualquer um morrer de tédio ou de diabetes durante a sessão. Sério mesmo, o longa chega a ser insuportavelmente maçante em certos momentos. E isto não é um surto psicótico de um “anti-comédias românticas”, visto que não tenho medo de assumir que gosto de boa parte dos exemplares do gênero. Ah, são perfeitos quando você quer – e precisa – desligar o cérebro e apenas relaxar. O problema principal, além do filme todo (!), é exatamente este: comédia romântica? Quem disse que isto é comédia romântica?

Vamos às explicações: se você teve oportunidade de conferir o trailer de Tudo em Família, que por sinal é bem bonitinho, certamente imaginou que o filme pretendia ser uma fitinha bem leve, bem água-com-açúcar, daquelas recheadas de piadas bobinhas, casais que se odeiam e depois se amam e blá blá blá. Produçãozinha bacana para se levar a(o) namorada(o) num domingão à noite. Sim, eu também tinha esta concepção. Para o negócio ficar altamente padrão, só faltou mesmo o Tom Hanks e a Meg Ryan no elenco, Bonnie Hunt no roteiro e Nora Ephron na direção. :-)

Antes fosse assim, viu? Na verdade, o resultado final de Tudo em Família não passa de um dramalhão mexicano típico dos medíocres folhetins da Televisa. Ugh! Ah, vamos concordar: quem vai ao cinema para assistir um romance bobinho não quer ver um longa sofrido e melancólico que passa mais da metade da projeção focado num personagem que está morrendo de uma doença fatal! Pois é, acredite se quiser, é isto que acontece aqui. Claro, seria errado atribuir a má qualidade do filme a este detalhe, embora eu esteja até agora amaldiçoando o executivo que teve a “brilhante” idéia de vender Tudo em Família como comédia. E daí que é um drama? Pode ser um bom drama, não tem crise. Mas o fato é que Tudo em Família é um drama chato, arrastado, com personagens sem carisma algum. Se eu fizesse parte deste clã, faria de tudo para ser deserdado, numa boa.

Só para se ter uma idéia do quão maçante é o negócio, a única coisa que realmente me empolgou foi uma velharia do Jefferson Starship que toca ao final da fita, que cansei de ouvir nas “rádios de elevador” da vida e sempre quis saber o nome. :-D

Então, vamos ao pseudo-enredo do longa: o clã Stone, chefiado por Kelly (Craig T. Nelson, o dublador do Sr. Incrível) e Sybil (Diane Keaton, repetindo-se pela enésima vez), prepara-se para receber seus filhos para mais um Natal. Desta vez, porém, o queridinho da mamãe, o bem-sucedido Everett (Dermot Mulroney, As Confissões de Schmidt), traz a tiracolo sua namorada, a estressada e workaholic Meredith Morton (Sarah Jessica Parker, a estrela do finado seriado Sex & The City), a quem pretende propor casamento durante as comemorações natalinas.

O problema: Meredith contrasta por completo com os modos liberais da família. Seu jeitão travado desperta o ódio nos Stones, principalmente na encapetada Amy (Rachel McAdams), o que ocasiona uma série de conflitos entre Everett e o resto dos parentes. O único que nutre certa simpatia pela executiva é o maconheiro Ben (Luke Wilson, Os Excêntricos Tenenbaums), que não detesta Meredith, só acredita que o grande problema com o casal é que não há amor de ambas as partes. Óóóóóó, que meigo… :-P Bom, a coisa fede quando Meredith não agüenta o baque, surta e chama sua irmã Julie (Claire Danes, O Exterminador do Futuro 3) para dar-lhe apoio moral e ajudá-la a conquistar a parentaiada do futuro marido. A presença de Julie, como diz a sinopse, “dará início a muitas confusões”…

Enfim, até que o roteiro não é lá tão tenebroso assim. É só fraquinho, mas até que poderia render um filme bobinho-mas-divertido para se assistir no DVD. Só que o longa, escrito e dirigido por um certo Thomas Bezucha (quem?), que antes de ser uma tentativa de cineasta era executivo de moda (?), insiste em querer ser mais do que o enredo permite. Aos poucos, Tudo em Família perde o bom humor de seus momentos iniciais e mergulha numa série de situações exageradamente dramáticas, como o definhar de um dos personagens, que sofre de câncer, e o sofrimento de outro personagem, que abandonou seus sonhos para se dedicar a uma carreira segura… ou seja, tudo aquilo que já cansamos de ver nos made for TV que assombram a TV aberta nas noites de sábado. :-P

E este não é o único problema da fita. O cara não se decide se é comédia ou drama, pô! Quando você pensa que o negócio acabará em lágrimas, o roteiro enfia um personagem levando tombo (?). Sim, ao que parece, a concepção do roteirista para o termo “comédia” é alguém levando um capote, porque as poucas cenas que causam sorrisinhos amarelos envolvem pessoas escorregando e levando tombos. Uau, hein? Ainda poderia falar sobre a inutilidade da personagem da gracinha Claire Danes – ela só está lá para servir de “novo amor” para um personagem e justificar um dos maiores clichês do filme, a horrorosa “cena do ônibus” -, assim como também poderia comentar sobre a péssima atuação de Diane Keaton (ela está igual a TODOS os filmes que fez, nunca muda!), dentre outras coisas, mas perderia muito tempo. Afinal, teria que falar da película inteira. :-D Aliás, a Diane Keaton traz o figurino de casa? Sério, acho que faz uns 20 anos que ela usa basicamente a mesma roupa em todos os filmes que faz! Será promessa? Vixe.

No mais, até que Tudo em Família carrega alguns pontos positivos. Um exemplo é o tratamento dado ao casal homossexual Thad (o fraco Ty Giordano) e Patrick (Brian J. White), um deles negro e o outro com deficiência auditiva, retratados com seriedade e sem estereótipo algum. Se os caras não andassem colados e abraçados quase o tempo todo, juro que não desconfiaria… Outra escolha acertada é a escalação de Sarah Jessica Parker, divertidíssima como a deslocada Meredith. E não podemos nos esquecer da Rachel McAdams, que não faz pilomba nenhuma aqui, mas é linda de qualquer jeito, e é o que importa. :-) Pena que nada disso seja suficiente para compensar a bocejante experiência de enfrentar uma sessão.

Para resumir, Tudo em Família resulta num péssimo trabalho, seja no quesito comédia romântica, seja no quesito drama. E só serviu mesmo para que o Zarko aqui confirmasse três informações: a) a Rachel McAdams é realmente uma graça, b) filmes natalinos carregam uma maldição milenar, e c) eu definitivamente não devo ter sido um bom menino em 2005. Deus, onde errei? :-P

CURIOSIDADES:

• Os produtores de Tudo em Família sondaram atores como Billy Crudup (Peixe Grande), Aaron Eckhart (O Núcleo) e Johnny Knoxville (Os Reis de Dogtown) para o papel de Ben Stone. Todos eles demonstraram interesse para participar do projeto, mas pularam fora depois de algum tempo (!). Assim, o papel ficou para Luke Wilson. Será que eles fugiram depois de ler o roteiro?

• A música de abertura da fita, a clássica Let It Snow, Let It Snow, Let It Snow, é a mesma que encerra os dois primeiros filmes da fantástica cinessérie Duro de Matar.

• A propósito: o nome da música do Jefferson Starship é Count On Me. :-D

THE FAMILY STONE • EUA • 2005
Direção de Thomas Bezucha • Roteiro de Thomas Bezucha
Elenco: Sarah Jessica Parker, Claire Danes, Diane Keaton, Rachel McAdams, Dermot Mulroney, Craig T. Nelson, Luke Wilson, Tyrone Giordano.
102 min. • Distribuição: 20th Century Fox.